O brejo, a restinga e o vento nordeste
Edmundo Siqueira - Atualizado em 04/01/2022 21:09
O brejo, a restinga e o vento nordeste
O brejo, a restinga e o vento nordeste / Reprodução
Aqui tem um vento que vem do mar. Lá do Farol, ou dos nossos vizinhos santos — João da Barra e Francisco. Dizem que aqui é a terceira região que mais venta no Brasil. Deve ser mesmo; ali em Gargaú, onde o peixe-boi come, a energia é produzida dia e noite, com pás brancas imensas, que buscam nos ventos os seus giros. Eu cresci ouvindo essa coisa da direção dos ventos. “Hoje está ventando nordeste”, dizia minha avó, abrindo as janelas da sala, sem medo de fazer voar os papéis de meu pai que estavam sobre a mesa.
Têm-se ventos regulares aqui, mas chuvas, não. As intempéries do tempo, embora previsíveis, com mês marcado, trazem desgraças para a planície campista. Ou a seca é insistente, ou vêm as grandes enchentes. Os ventos nordeste e sudoeste sopram as nuvens carregadas para longe. Mas, como somos cruzados aqui por um rio de mágica torrente, que chamamos de Paraíba, tudo alaga quando as suas cabeceiras recebem essas nuvens cheias d´água.
Esse nosso rio não nasce aqui. Sequer com esse nome, de Paraíba, ele surge. Nasce lá na serra da Bocaina, em São Paulo, com o nome de Paraitinga. Vem dando vida às suas margens até morrer na sua foz, ali em Atafona, naquele vizinho santo. Percorre 1.137 km, o cabrunco do rio, e quando conflui com o Paraibuna, passa a ser nosso rio — de nome e importância.
As águas sempre foram, por aqui, uma dádiva — e um problema. Na tentativa de controlá-las foram construídos canais, barragens e diques. Saturnino foi chamado para resolver as áreas urbanas alagadiças, ainda no século que passou. Mas ele, o curso das águas, manteve vivo alguns brejos, algumas restingas, e deixa quase tudo alagadiço de novo, de tempos em tempos.
Esse conjunto de elementos naturais que temos aqui é formador de nossa história, e certamente de nosso povo. Quem primeiro por aqui viveu, moldou a vida a partir desses ambientes alagadiços e de vento abundante. Baixadas e altos foram escolhidos — e habitados. Os outros habitantes que vieram depois, igualmente tiveram que adaptar suas vontades. Mesmo podendo usar recursos mais abundantes e mudar os cursos naturais. A natureza, por aqui, sempre impôs sua vontade, de uma forma ou de outra.
Aqui quando venta sul, as pessoas colocam casacos. Não que esfrie; mesmo no inverno não temos temperaturas muito baixas. “Hoje está ventando sul”, dizia minha avó fechando as janelas e posteriormente seu casaco de mangas alongadas, e um botão só revestido com mesmo material, tipo um blazer de lã. Água e vento. Elementos que formaram aqui, em Campos, riquezas e mazelas. Vivências e culturas. Histórias de autoridades importantes, que chegaram a presidente, e de avós que fecham janelas com medo do vento sul. Quando a água bate na terra, e se misturas com os ventos vindos do mar, formam imagem, som e cheiro. Revoltos ou não, enchendo brejos e ruas, ou não, moldam os habitantes dessa planície.
Que os ventos desta década que completou dois anos de já hoje, possam revoar o que temos de melhor. Que o nordeste traga cheiro de chuva e de prosperidade para cá, na planície. E para lá também, na vizinhança. E se for sul, basta fechar as janelas.

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