Campos, nova capital - uma ideia de 150 anos
12/10/2021 | 11h10
Campos dos Goytacazes possui 4.032 km², correspondendo a 9,2% do Estado. Foto: Rogério Azevedo
Campos dos Goytacazes possui 4.032 km², correspondendo a 9,2% do Estado. Foto: Rogério Azevedo
Campos, nova capital - uma ideia de 150 anos
As discussões de ontem e de hoje a respeito do protagonismo estadual de Campos dos Goytacazes
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O cenário dos anos 1870 no Rio de Janeiro guardava algumas semelhanças com a realidade atual. O país e a província viviam crises políticas e econômicas importantes, e a população sofria com instabilidades criadas pelas sucessivas administrações públicas; não sendo possível culpar uma apenas. Com a monarquia em declínio, as regiões começavam a procurar autonomia e reivindicavam o poder de ditar seus próprios caminhos. Não foi diferente no território fluminense. Os políticos oitocentistas de Campos lutavam para que o município não apenas pudesse caminhar sozinho, mas para passasse a ocupar o posto de capital do Rio de Janeiro.
Voltando à atualidade, mais especificamente no último julho, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, disse em entrevista concedida ao ‘Folha no Ar’, que o Estado deveria ter duas capitais, sendo Campos uma delas.
A discussão em torno da metropolização da região da Bacia de Campos ganha corpo, e outros personagens que protagonizam a política estadual olham para o interior com olhos de expectativa. Campos, por sua posição geográfica, seu tamanho territorial e populacional, os investimentos de porte nacional que a circundam, e o recente estudo de três pesquisadores da UFRJ sobre a potência instalada em energia solar fotovoltaica em seu território, deixam a cidade em posição de “capital do interior”.
Uma discussão que atravessa o tempo - No final do século XIX, a província ganha ares de modernidade, civilidade e urbanidade. As cidades e Vilas iniciavam processos de emancipação dos cativos, novos ideais políticos surgem — assim como novidades no pensamento cultural, social e econômico. Campos, com população em crescimento e produção agropecuária forte, vê esse cenário urbano acontecer com rapidez e vigor. Alguma mobilidade nas camadas sociais acontecia, mesmo pequena, e o crescimento do comércio e do setor de serviços alteravam as relações de poder, até então hegemônico nas mãos de grandes proprietários de terras.
Campos oitocentista. Foto: Biblioteca Nacional
Campos oitocentista. Foto: Biblioteca Nacional
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E foram as aspirações desses novos grupos urbanos que reforçaram as discussões para tornar Campos a capital da província, onde a Associação Comercial de Campos teve papel central. A necessidade de modernização da cidade, inclusive em uma perspectiva higienista, levou as elites campistas a discutirem uma forma de sair da realidade de um município agrícola e monarquista, para um importante polo comercial e urbano. Transformar Campos em capital era o caminho para isso, principalmente depois da implantação da luz elétrica; a cidade foi a primeira na América Latina a ser iluminada.
A “briga” estava entre Petrópolis e Friburgo. A alegação era de que a região serrana reunia melhores condições climáticas e sanitárias para abrigar a capital. Jornais de abrangência nacional, como ‘O Globo’, contestavam a capacidade de Campos para ambicionar ser o centro econômico e social da província, e os jornais locais, como o ‘Diário de Campos’, contestavam dizendo que as matérias desconheciam a realidade social e econômica da cidade, que davam total condição de Campos concorrer ao título de capital.
Os debates continuavam, e novas propostas foram apresentadas à medida que os conflitos políticos em torno da continuidade da monarquia se acirravam. Os favoráveis à República uniram-se aos que queriam dar centralidade aos municípios. Aproveitando o clima republicano, representantes políticos de Campos avançavam com o projeto de a cidade ser a nova capital do Estado do Rio de Janeiro.
Francisco Portela, empresário e fazendeiro de Campos, que fora nomeado o primeiro presidente republicano do estado, e era um grande entusiasta da transferência da capital para Campos, não conseguiu que a ideia fosse efetivamente posta em prática.
Energia para a nova capital - A ideia permaneceu viva até os anos 1920, quando finalmente arrefeceu. Embora a proposta de uma nova capital para o Rio ainda persista no imaginário político e social do interior, cada região do estado foi se adaptando às suas condições e trabalhando suas potencialidades. Campos dos Goytacazes assumiu uma posição de liderança regional inegável. Hoje, é o maior município do interior, com uma história marcada por importantes ciclos econômicos — açúcar e petróleo — que o colocaram em posição de destaque no país.
Agora, uma discussão sobre a “metropolização da região da Bacia de Campos veio para ficar”, tendo como uma de suas bases produtivas e econômicas a energia solar, onde Campos assume a liderança tanto em potência instalada quanto na quantidade de conexões.
Seja nos anos 1800, ou no século XXI, a centralidade de Campos no Estado é evidente. Porém, os cariocas sempre receberam investimentos e atenção estadual de maneira injusta e desproporcional, sendo, de certo, uma das grandes causas das sucessivas crises que o fluminense vive. Seja como uma nova capital, ou como pivô de uma metropolização, o fato é que Campos deve assumir a condição imposta por sua própria história: a eletricidade do desenvolvimento estadual.
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Quando nasce Campos? "Em 1652, no sítio onde hoje está instalada a Igreja de São Francisco, foi construída uma capela em louvor a São Salvador" - Major Almeida
02/06/2021 | 12h46
Segunda entrevista da série sobre as discussões que continuam na atual legislatura da Câmara de Vereadores de Campos dos Goytacazes sobre a data de nascimento da cidade.
Quando nasce uma cidade? Como podemos definir o momento exato em que um aglomerado de pessoas e construções passe a se tornar uma urbe, com ruas e gentes, determinações e identidades próprias? A data de fundação de um lugar é determinada por diversos fatores e movimentações. Inclusive dos povos originários que viviam naquele território, que na maioria das vezes são expulsos ou explorados por processos de colonização e urbanização (confira reportagem da Folha aqui).
O caso da nossa cidade não foi diferente. Além do índio Goytacá, habitavam aqui grupos indígenas como os Puris, Coroados e Guarulhos. Mas, estaria a história de Campos dos Goytacazes, enquanto cidade, iniciada nesse contexto? Havia nos povos originários a organização social, econômica e administrativa para podermos determinar o nascimento de uma cidade como a entendemos na contemporaneidade?
É essencial definirmos uma data que possa comportar a documentação histórica, os testemunhos e a literatura disponível, mas também que possa produzir no campista o reconhecimento de sua história. Inclusive pela obrigatoriedade de valorizarmos nossos primeiros habitantes e contarmos a história de exploração e morticínio que passaram durante a colonização. É preciso apresentar Campos aos campistas. Mostrar o quão profunda é a sua história e quantos antepassados lutaram por essa terra para que hoje possamos chamá-la de nossa, de nosso local de nascimento, de nossa casa. Quando uma cidade completa ciclos de vida, é-lhe concedido o direito de comemorar um marco simbólico a partir do qual se rememoram passados, mas também se projetam futuros.
A Câmara de Vereadores de Campos dá continuidade nesta legislatura às discussões sobre o real — ou consensual, ao menos — nascimento da cidade. Para isso propõe a escuta ativa de historiadores, pesquisadores, jornalistas, e toda sociedade. Quatro correntes são defendidas no legislativo municipal, oriundas de encontros com a Comissão de Educação e Cultura, reuniões no plenário e defesas escritas. A primeira em 1532, com a doação das Capitanias Hereditárias — a segunda em 1652 com a celebração da primeira missa em solo campista — a terceira 1º de janeiro de 1653 com a posse da primeira Câmara — e 29 de maio de 1677 com a criação da Vila pelo donatário e a posse de nova Câmara, essa de forma definitiva.
Por ordem de antiguidade das datas propostas, iniciamos uma série de entrevistas (veja a primeira aqui). Nesta, o ex-deputado constituinte, major Oswaldo Almeida, e prior da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, conversa sobre a data que defende: 06 de Agosto de 1652. 
Edmundo Siqueira - Quando Campos nasce, de fato? Qual a importância dessa discussão para a cidade?
De princípio, queremos reconhecer que será de extrema dificuldade formatar um quadro com uma justa concepção do ocorrido no início do século XVII (1615/1650) numa época em que nossa região havia se transformado num verdadeiro “faroeste” americano, invadido por desertores das forças do Rio de Janeiro e evadidos das justiça do Rio e Cabo Frio, degredados e gente da pior espécie ávidos por conseguir terras, expulsando índios remanescentes e “hereus” descendentes dos 7 Capitães e arrendatários destes. Dessa época haviam poucos capazes para registrar o ocorrido até a chegada das Ordens religiosas, dos Jesuítas, Beneditinos, Franciscanos, Carmelitas e mais tarde, dos Redentoristas, e que, como representantes da igreja ainda eram respeitados, por serem gente de melhor nível, com seus relatos e relatórios a seus superiores e quando iniciaram, ainda que esparsamente a registrar as ocorrências da época. Baseados nessas informações, começaram a surgir os primeiros cronistas até chegar aos consagrados pesquisadores e historiógrafos Alberto Lamego, Júlio Feydit e outros, além dos religiosos Monsenhor Pizarro e Frei Basilio Rower, que deram início a construção da memória histórica que estamos procurando.
Ficou assim definido pelos 4 grandes autores, que, em 1652 ou 1649, como registrou Feydit, foi levantada no Sitio onde está instalada hoje a Igreja de São Francisco, uma capela de palha em terras do Gen. Salvador Correia de Sá e Benevides que a mandou construir, e a entregou ao Monge Beneditino D. Fernando de Monserrat, nomeando-o Vigário e Pároco da mesma.
Estava assim, reconhecida, que em 1652, no sítio onde hoje está instalada a Igreja de São Francisco, foi construída uma capela em louvor a São Salvador, criando já na época, a devoção, que permanece até hoje, sendo designado para ela um Pároco (Dom Fernando de Monserrat) com o que, a referida capela foi elevada à categoria de Paroquia e Freguesia, capacitada legalmente para as funções religiosas e de registros civis, para atender seus “Fregueses”, que habitavam em seu entorno. Para confirmar a condição legal da instituição “Freguesia” capacitada para o exercício de atividades civis, o Dr. Edson Batista, que também exerceu o cargo de Presidente (da Câmara de Vereadores de Campos), em depoimento a este Prior, declarou que no exercício da Presidência, descobriu em 2015, um cofre da Câmara lacrado no Cartório do 2º Oficio de Campos contendo documentos importantes da nossa heroína Benta Pereira, com testamentos e inventários, onde ela registra que “nasceu na Freguesia de São Salvador de Campos dos Goytacazes em 1675”.
A instalação de uma instituição religiosa, como foi o caso da nossa Freguesia, na celebração em sua Capela da sua primeira missa em louvor de seu Padroeiro São Salvador, no ano de 1652, só poderia ter sido, conforme prevê a tradição católica no dia de seu santo, dia 06 de Agosto, conforme vimos comemorando desde aquele dia até nossos dias em Campos dos Goytacazes.
A Proposta do Professor Avelino, para considerar a data da instalação da Capitania de São Tome como uma data a ser celebrada para o inicio de Campos, só seria válida se continuasse a existir a “Vila Rainha” do Donatário Pero de Goes, que infelizmente foi extinta e não deixou rastros.
A proposta da Professora Sylvia Paes, apoiada pelo jornalista Edmundo Siqueira estabelecendo como data do início do povoamento dos Campos dos Goytacazes com a da instalação da Vila de São Salvador em maio de 1677. Só seria válida, se não houvesse antes a instalação da Freguesia em 06 de agosto de 1652, conforme devidamente demonstrado nos registros atrás realizados. A propósito, a proposta da Professora Silva, apoiada pelo Jornalista Edmundo, de certo modo, desconheceu a figura da Freguesia, talvez, julgando-a não ter existido ou julgando-a não ter sido legalmente reconhecida.
Passando a considerar a proposta da Professora Rafaela Machado Ribeiro, do Arquivo Municipal, apoiada pelo Sr. Genilson Soares, do Instituto Histórico do Município, a instalação da Freguesia de São Salvador em 1652, como já foi amplamente demonstrado nos registros que atrás fizemos e também confirmado pelo registro efetuado no Livro “Benta Pereira em Documentos editado pela Câmara de Vereadores, de autoria da Própria Proponente, Professora Rafaela Machado, ratificado conforme anexos 09 e 9a precede a primeira tentativa de fundação da Vila em 01 de janeiro de 1653. Ainda mais, como registrou Alberto Lamego em seu Tomo I da sua Obra Terra Goitacá, em págs de nº 91 até 137, que esta primeira tentativa de fundação da Villa foi ilegal, tanto assim, que logo logo, pouco tempo após sua tentativa de instalação, foi abortada e a Villa de então, voltou a ser Freguesia. Houve uma nova tentativa em 1672, que também não prosperou, só vindo a ser instalada definitivamente a Villa de São Salvador de Campos, em 29 de Maio de 1677. Registre-se, que a autorização para a instalação definitiva da Villa, só foi deferida com requerimento dos moradores da Freguesia, ao qual foi juntado uma certidão do Vigário da Igreja de São Salvador em que declarava já existir na área 60 moradores, todos fregueses da mesma Igreja. Pág 137 Tomo I. Com estes registros e outros mais contidos nas abordagens de Alberto Lamego, ficou definida que a primeira tentativa de instalação da Vila em 01 de janeiro de 1653, foi ilegal, e não podendo ser reconhecida legalmente. Todavia, mesmo que fosse reconhecida, nesta data, a Freguesia de São Salvador, instalada em 06 de Agosto de 1652, teria precedido essa já tentativa de fundação da Villa.
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Quando nasce Campos? "Se for para comemorar aniversário, não se pode partir da 'idade adulta'. É um contra senso" - Avelino Ferreira
22/05/2021 | 08h53
Primeira de uma série de entrevistas sobre as discussões que continuam na atual legislatura da Câmara de Vereadores de Campos dos Goytacazes sobre a data de nascimento da cidade. 
Quando nasce uma cidade? Como podemos definir o momento exato em que um aglomerado de pessoas e construções passe a se tornar uma urbe, com ruas e gentes, determinações e identidades próprias? A data de fundação de um lugar é determinada por diversos fatores e movimentações. Inclusive dos povos originários que viviam naquele território, que na maioria das vezes são expulsos ou explorados por processos de colonização e urbanização.
O caso da nossa cidade não foi diferente. Além do índio Goytacá, habitavam aqui grupos indígenas como os Puris, Coroados e Guarulhos. Mas, estaria a história de Campos dos Goytacazes, enquanto cidade, iniciada nesse contexto? Havia nos povos originários a organização social, econômica e administrativa para podermos determinar o nascimento de uma cidade como a entendemos na contemporaneidade?
É essencial definirmos uma data que possa comportar a documentação histórica, os testemunhos e a literatura disponível, mas também que possa produzir no campista o reconhecimento de sua história. Inclusive pela obrigatoriedade de valorizarmos nossos primeiros habitantes e contarmos a história de exploração e morticínio que passaram durante a colonização. É preciso apresentar Campos aos campistas. Mostrar o quão profunda é a sua história e quantos antepassados lutaram por essa terra para que hoje possamos chamá-la de nossa, de nosso local de nascimento, de nossa casa. Quando uma cidade completa ciclos de vida, é-lhe concedido o direito de comemorar um marco simbólico a partir do qual se rememoram passados, mas também se projetam futuros.
A Câmara de Vereadores de Campos dá continuidade nesta legislatura às discussões sobre o real — ou consensual, ao menos — nascimento da cidade. Para isso propõe a escuta ativa de historiadores, pesquisadores, jornalistas, e toda sociedade. Quatro correntes são defendidas no legislativo municipal, oriundas de encontros com a Comissão de Educação e Cultura, reuniões no plenário e defesas escritas. A primeira em 1532, com a doação das Capitanias Hereditárias — a segunda em1652 com a celebração da primeira missa em solo campista — a terceira 1º de janeiro de 1653 com a posse da primeira Câmara — e 29 de maio de 1677 com a criação da Vila pelo donatário e a posse de nova Câmara, essa de forma definitiva.
Por ordem de antiguidade das datas propostas, iniciamos uma série de entrevistas. Nesta, o ator, jornalista e escritor Avelino Ferreira conversa sobre a data que defende: 1532 – Doação das Capitanias Hereditárias.
Edmundo Siqueira - Quando Campos nasce, de fato? Qual a importância dessa discussão para a cidade?
Avelino Ferreira
- São Paulo celebrou, este ano, no dia 25 de janeiro, seus 467 anos. Mas o início, a criação da Vila, em 1532, foi em Santos ou São Vicente. Não existia São Paulo. Niterói tem como data de nascimento 22 de novembro de 1573, data em que o governador Estácio de Sá (1520-1567) presenteou às terras à direita (Terras D’Além) da entrada da Baía de Guanabara ao chefe indígena dos temiminós, Arariboia, que havia combatido os franceses que desejavam criar a França Antártica. Portanto, vai comemorar este ano, 448 anos. Não havia Pelourinho, casas de Câmara e Cadeia, nem Matriz.
É absurdo tecer considerações sobre datas, em relação aos povos nativos, porque eles não tinham escrita e as datações são feitas pelos invasores europeus. O argumento de que teríamos que buscar a data em que os “índios” aqui se estabeleceram não têm sentido para o que pretendemos. Repito: a data mais importante é o nascimento. Todas as demais datas são importantes. Assim como os anos de uma pessoa são comemorados ou de casamento, por exemplo. Podem ser, ou são, consideradas importantes, mas qualquer data além da certidão de nascimento é secundária. A justificativa de que a data deve ser da criação oficial da Vila perde sentido, quando a questão proposta é “aniversário”, portanto, “nascimento”. Quando a Vila é criada, ela é adulta. O mesmo com a posse da primeira Câmara, em janeiro de 1653. Se há uma eleição e posse de uma Câmara, é porque o “nascimento” foi muito antes. Se for para comemorar aniversário (quantos anos tem uma pessoa, uma cidade), não se pode partir da “idade adulta”. É um contra senso. O exemplo que dei e reproduzo aqui, e que é aceito por todos, é o do Brasil. Em 22 de abril de 1500 os invasores chegaram a um local que nunca viram e que acreditaram ser uma ilha. Constou como data de “nascimento do Brasil”. Falam em descoberta, o que não é verdade. Descoberta pelos portugueses, vá lá, mas nem aqui fincaram raízes, muito menos pelourinho, Câmara, cadeia e matriz. O que consideram como documento é uma carta de Caminha, sobre o “achamento” da ilha.
"É absurdo tecer considerações sobre datas, em relação aos povos nativos, porque eles não tinham escrita e as datações são feitas pelos invasores europeus. O argumento de que teríamos que buscar a data em que os “índios” aqui se estabeleceram não têm sentido para o que pretendemos. Repito: a data mais importante é o nascimento." (Avelino Ferreira)
No caso de São Paulo, em 1532, o caso é tão absurdo (enquanto argumento para relacionar o caso de Campos), porque nem existia a cidade, mas sim, uma “ilha”, na beira do mar, na região que conhecemos como Santos. 
No caso de Niterói, foi a doação das terras a uma tribo chefiada por Arariboia. Nem Câmara, nem cadeia, nem matriz, nem pelourinho.
Ou seja, no nosso caso, houve uma certidão em 1532. O contra argumento de que foi a criação das capitanias, e por isso não vale, porque todas teriam a mesma data de nascimento, eu refuto com uma analogia, presente agora nas redes sociais, dos nônuplos (número nove) que uma mulher deu luz. Não terão os nove irmãos a mesma data de nascimento? Se um ou dois ou mais morrerem (nosso humanismo religioso não nos permite pensar nisso), eles não nasceram. Serão apagados da história a ser contada pelos pais?
Cito esse fato para discordar de quem diz que a Vila da Rainha, de Pero de Góis, não pode servir como datação, porque anos depois ela foi destruída. Nova tentativa com o filho, Gil de Góis, com a Vila de Santa Catarina das Mós, também não vale, porque anos depois ela também foi destruída. Nem mesmo está sendo cogitada a data de doação da sesmaria aos Sete Capitães, em 1627. Sequer o ano de reconhecimento dessas terras, em 1632 e o início da colonização, em 1633. Por que colocaram um curral (ou dois) para a criação de gado e foram buscar mais pessoas para ocuparem as terras e, por isso, não vale?
Mas vale o avistamento da “ilha” em 22 de abril de 1500? Vale a doação de um pedaço de terra aos nativos em 1573 (caso de Niterói)? Ou a criação da Vila (primeira do Brasil) em 1532 na praia de Santos e que vale para São Paulo, que sequer foi imaginada à época?
Ou... bem, vou concluir dizendo algo inaceitável para quem não consegue re-fletir, fletir para dentro (ou para trás): não existe fato. Existe versão. Se algo não é narrado, não existiu e não existe. É como um meteoro que neste exato momento chocou-se com outro em Saturno. Não é fato, porque não sabemos, não há versão sobre o fenômeno. Portanto, o que existe são narrativas. Bilhões de pessoas acreditam que uma cobra falou. Porque há uma narrativa mítica que uma cobra falou. Mais imbecilidade que isso, eu não conheço. É interessante uma cobra falante (ou qualquer outro animal), nos contos infantis, nas lendas (também narrativas). Mas os fiéis religiosos têm a narrativa mítica como verdade histórica.
Então, nascimento pode ser quando um sujeito completa 20 anos. Tudo é uma questão de narrativa. E os historiadores “sérios” se atém a documentos “originais”, quando estes já são secundários. Não existe documento primário, pois é algo inscrito ou escrito, pintado etc., por algo ou alguém. E sendo alguém, obviamente, a “verdade” é a dele, a partir de sua cultura, suas crenças, sua autoridade etc. Mas insistimos (principalmente jornalistas e historiadores) em que “fato é fato”. Advogados também, acusando ou defendendo um criminoso, insistem em: “vamos nos ater aos fatos”. Todos sabemos que são narrativas.
Digo que a discussão é importante porque temos uma festa que data de 1652, uma Câmara que data de 1652, as quatro jornadas de Benta Pereira, feita heroína posteriormente, que são do século XVIII e comemoramos o aniversário de Campos como 28 de março de 1835. Pior: até jornalistas se referem como "emancipação". Isso gera confusão mental (que não prejudica porque as pessoas não ligam) porque como explicar que há uma festa de 369 anos, com uma cidade que tem 169 anos? Como falar dos Sete Capitães em 1632 e uma cidade que é de 1835? Como explicar um Solar (o prédio mais antigo de Campos ainda "vivo") é do século XVII e a cidade, do século XIX? Como discorrer sobre a capitania de Pero de Góis, criada em 1532 e doada em 1536, numa cidade que é de 1835? Falta lógica. E qualquer data anterior a 1532 não pode ser considerada como nascimento. É isso.
Edmundo Siqueira - As discussões até aqui originaram quatro teses. Além da sua, existe outra corrente que você perceba mais coerência histórica ou social?
Avelino Ferreira - Ante tudo isso, minha tendência é concordar com o professor doutor Aristides Arthur Soffiati Netto: qualquer que seja a data, não importa, pois trata-se apenas de narrativas. Sejam elas coerentes ou não. Derrotado, concordo com Sylvia Paes, de que, para que todos possam comemorar, o 29 de maio é a melhor data. Isso porque 1º de janeiro é uma data quase mundial e não haverá a mínima condição de se comemorar “a altura”, o aniversário da cidade. O mesmo para a data religiosa, 06 de agosto. E, no meu caso, 08 de dezembro, mês de festas e fim das aulas. Vai passar despercebido. Já o 29 de maio todos poderemos comemorar. Que beleza!
 
 
 
 
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Edmundo Siqueira

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