Movimento conservador radical: inspiração norte-americana? (parte 2)
10/05/2020 04:28 - Atualizado em 10/05/2020 04:33
Os líderes do movimento radical conservador norte-americano, nas décadas de 50/60, especializaram-se em manifestar apoio a ideias extremistas de forma que apenas o seu público-alvo pudesse entender, mas não a população em geral. Esta forma de comunicação política, designada de “apito para cachorros”, é comentada por PAUL KRUGMAN:
“Hoje, figuras importantes da direita americana são mestras no que os britânicos chama de ‘a política do apito para cachorros’: eles dizem coisas que agradam a certos grupos de uma maneira que apenas os grupos visados possam ouvir – e desse modo evitam que o extremismo de suas posições se torne óbvio para todos. (...) Ronald Reagan foi capaz de sinalizar simpatia pelo racismo sem nunca ter dito algo abertamente racista... George W. Bush usa, consistentemente, uma linguagem que soa, na pior das hipóteses, um pouco afetada para a maioria dos americanos, mas que está carregada de significados para os mais extremados fundamentalistas religiosos do Dia do Juízo Final”.
No Brasil, há indícios de que o Presidente Jair Bolsonaro esteja utilizando tais mensagens de alinhamento implícito com a militância radical.
No dia 04/03, o site GAZETA DO POVO, ligado ao presidente, reproduziu um texto do conservador norte-americano DENNIS PRAGER, com o seguinte título: “O coronavírus é a mais recente desculpa para a histeria coletiva".
No dia 11/03, a página BRASIL SEM MEDO, principal canal de comunicação da ultradireita, veiculou nova matéria com a chamada: “CORONAVÍRUS: PANDEMIA OU HISTERIA?", sustentando o seguinte:
“Tudo indica que estamos diante de um experimento psicológico de manipulação em escala global, uma gigantesca fraude para manipular economias, suprimir dissidências e beneficiar grupos de poder”.
Veja-se que esta última publicação nega a existência da pandemia, sustenta que há histeria e se baseia em teorias conspiratórias.
Em 15/03, ao comentar a pandemia, o Presidente BOLSONARO demonstrou adesão às teorias radicais de modo implícito, utilizando apenas o termo “HISTERIA” quando questionado pelos jornalistas. De fato, declarou à CNN BRASIL: "Tivemos vírus muito mais graves que não provocaram essa HISTERIA. Certamente tem um interesse econômico nisso. Em 2009 teve um vírus também e não chegou nem perto disso. Mas era o PT no governo aqui e os democratas nos Estados Unidos”.
Já no dia 17/03, Bolsonaro empregou o termo “HISTERIA” em dois momentos distintos. Na primeira oportunidade, disse aos jornalistas: “Esse vírus trouxe uma certa HISTERIA e alguns governadores, no meu entender, eu posso até estar errado, estão tomando medidas que vão prejudicar e muito a nossa economia". Em outra ocasião, voltou a falar: "O que está errado é a HISTERIA, como se fosse o fim do mundo. O brasil por exemplo, só será livre desse vírus, o coronavírus, quando um certo número de pessoas infectadas criarem anticorpos, que passa a ser barreira para não infectar quem não foi infectado ainda”.
Outro exemplo de mensagem indireta de Bolsonaro a extremistas ocorreu no dia 03 de maio. Os manifestantes que pediam a intervenção militar e atacavam o STF e o Congresso, ouviram do Presidente o seguinte recado: "Nós queremos o melhor para o nosso país. Queremos a independência verdadeira dos três poderes e não apenas uma letra da Constituição, não queremos isso. Chega interferência. Não vamos admitir mais interferência. Acabou a paciência. Vamos levar esse Brasil para frente".
Os radicais de direita entendem que é necessário a construção de um novo Estado, que incorpore valores liberais e conservadores. Todavia, acreditam que a Constituição Federal precisa ser substituída para que o Brasil saia do “buraco moral, político, social e econômico”, daí o desprezo pelas instituições do nosso Estado Democrático de Direito.
Não se trata de um movimento novo e isolado, pois conta com a simpatia até de militares governistas. Em palestra no Instituto de Engenharia do Paraná, o general Hamilton Mourão (PRTB), ainda na condição de candidato a vice-presidente, asseverou: “Nossa constituição é extensa de mais, devia ser só princípios e valores. O resto, horário de trabalho dos bancários, se os juros devem ser tabelado, isso é por lei ordinária. Não precisa de Constituinte. Fazemos um conselho de notáveis e depois submetemos a plebiscito. Uma constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo”.
De igual modo, o JORNAL DA CIDADE ONLINE, de perfil bolsonarista, permite-nos uma melhor visão deste fenômeno político-social:
“"O extraordinário 'bitolamento' que fincou raízes fundas nos cérebros da quase totalidade dos políticos e autoridades públicas brasileiras, civis, militares, judiciais, e até 'eclesiásticas', da direita, 'centrão', esquerda, e 'quaisquer outros lados', no que pertine ao verdadeiro 'endeusamento' que fazem dessa porcaria que escreveram lá em 1988 - que só foi editada para cumprir uma promessa do político mineiro Tancredo Neves, que faleceu antes de assumir a Presidência - que chamam de "Constituição", com absoluta certeza contém a melhor demonstração de que o Brasil jamais sairá do enorme buraco moral, político, social e econômico, em que foi empurrado, enquanto persistir esse 'bitolamento', e a teimosia em não mandar essa 'carta' logo para o 'quinto-dos-infernos', substituindo-a por uma nova que verdadeiramente consagre os direitos do povo, e não só das suas elites sociais e políticas, como é hoje, e que faça valer a atual mentira escrita no seu parágrafo único do artigo 1º, pela qual 'todo o poder emana do povo' (...) Para começo de conversa, essa 'carta' abriga do primeiro ao último artigo predominantemente valores políticos 'esquerdistas', não havendo o mínimo equilíbrio entre as obrigações/deveres e os direitos das pessoas subjugadas à Constituição. São muitos direitos e poucas obrigações e deveres, gerando uma 'conta', um 'rombo constitucional', absolutamente desproporcional e impagável. 'Viciaram' os brasileiros em não querer assumir obrigações e deveres, e a reclamar só 'direitos'. E essa tendência manifesta-se inclusive nas urnas eleitorais, onde os patifes da política arranjam os seus mandatos eletivos prometendo satisfazer esses interesses menores dos eleitores".
Tais fatos demonstram a necessidade de reforçarmos o nosso compromisso com a Constituição. Não podemos compactuar com o desrespeito aos seus comandos, com as tentativas para deslegitimá-la, nem tampouco com movimentos subversivos para a instauração de uma ordem espúria.

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    Cleber Tinoco

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