Arthur Soffiati - O último milhão de anos
Matheus Berriel 25/06/2022 05:02 - Atualizado em 25/06/2022 12:47
Durante o último milhão de anos, a Terra passou por quatro tempos frios e quatro tempos quentes. Os frios foram provocados por glaciações. Enquanto duraram, as áreas geladas aumentaram, e o nível dos oceanos baixou consideravelmente. Os intervalos entre as glaciações foram chamados de períodos interglaciais, com aumento das temperaturas, derretimento das grandes geleiras e elevação do nível dos oceanos. Os geólogos denominaram esse um milhão de anos de Pleistoceno, menos o último período interglacial, que recebeu o estatuto de época com o nome de Holoceno. É a época em que vivemos.
A última glaciação terminou há cerca de 12 mil anos. O Holoceno tem, portanto, essa idade. Todos os intervalos interglaciais foram mais longos que o atual e não mereceram o título de época. Talvez os geólogos tenham se precipitado. Talvez estejamos num novo intervalo, com uma nova glaciação a nossa frente. Talvez estejamos ainda no Pleistoceno.
A humanidade sofreu mudanças anatômicas e culturais durante esse último milhão. Quatro espécies de humanos se sucederam: o Homo habilis, o Homo erectus, o Homo neanderthalensis e o Homo sapiens. A cultura também passou por profundas transformações. O H. erectus inventou a técnica de produzir o fogo.
O H. neanderthalensis criou a sepultura, revelando que a consciência alcançou um nível complexo, permitindo reconhecer a existência de um ser sobrenatural superior. Foi a maior criação filosófica da humanidade, considerada no seu sentido amplo. Ela superou todas as reflexões filosóficas. Todo o pensamento de Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Descartes, Hegel, Kant e Marx não alcançou o nível da sepultura deixada pelos neandertalenses sem nenhuma palavra, já que anda não existia nenhum sistema de escrita. O H. sapiens criou a arte vinculada à religião.
Mas não apenas. Os últimos 10 mil anos de temperaturas elevadas representaram um desafio para alguns grupos humanos. E a resposta dada a ele foi a invenção da agricultura, do pastoreio, da cestaria, da cerâmica, da tecelagem, da roda, da metalurgia etc. Esses grupos puderam se fixar por muito tempo em certos locais porque produziam os alimentos perto de casa, deixando de viver em contínuo movimento à procura de comida. Os grupos que não se sedentarizaram atacavam os sedentários para obter a comida que eles produziam.
Os grupos sedentários, então, começaram a reforçar sua defesa. Criaram armas mais potentes que as dos nômades. Principalmente, especializaram homens no uso das armas. Assim, nasceu o exército. Para que tal especialização se consolidasse, foi necessário organizar a sociedade em divisões. Ao lado da divisão sexual e técnica do trabalho, que já existia no paleolítico, foram desenvolvidas a divisão territorial e social do trabalho. Os produtores viviam no campo, plantando e criando. Na aldeia, núcleo das primeiras cidades, viviam os artesãos, os comerciantes, os militares, o clero e a nobreza. Assim, constituíram-se as primeiras civilizações. Os focos de civilização foram Mesopotâmia, Egito, ilha de Creta, vale do rio Indo, China, México, América Central e Andes. Eu não excluiria dessa lista os povos da estepe da Ásia central, os navegantes da Oceania (que se fixaram na ilha de Páscoa), os povos do círculo polar ártico e os povos da Amazônia.
Nem todos desenvolveram cidades, mas atingiram um nível de complexidade que superou as sociedades do Neolítico. Em resumo: as civilizações são sociedades neolíticas complexas. Em todas, as trocas passaram a ser comércio. Contudo, a produção de todas visava os bens de uso, de consumo. O excedente caía na esfera do comércio. Apenas uma civilização construiu um modo de produção que produzia para a troca. Foi a civilização ocidental cristã em seu período de formação. A mudança da produção com vistas ao uso para a produção com vistas à troca situa-se no século XI da nossa era.
Tratou-se de uma mudança revolucionária. Ela substituiu progressivamente a produção artesanal pela produção manufatureira, e essa pela produção industrial, no século XVIII. Ela transformou os campos comunais em campos privados para a produção de vegetais e animais objetivando o mercado. Ela moveu as cruzadas (principalmente com a cidade comerciante de Veneza por trás). Ela desmatou, extinguiu espécies, lançou gases na atmosfera, extraiu excessivamente matéria da natureza, gerou líquidos poluentes e lixo. Ela contaminou os rios e os mares. Ela construiu grandes cidades. Ela se expandiu por todo o planeta, produzindo a conhecida globalização.
Ela, enfim, produziu excessiva riqueza e excessiva pobreza. Ela gerou conforto e avanços científicos, mas gerou também a primeira crise ambiental global antrópica do planeta. Não sabemos se uma nova glaciação natural dominará a Terra no futuro, mas sabemos que vivemos numa crise ambiental global por nós mesmos produzida. Essa crise vem sendo considerada uma nova época, com o nome de Antropoceno. Mas essa é outra história.

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