Herança Cultural: um patrimônio plural
Sylvia Marcia Paes - Atualizado em 15/04/2021 14:59
"O patrimônio não é uma velharia. É condição de futuro”. Li essa frase em um artigo publicado pelo professor, arqueólogo, historiador e museólogo Jorge Custódio. Logo me lembrei da música “Cabô, meu pai”, cantada por Beth Carvalho que em um de seus versos declara que “Futuro é pra quem lembrar”. Fiquei pensando nessa viagem temporal entre passado e futuro. Chegarmos a um tempo futuro é a condição para afirmar que temos um patrimônio construído em um passado. Dentro dessa premissa convido a refletir um pouco sobre o nosso patrimônio.

Na década de 70 do século passado, com o crescimento da produção industrial, da poluição e da pobreza, as nações começaram a se preocupar e a pensar em desenvolvimento sustentável, onde o equilíbrio ambiental fizesse par com a justiça social. Para alcançar tal objetivo começaram a ser desenvolvidos programas locais e regionais com vistas a busca de maior equidade social. A partir de então observamos o respeito aos saberes das populações locais, em atividades econômicas de pesca, agricultura e produção artesanal de arte ou equipamentos (redes de pesca, barcos, casas). As artes tradicionais estão associadas ao turismo urbano, uma das grandes indústrias em expansão nos anos 80/90, que puderam e podem apresentar um diferencial importante para a manutenção das economias locais e regionais, desde que estejam dentro das regras do mercado global (informacional). Contudo é sempre bom lembrar que a história da humanidade é feita de transformações, de mudanças, que muitas vezes não são percebidas de imediato de tão sutis.

Das danças populares da nossa região, a “Mana Chica” parece estar se revivendo através de grupos para folclóricos, o “Jongo” se revitaliza a partir do reforço dos grupos de matrizes africanas, ligados aos quilombolas e aos grupos de “Movimento sem Terra”, sendo sua concentram espacialmente em Guarus, Parque Lebret, Novo Mundo e Santa Rosa. Já as “Quadrilhas Juninas”, muitas ainda guardam os modelos tradicionais de dança, canto e passos, da nossa matriz portuguesa, porém algumas apresentam novos modelos, seja no ritmo funk com as letras tradicionais, seja nas roupas temáticas que acompanham os enredos que se diferem anualmente, ou nos cenários ricamente montados. Essas quadrilhas se proliferam em bairros do Distrito de Guarus (Parque Novo Mundo), Ururaí, Goitacazes e Santo Amaro, não sendo registrado em outros distritos.

Dos folguedos o “Samba”, os “Bois Pintadinhos” e o “Boi de Samba” são as manifestações mais complexas, envolvendo um grande número de componentes, que nem sempre estão fortemente ligados a escola de samba ou ao bairro, mas são atraídos por essas manifestações na época do carnaval.

Temos identificado um único grupo de foliões da “Folia de Reis” que se reúnem em determinada época para essa manifestação, ou seja, como tais grupos cantam em louvor ao nascimento de Jesus eles só não podem se manifestar durante a quaresma. Um dos motivos apontados em alguns bairros para o afastamento dos foliões e o consequente abandono dessa manifestação foi a proibição pelo tráfico de drogas, pois esses grupos folclóricos costumam andar de casa em casa durante toda uma noite, o que causa temor em ambos os grupos sociais, o outro fato foi o esgarçamento da malha urbana dificultando o reconhecimento dos foliões desses novos espaços.

Os jogos tais como a “Corrida de Cancha Reta” é comum acontecer aos domingos na praia do Farol de São Tomé e no Caboio, podendo também ocorrer junto das “Festas de Laço”, muito populares e concorridas na Baixada Campista. As “Rinhas de Galo” apesar de proibidas ainda podem ser encontradas em Baixa Grande, Retiro, Farol de São Tomé, Mineiros, Goitacazes, Tocos e Beira do Taí. Temos registrados grupos de “capoeira” na Penha, Chatuba, Fazendinha, Jockey, Matadouro, Cidade Luz, Aldeia, Nogueira, Santa Rosa, Jardim Carioca, Centro, os distritos de Tocos e Goitacazes, além das localidades de Baixa Grande e Farol de São Tomé. De todos os grupos são os melhores estruturados, os mais urbanizados.

O artesanato é rico e variado oferecendo trabalhos de linha (renda, crochê, bordados de marca ou ponto de cruz), de tecido (flores, bonecas), de fibra (tapetes, esteiras, cestas, rede de pesca).

Na culinária se destacam os doces, não difícil de explicar pela fartura do açúcar produzido localmente e de longa data. As receitas de influência portuguesa e africana são as mais encontradas, alguns pouco conhecidos como o “farti” e “língua de mulata”. Já as receitas de medicamentos caseiros associados às rezas, são tanto quanto as “rezadeiras”, misto de padre e médico e tão respeitado quanto esses.
Se a língua é uma criação dos homens que a falam e a escrevem, a linguagem da baixada é de especial criatividade cujos fatos fonéticos contribuem para o aparecimento de formas variantes. É fácil reconhecer um campista pelo seu falar, usando o “não” para afirmar alguma coisa – “Não, eu não eu fiz isso”, ou por palavras como enxugador, baleba e o famoso cabrunco.

Não abordei aqui toda a pluralidade do nosso patrimônio, nem tão pouco os riscos que alguns estão correndo, mas deixo que cada um complemente com sua própria riqueza de saberes.

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