Deus acima de todos, lucro acima de tudo - o jantar de Bolsonaro e a Lista de Schindler
- Atualizado em 09/04/2021 13:24
 FOTO: ISAC NÓBREGA/PR
FOTO: ISAC NÓBREGA/PR
“Se a gente conseguir isso (aumentar a vacinação), vamos resolver o problema, meu interesse é único e exclusivo vacinar o último brasileiro o mais rápido possível; sabe por quê? O cara fica doente, não vai trabalhar, você precisa contratar outro, o que estamos perdendo com isso é incrível”.
Essa frase foi dita por Washington Cinel, empresário bilionário fundador da Gocil, uma das maiores companhias de segurança privada do Brasil. Cinel foi o anfitrião de um jantar com o presidente Bolsonaro e 25 empresários em São Paulo, na última quarta-feira. No seu discurso, antes do rega-bofe, Bolsonaro, que não usava máscara, falou pouco de vacinas, focando nas críticas ao lockdown e aos governadores. Os empresários aplaudiram o presidente por duas vezes no jantar.
É preciso repetir aqui o que disse o anfitrião, Washington Cinel: “você precisa contratar outro (trabalhador que morre de covid-19), o que estamos perdendo com isso é incrível”.
Mesmo sendo uma fala isolada, reflete muito da ideia do empresariado brasileiro. A preocupação não é com vidas humanas — nunca foi. O pavor é sobre a possível diminuição de lucros. No final do mês passado, cerca de 200 economistas, banqueiros, empresários e ex-autoridades do setor público assinaram uma carta aberta com críticas à atuação do governo Bolsonaro na pandemia. Cobraram mais vacinas, máscaras gratuitas e medidas de distanciamento social. A inciativa é excelente, se fosse empreendida (para usar um termo do setor) antes de atingirmos a marca fúnebre de 300 mil mortes. O anacronismo é conivente.
Deus acima de todos, lucros acima de tudo
"A lista de Schindler", filme de 1993 foi inspirado em fatos reais. Na trama, o personagem Oskar Schindler tinha uma fábrica que produzia panelas exclusivamente para o Exército alemão. Schindler contratava judeus porque a mão de obra era mais barata. Visando aumentar seus lucros e usando seu prestígio no partido nazista, ele escravizava pessoas que depois seriam assassinadas em câmaras de gás. Inclusive mulheres e crianças. O diretor Steven Spielberg relatou as filmagens nas câmaras como “o dia mais traumático” da sua vida. As atrizes, algumas delas judias polonesas que "não estavam atuando", mas "experimentaram" o horror, sofreram crise de ansiedade e ficaram dias sem filmar.
A obra considerada por muitos como a melhor e mais importante de todos os tempos, escancara uma realidade nefasta da Segunda Guerra mundial: muitos lucraram com o extermínio em massa de pessoas. O holocausto, a “solução final” do nazismo, assassinou mais de seis milhões de pessoas, que foram fuziladas, morriam de fome, pelo trabalho escravo ou asfixiadas por gás venenoso. Os cofres de muitas empresas eram engordados enquanto crianças seguiam em fila indiana para a morte.
Em 2021, a pandemia do coronavírus já matou 2,9 milhões de pessoas no mundo. Segundo a Forbes, “apesar da pandemia, foi um ano recorde para os mais ricos do mundo, com um aumento de US$ 5 trilhões (ou 28 trilhões de reais) em riqueza e um número sem precedentes de novos bilionários”. O número de brasileiros bilionários cresceu de 45, em 2020, para 65 agora.
O mundo pós-segunda guerra decidiu por mais humanidade. Países estabeleceram regras universais de direitos humanos, arte e cultura foram valorizadas, acordos globais de defesa do meio ambiente e de diminuição de desigualdade foram estabelecidos. O mundo evoluiu enormemente em tempo recorde. Na ficção baseada em fatos reais, Oskar Schindler tomou consciência do absurdo e usou toda sua fortuna para salvar 1.100 judeus da morte. Estariam dispostos novos bilionários brasileiros como Washington Cinel a algo parecido? A resposta óbvia questiona nossa evolução.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Edmundo Siqueira

    [email protected]