Biscoitagem
Ronaldo Junior - Atualizado em 30/04/2022 00:29
Fazer e postar – um movimento sincronizado tão curioso quanto incômodo.

Eu sempre achei esquisita a relação obsessiva das pessoas com as redes sociais – o que se aplica também a mim -, sobretudo ao conhecer pessoalmente quem está por trás de determinados perfis.

Já gargalhei com perfis cômicos de amigos virtuais, repletos de memes engraçadíssimos – sim, meu senso de humor não é muito exigente -, e descobri depois que o administrador era um cara completamente sem graça e introvertido. Timidez ou dupla personalidade? Vai saber.

Por outro lado, para além das pessoas que viram personagens caricatos nas redes, eu fico abismado quando vejo aqueles que postam absolutamente tudo: do aniversário do cachorro ao cachorro quente na praça, nada passa sem um registro nos stories.

Neste exato instante, por exemplo, estou numa cafeteria presenciando alguém fotografar seus solitários (apesar de unidos) três pães de queijo antes de comê-los solitariamente – um like ou um emoji de coração pode, certamente, preencher esse vazio que a comida não conseguiu alcançar.

Essas pessoas, decerto, têm um dom único para criar conteúdo – desinteressante, claro -, mas expõem uma mesquinha característica humana ao querer virar os holofotes para si: a de não controlar o ego.

Se as celebridades, que costumam gerar curiosidade sobre tudo que fazem, já forçam a barra para criar conteúdo 24 horas por dia, imagina o seu amigo de trabalho, que tira foto da marmita dele todos os dias antes de almoçar? Ele pode estar indo longe demais sobre sua autoimagem.

Será um amor próprio sem limites ou uma tentativa de se fazer interessante forçosamente? Talvez nem um, nem outro. Pode ser que ele só queira se sentir menos sozinho, receber uma reação genérica e, como dizem, ganhar um biscoito.

A lista de motivos para a carência biscoital é imensa, mas o meu interesse se volta especialmente para as ideias. Por exemplo: de onde uma pessoa que posta opiniões a cada quinze minutos no Twitter tira tanta bobagem? Navegar por alguns minutos nas aleatoriedades do microblog me deixa pasmo ao ver que as pessoas têm muitas razões para se expressar – e uma criatividade que vai além do limite de caracteres.

Aliás, quem dá importância para tanta opinião lançada na internet? Esta minha, como se pode ver, não importa nada, mas exemplifica muito bem o ponto aqui colocado.

Essas ideias e opiniões devem vir de onde surgem os tantos memes dos perfis administrados por usuários introvertidos: da vontade de parecer alguém que não são. Mais impressionante ainda é conseguirem fazer as bobagens parecerem coisas relevantes.

Nota: quase tirei uma foto da cena do pão de queijo para ilustrar esse texto, mas aí já seria um biscoito extra pra pessoa da mesa ao lado.

*Ronaldo Junior tem 26 anos, é carioca, licenciando em Letras pelo IFF Campos Centro e escritor membro da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com
Escreve aos sábados no blog Extravio.

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    Sobre o autor

    Ronaldo Junior

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    Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.