Marcelo Lessa: A hora da vacina e das consequências de cada escolha
- Atualizado em 28/07/2021 21:28
No momento em que a vacinação avança (mesmo que lentamente), torna-se preciso enfrentar as consequências das escolhas de quem, por qualquer motivo, recusou ser vacinado. Como ficam aqueles que podiam ter recebido a vacina (por idade, comorbidades, grupos prioritários, categoria profissional, etc) e, simplesmente, preferiram não ser vacinados?
Antes de responder a essa questão, fixemos algumas premissas: primeiro – a vacina tem sido disponibilizada à população gratuitamente pelo SUS, no âmbito do programa nacional de imunização; segundo – todas as vacinas disponíveis foram aprovadas pela Anvisa, que avalia rigorosa e criteriosamente tanto a segurança, quanto a eficácia do imunizante; terceiro – está cientificamente comprovado que a vacinação é a principal forma de controlar a pandemia, reduzindo a circulação do vírus, a pressão sobre o sistema de saúde e a própria letalidade da doença; quarto – vacinar-se é uma forma de proteger tanto a si próprio (saúde individual), quanto aos outros (saúde coletiva).
Como compatibilizar o princípio da autonomia da vontade com o interesse coletivo em controlar a pandemia e, assim, podermos todos retomar a vida normal?
Em 1904, durante uma epidemia de varíola no Rio de Janeiro, então capital da República, por influência do médico-sanitarista Oswaldo Cruz, o então presidente Rodrigues Alves resolveu tornar obrigatória a vacinação, a ponto de as pessoas terem suas casas invadidas para aplicação, à força, do imunizante, que era feito do líquido de pústulas de vacas doentes. Isto fez surgir uma grande resistência, principalmente das camadas mais populares, o que fez eclodir um grande conflito, conhecido como “A Revolta da Vacina”, que deixou, em duas semanas, um saldo de 945 prisões, 461 deportados, 110 feridos e 30 mortos¹. Corria, à época, um boato de que quem era vacinado ficava com feições bovinas (qualquer semelhança com o “virar jacaré” de hoje não foi, portanto, mera coincidência...).
É lógico que, nos tempos atuais, não se pensa em vacinação obrigatória no sentido de agarrar as pessoas à força e inocular, contra a vontade delas, o imunizante. Por mais surreal que seja imaginar quem não queira recebê-lo!
No entanto, é perfeitamente legítimo adotarem-se medidas indiretas que tornem a vacinação compulsória, estabelecendo restrições a quem optar por não se vacinar. Tais medidas tem amparo no art. 3º, III, “d”, da Lei nº 13.979/20. O plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade da vacinação compulsória, nesta leitura atual, por ocasião do julgamento das ADIns 6.586 e 6.587.
"Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação direta, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 3º, III, d, da Lei nº 13.979/2020, nos termos do voto do Relator e da seguinte tese de julgamento: (I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas, (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (II) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência. Vencido, em parte, o Ministro Nunes Marques. " (Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Sessão plenária virtual de 17/12/2020²)
O fundamento desta importante decisão repousa numa ponderação de interesses, diria uma ponderação dentro do próprio princípio da autonomia da vontade. Trocando em miúdos: de um lado, garante-se a autonomia da vontade e a intangibilidade do corpo humano em favor daqueles que não desejam receber o imunizante. Não receberão, exatamente como querem, pouco importam os motivos da decisão pessoal de não se vacinar; de outro lado, garante-se a autonomia da vontade e intangibilidade do corpo humano, também, daqueles que se vacinaram e, com isso, não desejam conviver com os que não se vacinaram, justamente para reduzir os riscos de adoecerem, contaminados por quem prefere ficar vulnerável ao vírus.
Da mesma forma que os que acreditam e desejam a vacina não podem impor aos antivacina que sejam vacinados à força; os antivacina não podem impor a sua convivência plena com os vacinados. Se os antivacina têm direito de não receber o imunizante; os vacinados têm o mesmo direito de não conviver de perto com quem não quis se vacinar.
Daí, tanto a União, como Distrito Federal, Estados e Municípios (assim garantiu o Supremo Tribunal Federal), no âmbito de suas competências, podem estabelecer medidas restritivas em desfavor dos antivacina.
Tais medidas podem incluir, por exemplo: restrições de acesso a cargo público, restrições de frequência a lugares públicos, de acesso a transporte públicos, repartições públicas, etc.
Isto pode ocorrer, também, no âmbito da iniciativa privada, que já registra, corretamente, o primeiro caso de demissão por Justa Causa de um empregado que, tendo chegado a sua vez, recusou a vacina, o que foi confirmado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região³.
Definitivamente, quem recusa, por convicções pessoais ou ideológicas, receber um imunizante gratuito e que tem a sua segurança e eficácia comprovados pela Ciência e reconhecidos pela Anvisa, não pode querer transferir para o restante da população o ônus da sua própria ignorância. Tem, simplesmente, que arcar com as consequências das suas decisões pessoais, o que é absolutamente democrático.

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