Casas do Morar Feliz à venda
09/12/2017 15:54 - Atualizado em 11/12/2017 14:54
Reprodução - Facebook
Ao longo das últimas semanas, vários grupos de compra e venda no Facebook, os chamados bazares, foram tomados por publicações de pessoas comercializando casas em conjuntos habitacionais do programa Morar Feliz, construídos pela Prefeitura de Campos na gestão passada. A prática é proibida, mas tem se tornado cada vez mais comum. A maior parte dos anúncios é referente a imóveis no Novo Eldorado, nos conhecidos Sapo I e II, onde a violência tem sido fator também determinante para que muitas famílias deixem o local.
Em uma busca rápida nas redes sociais, a equipe de reportagem da Folha da Manhã localizou várias postagens anunciando as vendas. No Novo Eldorado, pelo menos dois imóveis estão sendo vendidos por R$ 15 mil. Um deles já funcionou como local de pregação religiosa e tem “ótima vizinhança”, segundo a vendedora. Há ainda anúncios de uma casa por R$ 12 mil, com opção de troca por carro de valor maior; duas sem preço especificado e uma para ser trocada por residência no parque Santa Clara. Um dos motivos para tantos casos é o poderio do tráfico de drogas, com alta incidência de homicídios. Também foi verificada uma postagem de venda de casa no Conjunto Habitacional de Ururaí, pelo valor de R$ 35 mil. Todas as postagens foram feitas em outubro ou novembro.
Na maioria das publicações recentes, os vendedores orientam os interessados a chamá-los em conversa privada na rede social. Também há os que deixam números de telefone. A reportagem entrou em contato com uma das vendedoras, demonstrando interesse na compra da residência anunciada, no Novo Eldorado, e ouviu dela que não há problema na negociação, pois “muitas outras pessoas já venderam suas casas”. De acordo com a mulher, a documentação está em dia, bem como as contas de água e luz. Para concretizar o negócio, segundo ela, basta ir a um cartório e formalizar um documento, visto que a mesma possui a escritura, recebida quando ganhou a casa, em 2011, ainda nas fases iniciais do Morar Feliz.
Reprodução - Facebook
O histórico de ocorrências de negociações de imóveis nos conjuntos habitacionais de Campos mostra que o problema é antigo. Em outubro de 2011, uma mulher foi flagrada pela equipe técnica da secretaria da Família e Assistência Social supostamente negociando a venda de uma das casas do conjunto residencial do Novo Jóquei. A Polícia Militar foi acionada e conduziu a vendedora, que era funcionária da Prefeitura, à 134ª Delegacia Policial (DP), onde prestou depoimento.
Questionada pela reportagem a respeito dos casos recentes de comercialização dos imóveis, através da superintendência de Comunicação da Prefeitura, a secretaria de Desenvolvimento Humano e Social informou que, “quando recebe denúncia sobre possíveis irregularidades, inicialmente, busca diálogo junto ao denunciado e, caso nesta primeira tentativa não seja possível o acordo, é iniciada ação de reintegração de posse, junto à Procuradoria Geral do Município”.
Programa não foi concluído e é investigado
Se não bastassem os problemas nos conjuntos já entregues à população, ainda há casas do Morar Feliz sem terminar. As obras foram abandonadas na gestão da ex-prefeita Rosinha Garotinho (PR) e também são alvo de uma polêmica que envolve a Odebrecht, responsável pelas construções, e os Garotinho, que teriam sido beneficiados com caixa 2 da empreiteira. O caso está na Justiça e na Câmara de Vereadores, nesta última foi prorrogada por mais 90 dias a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Odebrecht, que investiga contrato da empreiteira envolvida na Operação Lava Jato com a Prefeitura. O contrato para o Morar Feliz, no valor total de quase R$ 1 bilhão, é o maior já firmado pelo município. Para piorar a situação, casas inacabadas estão sendo invadidas.
Auditoria realizada nos contratos da Prefeitura com a Odebrecht mostra que, das mais de 4.500 casas previstas para a segunda fase do programa Morar Feliz, apenas 708 foram entregues e 682 ficaram inacabadas. O valor de cada unidade, segundo o que foi levantado pelos auditores, chega a mais de R$ 300 mil, conforme publicado pela Folha em junho. De acordo com a Prefeitura, na primeira fase do programa, foram construídas 5.100 casas. Já na segunda etapa, seriam 4.574 unidades ao valor de R$ 476.565.447,55. O prazo de conclusão era de 36 meses, entre 2013 e 2016.
A obra completa deveria ter sido entregue em abril do ano passado, com casas em 24 localidades, porém, isso não aconteceu. Somente em cinco houve movimentação. Em Ururaí, foram entregues 504 casas, ficando 308 inacabadas e 32 para serem entregues. Famílias de baixa renda invadiram as residências abandonadas na localidade mais de uma vez. Em Donana, foram 364 inacabadas. Também foram entregues casas em Tócos (84), Saturnino Braga (90) e Dores de Macabu (30).
Paulo Pinheiro
Conjuntos já estão descaracterizados
O desenvolvimento dos conjuntos habitacionais de Campos esbarra no tráfico de drogas, notado nas pichações alusivas a facções criminosas. Assim como no Novo Eldorado, moradores de Tapera, Novo Jóquei, Ururaí e outros bairros ou localidades temem pela violência. Apesar disso, há quem invista nos locais. Várias casas foram aumentadas para cima e também nos fundos, corrompendo a padronização dos conjuntos. Em Tapera 1, por exemplo, há uma residência com três andares, fora as várias outras de dois andares. Outra situação observada pela reportagem nos conjuntos habitacionais foi a instalação de estabelecimentos comerciais. Lanchonete, pizzaria e açougue são alguns dos exemplos.
Em nova nota, a secretaria de Desenvolvimento Humano e Social explicou que, “em alguns conjuntos habitacionais, construídos em outros momentos, foram reservados espaços para o comércio. Quando não diz respeito a estes locais, à medida que o órgão recebe denúncias sobre possíveis irregularidades neste sentido”, novamente, busca o diálogo com o denunciado. Não resolvendo na primeira tentativa, “é iniciada ação de reintegração de posse, junto à Procuradoria Geral do Município”.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS