Políticas públicas de segurança, somente com instituições modernas e democráticas
17/10/2021 | 10h08
A sociedade se acostumou a crer que as soluções para os problemas de segurança pública requerem, fundamentalmente, a contratação de pessoal, compra de viaturas e armamentos com investimento em sofisticados sistemas tecnológicos. Sem dúvida que a escassez de efetivo e falta de estrutura adequada impedem a prestação de um serviço adequado, entretanto, é preciso muito mais do que policiamento e tecnologia para resolver nossos problemas de segurança. São necessárias políticas públicas de segurança assim como uma modernização das estruturas do sistema de justiça criminal herdado da ditadura. 
 
A política de segurança pública é, na verdade, uma política pública como aquelas existentes em outras áreas como saúde, educação e meio ambiente. Entretanto, a ideia de tratar os problemas de segurança através da formulação e implementação de políticas públicas é ainda muito recente no Brasil, e, um dos principais equívocos é acreditar que as polícias são as únicas responsáveis pela sua execução. A participação de outros entes estatais e organizações da sociedade civil são cada vez mais relevantes para o sucesso de qualquer política pública de segurança, principalmente quando o foco é a prevenção.
Além disso, é necessário entender que cada problema de segurança pública requer a formulação de política pública específica. Homicídios, feminicídios e roubos de pedestres são problemas distintos que requerem políticas próprias para mitigá-los, da mesma forma que a corrupção e o combate à atuação de organizações criminosas são problemas que requerem soluções específicas. Pensar segurança a partir da ótica das políticas públicas parece óbvio, mas ainda é uma exceção no Brasil. Porém, uma das maiores dificuldades encontradas para implantação desses planos surge exatamente nas corporações policiais.
A estrutura do campo da segurança pública no Brasil, definida no artigo 144, é caracterizada por uma forte concentração de recursos e competências no plano estadual, pela impossibilidade de as instituições policiais exercerem o ciclo completo de policiamento. Além disso, existem limites constitucionais à reforma das polícias, uma vez que a estrutura construída ao longo do século XX, e fortalecida no período autoritário, foi consagrada pela Constituição Federal de 1988.
Outro aspecto importante a ser considerado é que, apesar das polícias militar e civil serem estruturadas e controladas pelos estados, sua organização e funções são definidas pela Constituição Federal de 1988. Portanto, os estados não podem, isoladamente, transformar ou extinguir essas instituições. As normas que regem o funcionamento das instituições encarregadas em prover segurança são anteriores à Constituição e influenciadas por concepções de política criminal e de manutenção da ordem social do regime autoritário.
Nos últimos anos, várias propostas foram apresentadas ao Congresso Nacional visando mudar esta estrutura legal e institucional. Entretanto, nenhuma logrou êxito em chegar até o final do processo legislativo. A maior parte dos projetos de modernização institucional tem sido distorcida pela burocracia pública, o que impede a mudança de práticas e culturais organizacionais.
Uma das poucas iniciativas que teve sucesso foi a que transformou os agentes penitenciários em policiais penais, a PEC 372/2017. Uma medida importante já que a atuação de organizações criminosas no sistema penitenciário brasileiro é um dos principais problemas relacionados à segurança pública. Através da corrupção de agentes do Estado, os chefes dessas organizações continuam a comandar seus negócios legais e ilegais de dentro do sistema penitenciário.
Em suma, a estrutura do campo da segurança pública não foi alterada pela Constituição de 1988. Ao mesmo tempo, as organizações criminosas têm passado por grandes transformações se adequando aos tempos modernos que exigem para esse enfrentamento instituições independentes, modernas, com autonomia e fundamentadas em conhecimentos científicos e multidisciplinares. Porém, ao invés disso, o que há são corporações paralisadas em conflitos internos, presas a estruturas arcaicas e ultrapassadas, com processos e procedimentos lentos e burocráticos, que impossibilitam a implementação de políticas públicas de segurança adequadas e dificultam o combate ao crime organizado.
Sem uma profunda reestruturação do sistema de justiça criminal brasileiro, com mudanças na governança e na arquitetura organizacional das polícias, as políticas públicas de segurança continuarão a ser somente cartas de intenção. Sem a implantação de conceitos como ciclo completo, desmilitarização, carreira, accountability e ferramentas modernas de gestão e governança, o panorama tende a ser o mesmo ou até piorar. Para fortalecer a democracia, é preciso que essa chegue às instituições policiais
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Bolsonaro e sua Política Nacional de Segurança Pública
07/10/2021 | 12h39
No dia 29 de setembro de 2021 foi editado e publicado o decreto nº10.822 que instituiu a revisão da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social 2021-2030. Esse decreto trata de questões abordadas por duas normas publicadas no ano de 2018, a lei nº 13.675, que criou a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) e instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), e o decreto nº9.489, que regulamentou os procedimentos para a implementação da PNSPDS.
Como tem ocorrido desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro, as mudanças legislativas propostas pelo executivo com relação à área da segurança pública têm causado apreensão e muitas críticas de pesquisadores, especialistas e de profissionais da área, e, no caso do decreto, não foi diferente. Ao invés de fortalecer políticas públicas que tenham como objetivo a prevenção, o respeito aos direitos humanos, a melhoria da governança nas instituições policiais e um incentivo a uma maior participação dos municípios nessa área, o governo foi justamente na direção contrária.
Uma das primeiras mudanças trazidas pelo recente decreto tem relação com mecanismos de governança previstos na lei do SUSP. O SINAPED (Sistema Nacional de Acompanhamento e Avaliação das Políticas de Segurança Pública e Defesa Social), é um desses que ficou de fora do novo decreto e isso é péssimo, pois enfraquece a atuação dos estados e municípios, com o governo federal se colocando como o protagonista com relação à política de segurança pública do país.
Dessa forma, o ministério da justiça passa a ter um papel central na deliberação sobre as políticas de segurança, mas não como um coordenador, exercendo um papel de liderança nas ações promovidas por estados e municípios e sim como controlador. O governo federal passa assim a ter um o controle operacional sobre a segurança pública no país, o que é inviável em um país com a dimensão do Brasil e tamanhas diferenças regionais. Uma proposta que tem a ver mais com centralização de poder do que com efetividade de ações.
Outra preocupação surgida com o novo decreto diz respeito aos dados relacionados às mortes decorrentes de intervenções policiais (MDIP). Conforme previsto na norma, as MDIP serão somadas à categoria geral de homicídios, o que irá impossibilitar o acompanhamento da letalidade policial. Em um país como o Brasil, que tem uma das maiores, senão a maior, taxas de MDIP no mundo, a ausência desses dados traz um apagão de informações que pode servir de incentivo ao aumento da letalidade policial, que já vem crescendo conforme mostra o anuário de 2021 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo dados recolhidos pela ong, entre 2019 e 2020 o aumento foi expressivo em alguns estados, como Mato Grosso (76%), Pernambuco (56,6%), Rio Grande do Sul (48,9%) e Tocantins (48,4%).
Temas como reformas nas carreiras, ciclo completo e valorização profissional também não constam na norma e conceitos como polícia de proximidade e policiamento comunitário deixaram de ser um dos focos em termos de políticas públicas, muito em razão dessa centralidade do governo federal na construção das políticas.
Ao examinar as mudanças introduzidas pelo decreto fica claro que o governo Bolsonaro não tem real interesse em implementar uma Política Nacional de Segurança Pública que tenha como objetivo encarar os desafios que a sociedade enfrenta. Persiste a política de armamento da população, não prevê reformas nas instituições policiais, não busca a valorização dos profissionais da segurança, deixa de lado políticas que comprovadamente funcionam como policiamento comunitário e insiste no apoio à letalidade como se segurança pública se resolvesse somente através de confrontos armados. Ao apostar no que comprovadamente não funciona e na centralização de decisões, indo inclusive contra o que prevê a lei que criou o SUSP, o governo Bolsonaro deixa claro que para ele, segurança pública se resume a “tiro, porrada e bomba”.
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Politização das Polícias
06/06/2020 | 11h54
No último domingo, dia 31/05, várias manifestações pró e contra o atual governo foram realizadas no país, em mais um capítulo da escalada de tensões e riscos de ruptura institucional que têm sido abertamente discutidas. Porém, o que merece ser destacado é que as polícias militares foram tragadas para o olho do furacão da crise política e ressurgem como protagonistas que podem contribuir tanto para a solução constitucional de garantia da ordem social democrática quanto para insuflar rupturas e respostas violentas. Essa última situação é preocupante e merece destaque.
Muitas críticas foram feitas sobre a forma como policiais trataram os diferentes protestos, sendo muito citado, tendo destaque o que ocorreu na cidade de São Paulo. Enquanto manifestantes pró Bolsonaro tiveram sua manifestação protegida, os manifestantes contra o governo foram duramente reprimidos com bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral. Segundo o comando da Polícia Militar, os policiais reagiram à provocações. No entanto, relatos de jornalistas e pessoas presentes contestam essa informação e afirmam que o ato era pacífico até o início da repressão por policiais.
Ontem, 05/06 a repressão violenta se repetiu dessa vez na cidade de Campos dos Goytacazes/RJ. Cerca de 15 manifestantes participavam de um protesto pacífico contra o racismo no centro da cidade quando policiais chegaram e dispersaram os manifestantes com o uso de bomba de gás lacrimogênio. Novamente, segundo relatos de pessoas presentes, a manifestação era pacífica até a ação dos policiais. Nos protestos pró governo que aconteceram na cidade nas últimas semanas não houve repressão similar. Os diferentes tipos de abordagem geraram muitas críticas.
Neste momento, é mais do que nunca necessária a adoção de mecanismos de valorização profissional dos policiais e a separação absoluta entre polícia e política, duas dimensões fundamentais da vida pública de qualquer país. As polícias brasileiras não contam com salvaguardas institucionais que as protejam de interesses político-partidários e muitos políticos são oriundos dessas instituições, tendo muitas vezes grande influência sobre seus integrantes. Isso provoca uma perversa autonomização das instituições e recoloca o risco da perda de controle daquela que é, na prática, a única instituição que pode impor a ordem no território nacional em tempos de paz.
As estruturas policiais precisam estar preparadas para, ao mesmo tempo, garantir os direitos dos policiais e resistir às cooptações e projetos políticos de Poder. Se o bolsonarismo encontra forte eco entre os policiais, eles não podem adotá-lo como referência para a definição do que é legal ou ilegal; do que merece ou não a atenção das polícias. Reiteramos a necessidade de as polícias brasileiras manterem neutralidade político-institucional do debate ideológico para que possam atuar nos estritos termos da legislação, seguindo as boas práticas nacionais e internacionais. Valorizar as polícias implica em fortalecer as estruturas que garantem a atividade policial de forma eficiente e efetiva e, ainda, blindá-las dos cantos das sereias que os políticos, mesmo que oriundos das forças policiais, ecoam.
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UENF sedia IV Fórum Discente de Sociologia Política
01/11/2019 | 09h32
Nos próximos dias 26, 27 e 28 deste mês de novembro vai ocorrer o IV Fórum Discente de Sociologia Política da UENF, cujo tema é as ciências sociais e seus campos de atuação na sociedade contemporânea: desafios e perspectivas. O evento será no Centro de Ciências do Homem (CCH) da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro.
Os pesquisadores e estudantes interessados em apresentar seus trabalhos podem se inscrever, com envio de resumos, até o dia 07 de novembro por meio do link: https://forumdiscenteuenf.wixsite.com/index/inscricao.
A proposta de reflexão deste fórum tem como base os desafios das ciências sociais na atualidade, entre eles, os problemas, os caminhos e as possibilidades do exercício sociológico, e, em especial, o campo de atuação dos profissionais da área. "O que vem depois?" da titulação e "o que fazer em tempos de crise?" são algumas das reflexões a serem fomentadas no evento. O evento terá mesas de debate, GTs, minicursos, lançamento e sorteio de livros e conversa com os autores.
Confira toda a programação no site https://forumdiscenteuenf.wixsite.com/index/agenda.
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Política de confrontos
29/09/2019 | 01h28
Fernando Frazão/Agência Brasil
Fernando Frazão/Agência Brasil
No final de semana passado mais uma criança foi morta por disparo de arma de fogo em uma comunidade carioca. Ela estava dentro de uma Kombi, no Complexo do Alemão, a caminho de casa, quando foi atingida nas costas por um tiro. Segundo policiais militares que estavam no local houve um confronto com traficantes no momento em que a kombi passava, versão contestada por testemunhas que estavam no local. As armas dos policiais foram recolhidas para exame, mas peritos da Polícia Civil afirmaram que não será possível identificar de onde partiu o projétil em razão de sua fragmentação. Foi a quinta criança morta em razão de confrontos em comunidades no Rio de Janeiro.
Desde sua campanha o governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel afirmava que teria tolerância zero com narcotraficantes e que daria liberdade para que as polícias enfrentassem os criminosos onde estivessem. Em sintonia com o discurso do presidente Jair Bolsonaro, essa fala teve grande aceitação e apoio, o que acabou por eleger a ambos. Já como governador, Witzel cumpriu sua promessa e deu total apoio às forças policiais.
Segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública) do estado do Rio de Janeiro, autarquia do governo, de janeiro a agosto deste ano, 1249 pessoas foram mortas por intervenção de agentes de segurança, um aumento de 16,2% frente ao mesmo período de 2018, quando 1075 pessoas foram mortas. São números que chamam a atenção, porém, para contrapor as críticas a essa escalada no número de mortes em ações policiais, o governo afirma que essas ações tem ajudado a reduzir diversos índices de crimes. Nesse mesmo período 2717 pessoas foram vítimas de homicídio, uma queda de 21,5% em comparação ao mesmo período de 2018.
Não há ainda estudos que comprovem essa vinculação entre o número de pessoas mortas em operações policiais e diminuição do número de homicídios, mas está claro que o governador irá manter essa política. Ninguém pode acusa-lo de mentir, pois desde sua campanha ele sempre afirmou que esse seria seu projeto para a segurança pública e a maioria da população escolheu esse caminho. O que não pode ser aceito é a morte de inocentes como “efeito colateral” dessa linha de ação. Autoridades públicas tem o dever de preservar a vida das pessoas e a cada inocente morto, nossa crença em um futuro melhor diminui.
 
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A fraternidade como instrumento político de resistência
15/07/2019 | 04h43
Faz algum tempo que nos tornamos mais duros, mais reativos e mais frágeis. Mesmo aqueles que podem esbanjar uma saúde de ferro, sabem que temos sofrido ataques de todos os lados. Não falo apenas da política nacional. Estou falando de situações cotidianas. Das brigas de trânsito com um excesso de xingamentos que poderiam ser resolvidos com bom senso. Das reuniões de condomínio que têm acabado segundos antes do início de atos de violência física. Da crueza do trabalho cotidiano que mata silenciosamente. E da angústia daqueles que olham o futuro sem saber se conseguirão um lugar.
Sempre me pareceu que estar com aqueles que se ama, aqueles que admiramos, poderia produzir algum sentido em tempos novamente sombrios. E a ação política também deve ter esta dimensão do abraço. Pois a falta de afeto não é reclamada por adultos. Não somos educados a demonstrar fraqueza.
A ausência de empatia, já tão relatada em textos e artigos nestes anos recentes, transforma cidadãos em instrumentos de ódio. Dentro das escolas, nas empresas, nas redes sociais. Ódio como motor político, ódio como motor de perseguição e morte.
Como professora, sei que neste quadro todo, temos adoecido psiquicamente. E hoje neste texto, me solidarizo com todos aqueles que perderam alguém que amavam. Alguém que não resistiu a crueza destes dias. E neste gesto, afirmo que a fraternidade política é uma arma poderosa contra miséria, contra a violência e contra a depressão. Deve ser empunhada na dureza do inverno, nos quadros de desemprego que assolam o país e na resistência à tentativa em curso de retirar dos jovens o futuro e dos velhos, o presente.
A fraternidade não se restringe a uma filiação religiosa. Pelo contrário, a observação de nossa Constituição, nos encaminha no reconhecimento de condições que deveriam ser igualitárias e portanto, possibilitariam a aproximação entre os diferentes. O contrário desta prática tem favorecido esta sensação de desolamento. Observada na banalidade de homicídios com uso de arma de fogo, de quadros de depressão entre a juventude e por último, nas afirmações públicas que expressam o desejo de morte em relação a um outro.
Por esta razão, a fraternidade torna-se a cada dia, uma arma de resistência.
Dra. Luciane Soares Silva, professora da UENF.
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Sobre o autor

Roberto Uchôa

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