Nélio Artiles: Esperando a vacina
Nélio Artiles Freitas - Atualizado em 21/01/2021 09:24
Infectologista Nélio Artiles
Infectologista Nélio Artiles / Rodrigo Silveira
Começo citando Drumond — “Tenho medo do desconhecido e o que nunca vivi” — para me referir à estranha questão de momento: vacinar ou não vacinar? A humanidade já conhece todo o benefício da vacinação, com a erradicação de tantas doenças e prevenindo tantas mortes, apesar de sempre existirem os mesmos grupos que hoje se contrapõem ou fazem falsas informações sobre efeitos adversos de vacinas.

Ouvir disparates, como uma possível interferência no nosso código genético ou brincadeiras idiotas como virar jacaré ou chipanzé, nos remete à época em que Edward Jenner fez a descoberta da vacinação, observando que camponeses que ordenhavam vacas infectadas e contraíam a varíola bovina, por alguma razão, passavam a sair ilesos dos surtos de varíola humana. Passou a retirar o pus das bolhas localizadas nas mamas das vacas doentes e inocular em cobaias humanas, comprovando o poder protetor do pus infectado com a varíola animal.

Na época, parte da população brasileira, sem entender como a vacina funcionava, ficava em pânico contra esta novidade científica. Um dos medos era que a imunização, em vez de prevenir, causasse a varíola e levasse à morte.

Antes da vinda para o Brasil, Dom João VI fez seus filhos serem vacinados em público, com a finalidade de diminuir o temor dos súditos portugueses, já que seus irmãos e a própria Carlota Joaquina foram vítimas da doença. Essa resistência à vacina perdurou por longo tempo, fazendo o D. Pedro II decretar a vacinação obrigatória, não conseguindo, entretanto, surtir o efeito esperado. Assim a varíola matou mais de 300 milhões de pessoas de 1900 a 1979, somente sendo controlada e erradicada após uma ampla campanha mundial de vacinação pela OMS.

Isso mostra que a negligência do brasileiro em relação às vacinas é histórica. Antes da pandemia já vínhamos com uma queda preocupante nos níveis de cobertura vacinal no país. As pessoas que hoje têm 30,40 e 50 anos foram amplamente vacinadas contra o Sarampo e a Poliomielite e, com o desaparecimento destas doenças, essas faixas etárias nunca conviveram com as sérias doenças, que vêm ameaçando de novo seu retorno.

A vacinação com o objetivo de conter uma epidemia e, no caso, uma pandemia, deve ser uma ação coletiva de saúde pública. Se não for desta forma continuaremos a conviver com as sequelas desta grave doença. Não precisa que seja obrigatória, mas que haja um comprometimento de todos, principalmente dos gestores públicos e os órgãos oficiais. Explicar, desmistificar e, principalmente, acreditar na ciência.

Quem desconfia da rapidez da descoberta destas vacinas não acompanha a evolução magnífica biotecnológica que estamos vivenciando nos últimos 30 anos. Essas plataformas de desenvolvimento vacinal não são de agora, mas de muitos anos atrás. Quando tivemos o risco das pandemias dos coronavírus de 2002 e de 2012 houve uma grande corrida para a fabricação dessas vacinas e assim foi trilhado um excelente caminho, facilitando em muito as grandes empresas de imunobiológicos neste tempo atual.

Vacinas aprovadas nas já ouvidas fases I, II e III nos oferecem resultados robustos de segurança e eficácia. Logo, não há o que temer. Vacinas não mexem em nosso código genético. Só especulam esse tipo de coisa ignorantes científicos que não conhecem a imunofisiologia.

Bem, estou aguardando e estarei na fila para receber qualquer vacina, seja qual for a nacionalidade, torcendo para que os nossos valorosos Butantã e Fiocruz possam, através do SUS, vacinar toda a nossa gente, assim que estiver aprovada e autorizada pelos órgãos nacionais e internacionais. O brasileiro conhece e valoriza seu Programa Nacional de Imunização (PNI), que durante décadas tem sido elogiado e louvado por muitos países.

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