Mulher de Dario Messer detalha esquema que manteve doleiro foragido
02/05/2020 08:33 - Atualizado em 08/05/2020 20:55
Em delação premiada, a filha da ex-deputada federal Alcione Athayde, prima do ex-governador Anthony Garotinho, Myra de Oliveira Athayde revelou detalhes do esquema montado para manter o marido, o doleiro Dario Messer, foragido da Lava-Jato em 2018 no Paraguai. De acordo com a Época, a rede de apoio ao narcotráfico na fronteira paraguaia, incluindo corrupção de autoridades, voos ilegais e falsificação de documentos, foi usada para esconder o doleiro. Myra e a mãe foram presas em novembro de 2019, no Rio de Janeiro, em uma das fases da operação da Lava Jato.
Myra detalhou o esquema montado pela família Mota, envolvida em contrabando e tráfico, para manter Messer por quatro meses em Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia vizinha a Ponta Porã (MS), vista hoje como um dos principais entrepostos de armas e drogas para a maior facção do Brasil, o PCC.
Segundo a Época, a mulher de Messer decidiu colaborar após ter sido presa sob a acusação de auxiliar a fuga do marido e de movimentar dinheiro do doleiro no período. A delação foi homologada pelo juiz Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara Federal Criminal do Rio. Um dia antes de receber a visita da PF em sua casa, em Copacabana, Myra e Messer se casaram na penitenciária de Bangu, onde o doleiro esteve preso até ser beneficiado por uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) por fazer parte do grupo de risco do novo coronavírus.
Myra teve a ajuda da mãe, a ex-deputada federal Alcione Athayde e do padrastro dela, Arleir Francisco Bellieny, para transportar e receber recursos financeiros ocultos de Messer. Eles teiam sido contra o namoro dela com o doleiro no início, tentaram afastá-la dele, mas decidiram "ter uma relação de família" e passaram a ajudá-lo também nas operações, que achavam ser lícitas.
A mulher de Messer contou que, além da família Mota, o esquema teve a participação de políticos, doleiros, banqueiros e advogados. Um deles, afirmou, foi o ex-presidente do Paraguai Horacio Cartes, que teria dado US$ 600 mil para acobertar Messer e ajudá-lo a desbloquear seus bens confiscados. Parte desse valor, US$ 100 mil, foi pago a advogada Leticia Bobeda para subornar autoridades paraguaias, entre eles, o senador o senador Sergio Godoy, ex-assessor jurídico de Cartes. A advogada já tinha recebido US$ 50 mil de um dos operadores de Messer.
Messer desapareceu em maio de 2018, pouco antes da operação “Câmbio, desligo”, uma das maiores da Lava-Jato no Rio, na qual foi acusado de fazer parte de um sistema de lavagem de dinheiro que atingiu astronômica cifra de US$ 1,652 bilhão. Um dos 17 anexos da colaboração de Myra denunciou que Messer passou quatro dos 14 meses de fuga - entre maio e setembro de 2018 - escondido em Pedro Juan Caballero, em casa alugada pelos Mota, uma família de “brasiguaios” ligada a contrabando e narcotráfico. Os Mota, de acordo com Myra, teriam custeado hospedagem, alimentação e viagens aéreas para Messer com a intenção de beneficiar-se do dinheiro do doleiro e de sua influência junto ao ex-presidente do país vizinho Horácio Cartes.
Em outro anexo, Myra disse que o doleiro conseguiu fugir antes da "Câmbio, desligo" porque um de seus sócios, Najun Turmer, foi alertado na véspera por um agente da Polícia Federal lotado em São Paulo. A família Mota, favorecida por outro vazamento em novembro do ano, teve tempo de esconder provas que a comprometiam nas buscas e apreensões da operação “Patron”, desdobramento da Câmbio, desligo, garantiu Myra.
A delatora revelou ainda que, antes de ser preso, Messer deixou US$ 232 mil ocultados com os Mota. De acordo com ela, “não foi a primeira vez que (a família) escondeu um foragido, prática comum na fronteira”. Sobre os anfitriões de Messer, acrescentou ainda que “eles não escondem que atuam em atividades ilícitas e se relacionar com traficantes e contrabandistas da fronteira, que inclusive frequentam a residência da família”.
Um avião providenciado pela família Mota levou Messer de volta ao Brasil em 22 de setembro de 2019. A aeronave pousou em Jundiaí (SP), onde foi recebido por Najun Turner e mulher (Deusa), com a certeza de que conseguiria um habeas corpus. Foi quando passou a morar nos Jardins, em São Paulo, com Myra, onde ele, Messer, assumiu a identidade de Marcelo de Freitas Batalha, documento falso também obtido pelos Mota ao preço de US$ 2 mil.
Para os investigadores, a delação de Myra fornece subsídios para entender a rede de apoio que manteve Messer escondido durante 14 meses. Advogada, filha de políticos de Campos dos Goytacazes (Norte fluminense), Myra começou a namorar Messer em abril de 2018 três meses depois de ter sido apresentada pela "ex" do filho de Messer, Dan Messer. A Câmbio, Desligo foi deflagrada em 3 de maio do mesmo ano. Ela passou então a ser “auxiliada financeiramente” pelo doleiro, mesmo sabendo que ele era investigado por evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
Orientada por Messer a obter um registro de residente no Paraguai, Myra abriu na sequência a empresa Goodhope Consulting LCC e contas bancárias em Miami para ajudá-lo a girar e transferir valores. Seu trabalho seria buscar dinheiro no Paraguai e entregar a quem o namorado indicasse. Ela afirma que somente se beneficiou do dinheiro de Messer para realizar gastos domésticos e com viagens, já que era a sua companheira.
No Brasil, para onde voltou crente que conseguiria um habeas corpus, Messer pagava R$ 8 mil de aluguel num apartamento da Alameda Lorena. Depois se mudou para Rua Pamplona, num imóvel maior, alugado por R$ 15 mil. Segundo Myra, Messer estava seguro de que seria avisado por Najun Turner de qualquer operação policial. Escondido em São Paulo, usava o documento falso obtido com a ajuda de “Antoniozinho”, filho de Antonio Joaquim da Mota, o Tonho, e Cecy "Mãe" Mendes Gonçalves da Mota, chefes do clã familiar.
Antoniozinho é sócio de Alexandre Rodrigues Gomes, o Alê, filho de um político paraguaio, Eulalio Gomes, e piloto do avião que buscou Messer. O filho de Tonho porta armas por onde vai, sempre cercado de seguranças, e é provavelmente o herdeiro dos negócios familiares. Orlando Stedile, único integrante da família que mora em São Paulo, disse a Myra que os Mota também contam com informantes da PF e sabiam que os celulares de Messer tinha sido acessados, razão pela qual tiveram tempo de ocultar provas antes da operação Patron.
Tonho foi explícito em oferecer os negócios da família para a ocultação dos bens de Messer. E teve a ajuda de Myra para convencer o doleiro a deixar US$ 232 mil com a família. A combinação era que tanto ela quanto Messer poderiam fazer "saques" avulsos do dinheiro.
Myra e Messer vivem hoje em regime de união estável, conforme mostra documento obtido pela revista "Veja". A publicação diz que com a prisão da mulher e da sogra, o doleiro ficou abalado a ponto de fechar uma delação premiada, negociação com as autoridades que ainda não avançou.
A defesa de Messer afirmou que, por se tratar de procedimento sigiloso, não se pronunciará. O senador paraguaio Sergio Godoy disse à "Epoca" que soube por terceiros das intenções da advogada Leticia Bobeda de marcar um horário com ele para conversar, mas que nunca esteve com ela. Ele é apontado como por Myra como o parlamentar indicado por Cartes para viabilizar "benefícios penais" a Messer, caso ele fosse preso no Paraguai.
"Soube por advogados conhecidos que ela queria ter uma conversa comigo. Mas jamais conheci essa mulher e nunca a teria recebido para tratar de assuntos privados", diz o senador que trabalhou como assessor jurídico do conglomerado de empresas de Cartes de 2008 a 2013. Em 2018, ele se elegeu com a ajuda do ex-patrão.
Ele afirma ter conhecido Dario em 2006 durante uma partida de futebol e que apenas uma vez, em 2013, o doleiro o procurou para que ele o ajudasse a tirar a nacionalidade paraguaia.
"Ele me perguntou se eu poderia ajudá-lo no processo de naturalização paraguaia, mas disse a ele que não, pois já atuava como funcionário público", afirma Godoy ao se referir ao cargo de assessor especial do então presidente Horacio Cartes (2013-2018).
"Época" contatou Horacio Cartes, mas ele não retornou às mensagens. As defesas de Najun Turner, da família Mota e de Leticia Bobeda não foram localizadas.
O Anexo 2 da delação é todo dedicado a Horacio Cartes, que se referia ao doleiro como "irmão de alma". Myra narra em detalhes os movimentos do ex-presidente do Paraguai para ajudar o amigo, depois de duas tentativas frustradas feitas pelo então fugitivo, uma por carta e outra por mensagem de celular. O esquema para a entrega de US$ 600 mil faz alusão a filmes da máfia, com direito a encontros secretos no quarto e no subolso de um hotel cinco estrelas.
De acordo com ela, a ajuda financeira seria usada para corromper autoridades paraguaias afim de desbloquear os bens de Messer no país, ideia sugerida pela advogada Leticia Bobeda.
Myra conta que as famílias Messer e Cartes têm um logo histórico de parceria e por diversas vezes Horacio foi "auxiliado financeiramente" por Dario, com quem possui uma fazenda em sociedade. A ponte entre os dois teria sido feita "há décadas" por Najun Turner. Além de atuar no mercado de câmbio, o ex-presidente tornou-se um milionário da área do tabaco e comandou até time de futebol. Entrou na política em 2008, pelo partido Colorado, e cinco anos depois alcançou a Presidência da República no Paraguai.
Jorge Cartes e Julio Messer, irmãos de Horacio e Dario, foram acionados no final de 2018 e início de 2019. Foi quando Horacio teria liberado os US$ 600 mil para Myra receber, apontada como pessoa de confiança de Messer. O dinheiro foi entregue, segundo ela, também por Eduardo Cesar Campos Marin, presidente do Banco Basa (ex-Banco Amambay), que pertence à família Cartes.
As entregas foram realizadas em um intervalo de 15 dias. A pirmeira, de US$ 100 mil, aconteceu no dia 14/01/2019. Hospedada no Paseo La Galeria Hotel, no centro de Assunção, Myra combinou com Eduardo Marin de se encontrar na recepção do Hotel Sheraron, a 200 metros de distância. Dali seguiram para o subsolo, onde os esperava um carro com motorista. Já dentro do automóvel ela assinou um recibo e recebeu um envelope com o dinheiro.
Myra seguiu de carona até o hotel onde estava hospedada, onde também há um shopping. E ali ficou à espera da advogada Leticia Bobeda para quem entregou o envelope com os US$ 100 mil. A mulher de Messer afirma que o dinheiro seria usado para que fose feita a troca de administradores do patrimônio do doleiro.
A segunda entrega, no dia 29/01/2019, foi também no Hotel Sheraton, onde Myra preferiu se hospedar. Novamente o presidente de Banco Basa foi ao seu encontro e o mesma esquema se repetiu, desta vez Eduardo Marin lhe entregou um pasta contendo US$ 500 mil.
Desse total, Myra afirma ter repassado US$ 260 mil para o gerente da Fe Cambios, José Valdez, que foi buscar a quantia no quarto onde estava hospedada. Os outros US$ 232 mil forem entregues a Tonho. Os R$ 8 mil restantes, Myra trouxe para o Brasil.
Procurado para falar em nome do Banco Basa, de sua propriedade, Horacio Cartes não retornou às mensagens enviadas para o seu celular.
Fonte: Época

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