Cinema - A marca de Frankenstein
*Edgar Vianna de Andrade - Atualizado em 17/08/2022 07:56
Consagrado pelo cinema como um monstro, Frankenstein é o nome do cientista que o criou. Mas ele pegou para o monstro: “Frankenstein”, “A noiva de Frankenstein”, “A volta de Frankenstein”, “O cachorro de Frankenstein” etc. O livro foi escrito pela pós-adolescente Mary Shelley no início do século XIX. Ela estava atemorizada com os rumos da ciência e procurava advertir o leitor quanto a esse perigo em seu romance gótico.
Shelley procura mostra que a ambição vaidosa e individualista, assim como a falta de controle ético sobre a ciência, representa grave risco para a humanidade. Frankenstein constrói uma criatura com pedaços de pessoas mortas animada pela eletricidade de raios. Ela se transforma num perigo para seu criador e outras pessoas. É este o espírito que anima o filme “O cérebro que não queria morrer”, dirigido por Joseph Green e lançado em 1962.
Um médico criativo gosta de fazer experiências não muito éticas. Seu pai o critica por isso. Como o Dr. Frankenstein, ele é genial, mas vaidoso e individualista. Sua casa de campo foi transformada num laboratório para experiências muito avançadas. Bons tempos aqueles em que, com apenas tubos de ensaio, retortas e algumas geringonças mais, era possível manter um laboratório sofisticado numa casa.
Alertado por uma das vítimas de suas experiências, o médico ruma para sua casa de campo a toda velocidade acompanhado por sua noiva. Ocorre um acidente, mas, em filme B, não há orçamento para simular um automóvel caindo por uma ribanceira e explodindo num incêndio. Tudo é sugerido. O médico rola, sem risco, por uma ribanceira. Simula-se um fogo não mostrado na tela. O médico salva alguma coisa do incêndio e a enrola no casaco. Chegando à sua casa de campo, fica-se sabendo que se trata da cabeça de sua noiva querida. Ela a reanima com eletricidade e fluidos diante do caseiro, também fruto de suas experiências. Trancado num quarto com porta reforçada, outra experiência sua soca porta e paredes, mas não aparece.
Cumpre agora procurar uma mulher para matá-la e implantar seu corpo na cabeça da noiva. Mas, ao contrário do título do filme, a cabeça não quer viver. Ela aceita a morte e condena a ambição do noivo de suplantar a natureza. Quem representa a cabeça é Virginia Leith, atriz de “Medo e desejo”, filme que Stanley Kubrick dirigiu em 1953 e que renegou. De corpo inteiro no início do filme, ela não está tão bem como sua cabeça separada do corpo. Parece mesmo um personagem de Beckett. Sua mente se tornou poderosa. Ela é capaz de comandar o monstro criado pelo noivo e que vive trancafiado. Logo, ela se comunica com ele. Aquela cabeça inteligente, irônica e dominadora é um achado. Considero-a monumental.
Filme B não pode se dar ao luxo de usar efeitos especiais sofisticados. Então, a cabeça vista por trás é feita com algum material. Dela só se ouve a voz. Vista pela frente, a cabeça fala, sorri e debocha. Virginia Leith deve estar ajoelhada embaixo da mesa. A câmara nunca volta suas lentes para baixo da mesa. Apenas para o tampo.
Nessa posição, ela domina o ambiente: ordena que a criatura deformada arrombe a porta, mate o caseiro, também deformado, mate o noivo e salve a moça que daria seu corpo para implante. O fogo toma conta do ambiente, castigando a arrogância, a vaidade e a ambição. Ponto para a ética.

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