Cinema: Trouxa molhada ("Caltiki - O monstro imortal")
Edgard Vianna de Andrade - Atualizado em 29/09/2020 14:58
Há quem goste de cinema e quem goste de filmes. Entre os que gostam de filmes, uns preferem comédias românticas, comédias brasileiras (bem escrachadas), suspense, aventura, drama, musical, ficção científica, terror etc. Há quem goste dos clássicos e há que aprecie os filmes B (incluindo aqui todos os gêneros). Aqueles que apreciam cinema estão interessados nas experiências cinematográficas de todos os gêneros. Estão interessados na história do cinema, incluindo os filmes de diretores clássicos nas categorias A e B.
Gosto de cinema. Creio ter assistido a incontáveis filmes de diretores clássicos. Comecei minha aventura de cinéfilo entronizando os consagrados diretores e desprezando os filmes B. Com o tempo, fui deixando de apreciar filmes para me interessar por cinema. Não abandonei os clássicos dos filmes A. Apenas incorporei os diretores de filmes B, sem jamais abandonar o espírito crítico.
Gosto de Fellini, Truffaut, Woody Allen, Bergman, mas gosto também de Jack Arnold, Mario Bava e outros para quem geralmente se torce o nariz. Quero me deter neste último. Bava é italiano. Ele começou sua carreira trabalhando no Istituto Luce, de Mussolini. Muitos começaram sob o regime do ditador italiano para, depois, voltarem-se contra ele. Não é demérito. Depois, Bava trabalhou com Rosselini, mestre dos filmes A.
Aos poucos, ele foi se firmando como diretor de filmes B. Assumiu a direção de “Os vampiros” com a saída Riccardo Freda, diretor oficial. O filme é considerado o primeiro do gênero terror da Itália. Data de 1956. Trabalhou nos efeitos especiais de “Ulysses” e de “Hercules”. Bava foi um verdadeiro homem de cinema. Trabalhou muito em filmes sem merecer crédito. Em 1959, ele concluiu “Caltiki — O monstro imortal”, novamente para Riccardo Freda. Entre seus filmes mais famosos, estão “A maldição do demônio” (1960), “Ester e o rei” (1960), “As três máscaras do terror” (1963), “O planeta dos vampiros” (1965), “Bonecas explosivas” (1966), “Lisa e o diabo” (1974) e outros, mas nem sempre creditados. Ele fazia de tudo. Conhecia cinema como ninguém e nem sempre teve seu nome estampado nos filmes.
Recentemente, assisti a “Caltiki — O monstro imortal”, filme de ficção científica, erroneamente classificado como terror. Baixo orçamento. Preto e branco. Efeitos especiais rudimentares, quase improvisados. Mulheres opulentas em suas curvas. Sensualidade italiana. Arqueólogos pesquisam ruínas maias. A violação de um território protegido pela deusa Caltiki (que nunca existiu) em nome da ciência e do dinheiro é retribuída com o castigo de uma ameba gigante que devora as carnes das pessoas e as deixa no esqueleto. A passagem periódica de um cometa ativa a ameba assassina, que mais se parece a uma trouxa molhada. Foi ela a responsável pelo fim da civilização maia. Na Cidade do México, ela ameaça a família do cientista e castiga os maus. Pela enésima vez, transporta-se o mal de seu lugar de origem para a cidade. Embora sem qualquer consciência, a ameba distingue o bem do mal. Posto que imortal, o monstro acaba eliminado por lança-chamas do exército. “Caltiki” segue o rastro de “A bolha”, filme dos Estados Unidos dirigido por Irvin S. Yeaworth Jr., 1958. Nele, estrela Steve McQueen. Era o terceiro filme de um desconhecido, depois altamente requisitado para papeis principais.
Quem está disposto a assistir a um filme como esse? Ele é encontrado na plataforma analógica de Edgar. É de se perguntar se essa mesma lógica se aplica à literatura e às outras artes. Sim. Quanto à literatura, a questão é tempo. Tenho a primeira edição de “Copacabana Posto 6”, de Cassandra Rios, autora considerada apelativa. Literatura B. Falta tempo para leitura. Mário de Andrade entendia que só se reconhece a arte de qualidade em contraposição à arte inferior. Edgar Morin mostra que a dialética quantidade X qualidade seleciona a arte que transcende seu tempo. Não deve haver preconceito sem crítica abalizada.

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