A bruxa velha e a bruxa nova
*Edgar Vianna de Andrade 26/02/2020 20:24 - Atualizado em 02/03/2020 14:21
Maria e João: o conto das bruxas — No conto popular “João e Maria”, adaptado literariamente pelos irmãos Grimm, há fortes elementos para interpretação e para diversos entendimentos. Ele tem tudo para se transformar numa boa história de terror. Um casal muito pobre tem uma filha e um filho pequenos. A mulher não é a mãe verdadeira e sim a madrasta. O conto já começa a ser suavizado porque mãe morre pelos filhos, mas não os mata. Já as madrastas geralmente são más. Que se veja Cinderela e Branca de Neve. O pai se torna dócil diante da mulher e faz o que ela manda. Do outro lado do território, existe uma escura floresta habitada por entidades malignas. Notadamente, uma bruxa que engorda criancinhas para comê-las. O truque das crianças para localizar o caminho de volta é desfeito pelos passarinhos.
A partir do enredo básico, pode-se criar variantes. João e Maria já foram transformados em caçadores de bruxas, ganhando dois filmes. Agora, ganha mais um. Maria vem primeiro que João, pois a intenção é mostrar o empoderamento feminino. A bruxa se tornou o símbolo da mulher poderosa no ocidente e em outras civilizações pela sua capacidade de dominar o homem, principalmente. Daí merecer a morte na fogueira. O cineasta dinamarquês Benjamin Christensen dirigiu o famoso “Häxan — a feitiçaria através dos tempos” documentário de 1922 sobre a bruxaria, usando Freud para explicar o fenômeno como histeria.
A nova interpretação mostra a bruxa como mulher forte. Que se veja o excelente “A bruxa”, mais documentário que drama de terror. No caso em análise, parece que o diretor Osgood Perkins II foi meio confuso na condução de “Maria e João: o conto das bruxas”. A pobreza do casal se insere numa fome social, muito comum no contexto da história de João e Maria. A madrasta é a própria mãe. Uma menina bonita nasce, mas padece de uma moléstia mortal. Uma feiticeira a salva, mas a destina à bruxaria. Ela começa logo levando o pai ao suicídio.
Há um corte confuso no roteiro. Aparecem Maria ou Gretel (Sophia Lellis num bom desempenho), já adolescente, e João ou Hansel (Samuel Leakey), ainda menino. Depois de tentar emprego na casa de um potentado do local, Maria recusa a oferta humilhante de ser cortesã. A mãe expulsa os irmãos. Ambos saem a esmo pela floresta e encontram uma casa aparentemente abandonada. Habita-a um ogro, que deseja devorá-los. Mas um homem negro aparece do nada e mata o ogro, aconselhando os irmãos e procurarem os habitantes da floresta. Parece um detalhe desnecessário.
Na busca, os irmãos encontram a casa da bruxa (Alice Krige) devoradora de crianças. Comendo carne humana jovem, ela consegue rejuvenescer-se. Jessica De Gouw faz o papel da bruxa jovem, que só se interessa pela carne de João. Seus planos para Maria são outros. Ela deseja desenvolver os poderes de feiticeira na jovem, mas esta não abandona seus princípios éticos e mata a bruxa com uma facilidade inesperada. Fogo, castigo, vitória do bem sobre o mal, Amazonas etc.
Uma crítica sobre o filme entendeu que ele tem uma fotografia arrebatadora e um ritmo contemplativo, no nível do terror psicológico de Roman Polanski. Sem dúvida, o tom do filme é feminista, com uma mulher nova matado uma mulher velha. Mas nada lembra Polanski. Eu diria mesmo que o cinema poderia passar sem esse filme tão tíbio. Mas os Estados Unidos desperdiçam milhões de dólares em filmes tíbios.

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