Os muros necessários e a culpa de todos - Uma entrevista com Pe Walas, pároco da Igreja São Benedito
22/01/2021 20:50 - Atualizado em 22/01/2021 21:00
Paróquia São Benedito tombada pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam). Tombamento municipal reconhece a importância histórica da construção.
Paróquia São Benedito tombada pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam). Tombamento municipal reconhece a importância histórica da construção.
Os jardins da Igreja São Benedito, localizada no coração da cidade, estavam sendo cuidados quando o atravessei para a entrevista com o Padre Walas Maciel, que está há quatro anos como pároco. Ao entrarmos nas instalações da paróquia, o padre mostrou, com orgulho, os alimentos acondicionados para doações. Segundo ele, 120 famílias são atendidas. Além de alimentos, são distribuídos medicamentos para os enfermos desamparados, doações de roupas e calçados e passagens para o retorno de pessoas para suas famílias e terra natal. Porém, a igreja é pivô de polêmica que envolve a população em situação de rua, ao iniciar a construção de um gradeamento no seu entorno
A entrevista foi agendada com o Padre Walas para que ele pudesse dar sua posição sobre a construção de cercamento no entorno da Igreja, cartão postal de Campos, sendo concedida nesta terça (19), antes da nota oficial emitida em rede social, onde são detalhados os motivos que levaram à construção do muro. A controvérsia levou a um abaixo-assinado virtual, onde 462 pessoas haviam assinado até esta quinta, tentando impedir que o gradeamento se erga. Inicialmente, o encontro com o pároco teve a intenção de trazer a público sua versão, oferecer o contraditório, ouvindo a prefeitura, inclusive. Mas, a abordagem tomou outro rumo pela própria dinâmica do fato.
Embora existam justificativas plausíveis para impedir, ou tentar impedir, o cercamento da Igreja São Benetido e também seja perfeitamente compreensível a preocupação com a segurança de pessoas e do patrimônio, o muro, construído ou não, é inócuo ao problema central: a população em situação de rua.
Em maio de 2019, moravam nas ruas de Campos 131 pessoas, segundo levantamento realizado pela prefeitura. Pelo senso realizado no mesmo levantamento, 44% eram campistas e 33% do restante não tinham vontade voltar ao seu lugar de origem. Já em âmbito nacional, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estimou que 221.869 pessoas viviam nas ruas do Brasil até março deste ano — alta de 140% em relação a 2012. No entanto, esses números podem ser maiores, pois foram compilados antes da pandemia e levam em conta apenas cadastrados em programas sociais (BBC). 
Academia Campista de Letras e Igreja São Benedito, em perspectiva.
Academia Campista de Letras e Igreja São Benedito, em perspectiva.
A Igreja São Benedito, marcada pela proporcionalidade e elegância de linhas arquitetônicas, é tombada pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam). A construção pertence à Irmandade de São Benedito e é administrada pela Diocese de Campos. Em 1865, na busca de um terreno para a Igreja, a Irmandade considerou que aquele local, onde até hoje está erguida, preenchia todos os seus requisitos e era suficientemente grande para nele construir o templo, circundado de amplos jardins. Segundo o site da instituição religiosa, na sessão da Câmara Municipal de 15 de março de 1865 foi lido o requerimento da Irmandade de São Benedito, propondo a compra do dito terreno.
É inegável a importância histórica, cultural e social da Paróquia São Benedito. A prefeitura, ente que deve zelar pelo patrimônio histórico —até pelo tombamento municipal no caso específico, se manifestou via assessoria de comunicação: “sobre a construção do muro no entorno da Paróquia São Benedito, o Subsecretário de Postura, Jackson Sousa, informa que as tratativas foram realizadas na gestão passada. Ele está fazendo um levantamento para saber de que forma elas foram feitas”.
Segundo informações do Padre Walas, o gradeamento seguirá os moldes do já existente no Jardim São Benedito, localizado a frente da Igreja, o que, a princípio, não impederia a contemplação do patrimônio histórico. Porém, limita o acesso e transforma uma paisagem de valor afetivo aos campistas, gerando controvérsia. Ainda segundo o líder religioso, os jardins continuarão acessíveis à comunidade, e faz uma indagação válida: “Hoje a praça está aberta. Mas, tem alguém aqui? As pessoas hoje não tem liberdade de vir aqui, de trazer sua família”. 
Padre Walas - Pároco da Igreja São Benedito há 4 anos
Padre Walas - Pároco da Igreja São Benedito há 4 anos / Diocese de Campos
“É uma medida (o gradeamento) de segurança para os fiéis e quem transita por ali, pelo zelo do patrimônio, pelo cuidado pastoral, para criar as condições de nossos trabalhos sociais acontecerem, das catequeses e de que outros eventos possam acontecer. E ainda do direito de ir e vir. Eles (população em situação de rua) têm direitos, mas também precisamos ir à busca de nossos direitos. Rezamos para que as pessoas possam criar um pouco de consciência”, diz Padre Walas.
Para além da proteção ao patrimônio, deve o governo municipal tratar a questão principal de vulnerabilidade dos moradores de rua e da segurança de quem transita no local. Questionada sobre isso, a prefeitura também se posicionou:
“Já em relação às pessoas em situação de rua, o secretário de Desenvolvimento Humano e Social, Rodrigo Carvalho informa que as multiprofissionais continuam fazendo as abordagens às pessoas em situação de rua. Na última semana, a população no entorno da paróquia foi convidada para receber os atendimentos, alimentação e serem acolhidos na Casa de Passagem ou algum dos equipamentos institucionais mantidos pela prefeitura. O Centro de Referência para População em Situação de Rua (Centro Pop) funciona também durante os finais de semana”. “Estamos garantindo direitos básicos para esta população. A oferta de serviços socioassistenciais garante a ressocialização e o fortalecimento de vínculos”, destaca o secretário de Desenvolvimento Humano e Social, Rodrigo Carvalho.
Ao final da entrevista, única concedida pessoalmente pelo Padre, no interior da Igreja, diz que “é muito fácil culpar a igreja por uma culpa que é de todos” e que a construção do cercamento não tem o objetivo de expulsar as pessoas, mas de dar segurança ao local, por uma situação que se tornou insustentável para a Igreja. Pude ter acesso a vários ofícios que foram enviados à prefeitura relatando a situação vivida ali. Segundo Padre Walas, o poder público fez sua parte e compareceu sempre que foi solicitado, porém não poderia obrigar as pessoas a saírem do local. 
Cercamento iniciado no entorno da Igreja São Benedito, em Campos.
Cercamento iniciado no entorno da Igreja São Benedito, em Campos. / Edmundo Siqueira
A escolha de construir muros ou edificar pontes é da sociedade. Barreiras físicas impedem danos, mas não resolvem o problema. São Benedito recebe sua condição de santidade também por se dedicar aos desafortunados. Sua história relata que ele “retirava alguns mantimentos do Convento, escondia-os dentro de suas roupas e os levava para os famintos que enchiam as ruelas das cidades”. Conta ainda certa vez teria sido indagado pelo novo Superior do Convento sobre o que levava nas roupas, “e respondeu: ‘rosas, meu senhor!’ e, abrindo o manto, de fato apareceram rosas de grande beleza e não os alimentos de que suspeitava o Superior”.
 
São Benedito era negro, nasceu na Sicília, sul da Itália, em 1524, no seio de família pobre. Quase 500 anos depois, a caridade continua bem-vinda e necessária, porém o combate a miséria, fome e desigualdade ganharam contornos muito mais complexos, envolvendo planejamento urbano, políticas sociais e inclusivas, abordagens humanísticas e deve passar por todas as esferas de poder e por toda sociedade. A igreja São Benedito pratica caridade constantemente, seguindo a prática da maioria das religiões e pelos ensinamentos da santidade que dá nome ao templo. O cercamento não impede a continuidade de ações humanitária, mas não trata o problema em sua essência, que deve ser tratado por todos.
População em situação de rua nos jardins da Paróquia São Bendito, em Campos.
População em situação de rua nos jardins da Paróquia São Bendito, em Campos. / Edmundo Siqueira
Que possamos, todos, achar uma maneira de termos rosas nos jardins da Igreja São Benedito, mas também alimento e abrigo para os que se encontram em situação de rua em nossa cidade.
 
 
Abaixo, a nota oficial da Paróquia São Benedito:
 
 
Campos dos Goytacazes, 19 de janeiro de 2021
 
 
A tomada de decisão para os cercamentos com grades dos jardins laterais da Igreja, seguindo o modelo do Jardim São Benedito, que se deu início em 04 de janeiro de 2021, veio como resposta a um desejo há anos expressado pela comunidade. Embora, se veja nas manifestações públicas tanto uma aceitação como também uma rejeição deixamos claro que em nenhum momento o fazemos como exclusão social.
A Igreja, no segmento a voz e ao querer de Deus, sob o conduzir de nosso Papa Francisco, sempre se fez obediente e atenciosa aos cuidados dos menos favorecidos e aos que estão à margem da sociedade, por meio das obras sociais a Igreja busca amenizar o sofrimento destes irmãos desamparados. Destacamos que o intuito sempre foi, por meio das obras de caridade, o resgate não somente físico, mas também social e espiritual destes irmãos mais sofredores.
 
 
A Paróquia São Benedito, aqui participada por grupos de fiéis, faz acontecer junto a população dos mais necessitados, a obra caritativa por meio das Obras Sociais da OFS (Ordem Franciscana Secular), Amigos de São Francisco – Fraternidade Nossa Senhora dos Anjos, Dispensário São Benedito e Obra do Berço São Benedito a distribuição mensal de alimentos e materiais de higiene pessoal para as famílias mais carentes inscritas nos programas, que somam 120 famílias (compostas por 6 a 7 membros em sua maioria), enxovais e fraldas para bebês e mães carentes, bem como o auxílio de medicamentos para os enfermos desamparados (mediante apresentação de receitas), doações de roupas e calçados, passagens para o retorno de transeuntes a suas famílias e terra natal, entre outros.
 
 
Infelizmente, devido a triste realidade da pandemia (COVID-19), com o fechamento das igrejas e a não-participação dos fiéis junto as comunidades paroquiais, o trabalho voluntário e as doações financeiras para as obras sociais ficaram em muito impossibilitados de continuidade, no entanto, com as poucas doações aqui entregues conseguimos compartilhar e amenizar o sofrimento dos nossos irmãos desamparados, por mais que não seja o suficiente para a realidade que vivemos; nos restando somente neste momento a oração como um grito de socorro a Deus e amparo ao sofrimento humano-espiritual dos filhos de Deus.
 
 
Atualmente percebemos a insatisfação de muitos com o cercamento de nossos jardins, expressados nas redes sociais; não achamos justa tal postura, uma vez que muitos destes desconhecem os verdadeiros motivos para chegarmos à decisão do cercamento. Assim, queremos nesta nota esclarecer a toda comunidade de fé, bem como a sociedade aqui implantada, a motivação para fazê-lo: desde minha chegada a Paróquia São Benedito, já encontrei instalados os moradores em situação de rua, entregues ao vício do álcool e entorpecentes, e estes por muitas vezes sob efeito destas substâncias se mostravam desrespeitosos e agressivos com os fiéis e com o templo, chegando muitas vezes a ofender verbalmente e até fisicamente os fiéis; intimidando, por exemplo, aqueles que não lhes pagavam por “vigiar” seus veículos.
As paredes e portas da Igreja tinham forte odor devido a urina e fezes, sem mencionar que mesmo a luz do dia, já fomos surpreendidos várias vezes com moradores em situação de rua fazendo sexo junto das portas da igreja e entre as árvores dos jardins. Os funcionários, assim como os sacerdotes, que se negaram a ceder as suas vontades, por muitas vezes foram alvos de ameaças.
 
 
Interessados em resgatar esses irmãos entregues a margem da sociedade, buscamos apoio com o poder público, por meio de órgãos responsáveis (cada qual em sua área) como a Prefeitura Municipal de Campos, Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (SMDHS), Procuradoria Geral do Município, Guarda Civil Municipal e 8° Batalhão de Polícia Militar. Assistentes sociais encaminhados pelos órgãos compareceram nos jardins da Igreja, mas não obtiveram pleno sucesso em resgatá-los (assim como nossos grupos de apoio da igreja), apenas alguns moradores em situação de rua se interessaram em se reestruturar à sociedade. Hoje o poder público dispõe de ampla rede de atendimento socioassistencial, como por exemplo o Centro Pop (com oferta de alimentação, higiene e atendimento social) e outros locais de acolhimento, abordagem social e tratamento contra dependências de entorpecentes e álcool; no entanto, os que rejeitaram esse resgate pelos órgãos competentes e pela igreja, hoje vivem em situação de rua ao redor da Paróquia São Benedito.
 
 
E por essas razões, apresentamos aqui a motivação real para a nossa iniciativa do cercamento dos jardins junto a Paróquia São Benedito:
Segurança – o direito de ir e vir pertence a todos os cidadãos; e muitas vezes este direito é privado aqui nos jardins pelos moradores em situação de rua e aqueles que aqui se instalam para o uso de entorpecentes ou comércio dos mesmos. As pessoas se sentem intimidadas a qualquer hora do dia em caminhar pelos jardins junto a paróquia, por sentirem cheiro de drogas, verem os próprios moradores em situação de rua e outros transeuntes utilizando-as e sentirem-se ameaçadas em abordagens por pedidos de dinheiro feitas pelos mesmos.
Patrimônio – a Paróquia São Benedito em 145 anos de fundação neste local, se tornou um patrimônio histórico-religioso dentro da história de nosso município. Assim, além do cuidado das almas é próprio dos que aqui assumem o cargo de administradores, zelarem pelo prédio no que toca a sua manutenção e beleza arquitetônica. Uma vez cercados os jardins, evitaremos a depredação do prédio (como o furto recente em nosso gerador, por exemplo) e por conseguinte teremos maior segurança em torno do templo. Válido destacar que os jardins pertencem ao terreno da Igreja desde a sua construção.
Restauração e revitalização dos jardins – a igreja é local de encontro para se viver a fé, e também a fraternidade familiar e social. Era comum aqui estarem presentes aos nossos jardins famílias em seu momento de lazer, namorados em seus encontros, amigos se confraternizando. Assim, com o nosso cercamento queremos restituir este espaço a toda comunidade. Deste modo, o jardim mesmo pertencendo a Paróquia São Benedito e
cercado com grades estará disponível a toda população.
Serviço Pastoral – é próprio do serviço ministerial além de se viver as celebrações cultuais a Deus junto do povo, fazer crescer o conhecimento, o amor e o serviço para com o reino dos Céus. Chamamos na igreja de serviço pastoral, as atividades que além de tocarem a formação religiosa, toca também os movimentos socioculturais e o bem comum de todo povo, sem distinções de etnia, credo ou poder aquisitivo. É de nossa responsabilidade em meio a sociedade formar e conduzir o homem no encontro com Deus e com o próprio homem, com uma postura integra e humana.
Uma vez aqui justificadas as motivações para o cercamento dos jardins da Igreja, pedimos o entendimento e a compreensão de todos. Rogamos a Deus que esta obra realizada pelas mãos humanas, manifeste a vontade e o cuidado de Deus e que possa trazer graças e bênçãos dos Céus sobre a nossa Paróquia de São Benedito e toda sociedade Campista.
Paz e bem.
Pe. Walas Maciel da Silva
Pároco da Paróquia São Benedito
 
 
 
 
 
 
 
 

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