Morre aos 91 anos a cantora e compositora Elza Soares
Matheus Berriel 20/01/2022 17:36 - Atualizado em 24/07/2023 14:19
Elza Soares
Elza Soares / Divulgação
Morreu na tarde desta quinta-feira (20), aos 91 anos, a cantora e compositora Elza Soares. Segundo a assessoria da artista, ela foi a óbito às 15h45, em casa, no Rio de Janeiro, por causas naturais. O velório acontece nesta sexta (21), no Theatro Municipal do Rio, seguido por cortejo, com o corpo sendo levado em caminhão do Corpo de Bombeiros até o Jardim da Saudade de Sulacap, onde será realizado o sepultamento.
Eleita pela rede de televisão britânica, em 1999, a "cantora do milênio", Elza Soares se apresentou no ano seguinte em Campos, abrilhantando a primeira edição do Troféu Folha Seca, da Folha da Manhã, que desde 2000 homenageia campistas de destaque nas suas áreas de atuação. Casada por 16 anos com o ex-jogador de futebol Garrincha, com quem teve um filho, foi Elza quem entregou o prêmio ao também ex-futebolista Didi, companheiro do "gênio das pernas tortas" no Botafogo e na Seleção Brasileira.
— No primeiro Troféu Folha Seca, em 2000, Didi foi o campista homenageado e, como ele foi muito amigo de Garrincha, o prêmio foi entregue por Elza, que fez o show daquela edição — recorda a diretora-presidente do Grupo Folha, Diva Abreu Barbosa. — Elza faz parte da história da Folha e também da história do Brasil, em todos os sentidos, porque sempre foi uma mulher que comandou o seu tempo, contra tudo e contra todos. Foi uma pessoa especial, numa época em que havia muito preconceito em todos os sentidos. Foi uma batalhadora, uma cantora especial, sui generis. É lamentável a sua partida. Mas, fica como legado a certeza de que ela costurou muito bem a sua vida — complementa Diva.
Outra passagem de Elza Soares por Campos foi lembrada pelo jornalista Chico de Aguiar. Fã de Garrincha desde a Copa do Mundo de 1958, a primeira de duas seguidas vencidas pelo Brasil, Chico também já era admirador de Elza quando eles se casaram, em 1966. A relação do fã com a artista foi encurtada por um amigo em comum, Cláudio Campos.
— Eu a trouxe em Campos uma vez, com o Cláudio Campos. Teve uma época em que a Elza ficou dura de dinheiro e morou em Nova York, no apartamento do Cláudio. Na década de 1990, fruto dessa relação, a trouxemos para um show no Tênis Club. Curiosamente, foi um fracasso de público, simbolizando como a vida dela foi cheia de altos e baixos. Nós sempre gostamos dela, porque ela é a maior, a mestra de todas. Além de saber cantar, tinha boa voz e criava sons fantásticos em suas interpretações. Mas, na mídia, ela teve muitos altos e baixos — afirma Chico.
Duas décadas antes, morando no Rio de Janeiro, o jornalista já havia tido contato com Elza Soares em um show no Teatro Opinião. Foi neste dia que, segundo Chico de Aguiar, ele perguntou à artista a sua escola de samba de coração, surpreendendo-se ao ouvir "Mangueira" como resposta:
— Naquela época, Mangueira e Portela eram as escolas mais fortes. Durante a vida, Elza sempre foi ligada à Mocidade Independente de Padre Miguel, mas neste dia me disse que torcia para a Mangueira. Em 1967, ela já havia, inclusive, gravado o samba-enredo mangueirense daquele ano, "O mundo encantado de Monteiro Lobato", uma das suas grandes interpretações, entre às quais também pode-se citar "Se acaso você chegasse", do Lupicínio Rodrigues, e "Malandro", de Jorge Aragão.
Cinquenta anos após a revelação citada por Chico, em 2020, Elza Soares foi enredo da Mocidade Independente, num desfile que valeu à escola de Padre Miguel o terceiro lugar do Grupo Especial do Rio de Janeiro.
— Eu tive o privilégio de entrevistá-la em Campos, onde veio para fazer um show junto com Alex Ribeiro, por volta de 2010, no Teatro Municipal Trianon, e também estava na Sapucaí quando ela foi enredo da Mocidade Independente — recorda o professor e pesquisador Marcelo Sampaio, que cobriu os desfiles de 2020 pela Folha e pelo site Carnaval de Campos. — Para mim, Elza é uma das cantoras mais significativas da música brasileira, e a sua interpretação de "A carne", do Marcelo Yuka, é visceral. Nesse show que presencial em Campos, ela fez uma adaptação do trecho "a carne mais barata do mercado é a carne negra", dizendo "é a minha carne negra", o que deixou a música ainda mais forte — relembra o professor e pesquisador.
Autointitulada "mulher do fim do mundo", nome do disco que lhe rendeu o Grammy Latino de melhor álbum de música popular brasileira em 2016, Elza Soares cantou até o fim da vida, como desejava. Passeando entre a MPB, o samba e várias das suas vertentes, ela está na lista das 100 maiores vozes da música brasileira pela revista Rolling Stone Brasil. Estes foram alguns dos momentos de glória na carreira da cantora e compositora, negra, que nasceu na favela carioca de Moça Bonita, atual Vila Vintém, foi criada no bairro da Água Santa e teve uma vida marcada por tragédias.
— Elza Soares, para mim, é uma guerreira vitoriosa, porque tudo foi muito difícil na vida dela. Se casou pela primeira vez aos 12 anos e, ainda muito nova, perdeu dois filhos para a fome. Quando surgiu artisticamente, em um programa de rádio apresentado por Ary Barroso, foi questionada por Ary sobre o planeta do qual ela veio, por ser tão magra e ter um cabelo tão alvoroçado. Imediatamente, Elza respondeu que vinha do "planeta fome". Ou seja, ela sempre teve uma consciência muito forte. Quando teve o relacionamento com Garrincha, em casamento marcado pelo alcoolismo dele, Garrincha já era casado, e Elza sofreu muito com o afastamento das pessoas, porque naquela época a traição foi muito mal vista pela sociedade. Depois, o filho do casal morreu afogado, aos nove anos. Ela fez um show após o sepultamento, porque não podia abrir mão do dinheiro. Em seguida, ficou um pouco afastada, até receber convite de Caetano Veloso para gravar a música "Língua". Então, voltou aos palcos com esse resgate feito por Caetano. Eu poderia resumir o meu depoimento sobre ela repetindo o título do enredo da Mocidade em sua homenagem: perdemos "Elza Deusa Soares" — define Marcelo Sampaio.
Cantora carioca como Elza, mas radicada em Campos durante 15 anos, Leny Moraes cita ainda a força de Elza Soares no enfrentamento ao racismo:
— Elza é divina para sempre. Uma voz única, que representava a força da mulher, a resistência, sempre ativa na luta contra o racismo. Ela representa tudo para toda mulher brasileira, toda cantora e artista.

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