somos iguais
- Atualizado em 20/08/2020 20:33
Somos iguais?
Cândida Albernaz
Sentada na varanda, a bacia plástica cheia de roupas entre as pernas. Com as mãos na água puxava peça por peça esfregando vigorosamente.
Do cabelo preso num coque com um grampo, fios rebeldes se soltavam. As costas doíam, mas não adiantava reclamar.
Cresceu naquele lugar, apaixonou-se, casou-se e continuava ali. Nunca esperou muito mais que isso.
A filha sentada na calçada comia um pedaço de pão e segurava a caneca de café. O nariz escorria e de vez em quando um acesso de tosse fazia com que ela se levantasse e com olhos preocupados segurava a menina no colo.
Tentara levar ao médico no dia anterior, mas não conseguiu que fossem atendidas.
A garota tossiu a noite inteira, a respiração dela ficava cada vez mais difícil.
Quando terminasse de lavar a roupa, levaria a menina ao posto de saúde. Hoje só sairia de lá se fosse consultada, resolvera.
O marido não estava em casa, foi jogar sinuca com outros, que como ele, estavam desempregados.
Há dois meses sem trabalho e o esforço que fazia para conseguir um serviço era pouco. Não conseguia entender aquele homem ainda jovem, com saúde, ser tão irresponsável.
Ela trabalhava numa casa de família e quando tinha com quem deixar a filha, arrumava o que fazer aos domingos e feriados para ganhar um extra.
Quando reclamava com ele, dizia que se esforçaria mais, mas que emprego estava difícil. E depois não era homem de aceitar fazer qualquer coisa, tinha uma profissão:
- Sou pintor e pintar é o que sei fazer.
No último emprego, na fase de acabamento do prédio, discutiu com o chefe de obras. O outro foi dizer que o serviço estava mal feito e queria que pintasse um dos apartamentos mais uma vez. Durante a discussão, enfiou a mão na cara do tal, e quando conseguiram separar os dois, foi demitido.
Ultimamente ela vinha sentindo-se mais cansada, e não era cansaço no corpo, era dentro dela mesma.
Deu para pensar na época em que era garota, morando numa daquelas casas sem reboco, onde, quando chovia, ficava alagada. Recordava-se da mãe, sempre com um lenço na cabeça, lavando roupa para fora, cuidando dos quatro filhos e envelhecida. Não se lembrava de algum dia sua mãe ter sido jovem.
Quando conheceu Jonas, sabia que sua vida não seria muito diferente da que a mãe levava, mas havia o amor, e o amor enfeita tudo.
Com a filha no colo, parou em frente ao pequeno espelho do banheiro, parecia ver sua mãe refletida nele. Cada dia se assemelhava mais a ela. A ruga em volta dos olhos, o sorriso cansado, só faltava o lenço para esconder o cabelo mal cuidado.
A tosse da filha fez com que voltasse a realidade. Deu um banho na menina, vestiu-a e deixou-a sentada na cama enquanto também se lavava.
Na saída, olhou para o bar onde o marido estava e de longe fez sinal para que soubesse onde levava a menina. Ele veio até as duas:
- Quer ajuda?
- Não precisa.
-Está bem, quando chegar passe aqui e me diz o que o médico falou.
O beijo rápido na boca estava longe de ser o que precisava. Talvez um abraço, ou quem sabe, só um carinho no rosto; melhor ainda, sem perguntar nada: vou com você.
Caminhou até o ponto de ônibus.
A filha dormira um pouco. Olhou seu rostinho e não pôde deixar de pensar que um dia ela também seria mãe, amaria algum Jonas e se pareceria ao olhar no espelho, com a avó que nem chegou a conhecer.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Candida Albernaz

    [email protected]