Campos: entre provincianismo e crises de identidade o segundo turno marcado pelo complexo de Édipo
24/11/2020 21:50 - Atualizado em 24/11/2020 22:12
Complexo de Édipo - Freud explica
Complexo de Édipo - Freud explica / Reprodução
Segundo o psicanalista alemão, Erik Erikson, uma “crise de identidade” pode ocorrer em qualquer fase da vida e servem para reestruturar a pessoa diante de um mundo em constante mudança. É um tempo de exploração intensa das diferentes maneiras de olhar para si mesmo. Campos passou por um pleito eleitoral, e segue para um segundo turno, marcado pelo — inevitável — retorno de um grupo político tradicional. O que pode ser para muitos uma prova determinante para afirmar que o “povo não sabe votar”, para outros significa a volta de um governante que os olhou, os percebeu, finalmente.
A extensão e importância do município de Campos contrastam com o provincianismo percebido, quase de forma palpável, no convívio social de alguns grupos. Planície de enorme potencial agrícola e pecuário, e “dona” de uma das maiores bacias petrolíferas do país, tem como legado o desperdício — gritante nos 100 milhões empregados no CEPOP.
Campista e Presidente da República, Nilo Peçanha.
Campista e Presidente da República, Nilo Peçanha. / Reprodução
A cidade nascedouro de governadores de Estado e até de um Presidente da República, tem uma fragilíssima mobilização social. Reconhecida como uma cidade conservadora, Campos apresenta uma sociedade estratificada, onde os sujeitos parecem ainda manter seus lugares de pertencimento, os mesmos de gerações passadas. Um trecho do livro “Um pedaço da terra chamada Campos” (2006), Jorge Renato Pereira Pinto fala da forte ligação de Campos e sua formação de cidade com a cana-de-açúcar:
 
"“O campista mantém verdadeiro cordão umbilical com a economia voltada para a produção de açúcar. Nos dias atuais podemos considerar que Campos é a única cidade brasileira que cresceu, progrediu, tornou-se populosa e prosperou exclusivamente à custa da atividade açucareira”." (Jorge Renato Pereira Pinto)
O desenvolvimento econômico do município foi conduzido pela força de trabalho escrava, marcado pelo açúcar, que fixou o campista na terra e implantando uma estrutura social identificada pela relação entre os proprietários de engenhos e a massa trabalhadora escravizada. Os latifundiários campistas urbanizaram a cidade, para além de suas terras e produções, que pode ser confirmado com um breve olhar sobre o Solar do Barão da Lagoa Dourada, que hoje abriga o Colégio Liceu de Humanidades de Campos. Onde também se pode constatar no caminho para o município vizinho, São João da Barra, quando se pode avistar o Solar dos Airizes, que ameaça deixar de existir em futuro breve.
Esses e outros solares, assim como outras construções históricas, contam sobre a formação de identidade de Campos dos Goytacazes. Eles serviram de cenário para histórias marcadas pelo sofrimento e exploração dos escravizados.
Ao leitor, cabe esclarecer que o pessimismo na narrativa não pretende re-clamar, ou clamar novamente tempos passados ou mesmo lamentá-los. Cabe ao cidadão campista procurar entender sua história, sua formação social, perceber em que bases foram construídas a sua realidade atual, a práxis que vive. Às instituições, ao jornalismo, ao poder público, à sociedade civil e a tantos outros atores sociais cabe criar as condições de acesso para isso. Assim como a inclusão, a pluralidade e mais justiça social. Mas, cabe ao próprio indivíduo buscar sua identidade e referenciar-se nos extratos sociais criados e impostos a ele. Se o Liceu e o Airizes eram espaços de exploração humana, também eram de ajuda mútua e as formas de convívio social entre os explorados, palco de rituais, de dança, do batuque, da comida, da linguagem, da religiosidade. Ali foi formada — ou forjada — muito da identidade campista.
João Pimentel
Como toda cidade provinciana, Campos também desejava reconhecimento e condição de igualdade com a capital, com o “mundo civilizado”. As elites campistas buscaram a remodelação e embelezamento da cidade como meio dessa integração e projeção. Acreditava que destruir símbolos e construções para erguer o novo elevaria sua condição de provinciano. Neste, e em outros prismas, o Teatro Trianon — o antigo e belíssimo — se transformou em uma agência bancária. A Praça do Santíssimo Salvador — a antiga e belíssima — se transformou em um forno de pizza.
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O "índio campista" e o Arquivo / Reprodução
Esses permissionismos compactuados na sociedade campista foram moldando sua identidade. O que o sociólogo Manuel Castells chamava de “a fonte de significado e experiência de um povo”, foi se moldando. Em uma cidade de formação multicultural e pluriétnica, vemos que esses símbolos omitem a diversidade de identidades que participaram na formação da sociedade campista - principalmente preta e indígena, superexaltando a opulência de uma determinada época, que se faz presente no imaginário social, repletos de significados para a memória coletiva.
O que pode ser percebido na inauguração do Museu Histórico de Campos, quando em uma mesa de café, a Prefeita daquele mandato, Rosinha Garotinho, era servida alegremente por negras caraterizadas como escarvas. Cabendo ser uma representação artística quando inserida de outra forma, com outro contexto, e principalmente de forma que se lamente, se reafirme a necessidade de impedir formas de exclusão e preconceito tão perversas. Mesmo para uma cidade de baixíssima mobilização social, o silêncio para o fato foi ensurdecedor.
Pode-se dizer que este segundo turno das eleições representa mais uma crise de identidade do campista ou é parte do seu processo de cura, como uma demanda que faz parte da voz do sofredor? Duas escolhas que evidenciam que o passado recente ainda não foi superado e um pouco mais de provincianismos e crises são necessários. Resta saber se esses “novos” representantes colocarão a cidade em outro divã existencial ou resolverão seus complexos de Édipo em tempo de formar, enfim, uma identidade. Identidade de quase meio milhão de pessoas.
 
 
 
 
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Ao leitor:
"O blog retorna tendo a política como terreno de abordagem, como já tinha antes da interrupção. A política está presente em nossas ações e no nosso cotidiano e no jornalismo, principalmente o de opinião e editorial, muito das informações relevantes são produzidas deste contexto.
A cultura continuará como uma das pautas principais. A cultura material e imaterial de Campos é vasta e de importância nacional. Porém pretendo ajustar a linha editorial para este tema. A própria vivência política que disse antes, possibilitou este ajuste fino na observação de como os atores culturais em Campos agem no fazer cultural. A ideia é problematizar algumas questões".
Despedida e um resumo do que fiz antes da interrupção: Despedida do blog. Que as coincidências transformem em um 'até breve'.


 
 

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