O poeta iluminado Max de Vasconcelos (III)
Fernando da Silveira 25/10/2021 10:50 - Atualizado em 25/10/2021 10:50
É evidente que não se pode julgar o homem distante do seu momento histórico. Sobretudo, um poeta da envergadura, da dimensão, da importância de Max de Vasconcelos, que vai perdurar pelos anos afora pela beleza dos seus textos literários. Atentem bem para esta joia poética de Max de Vasconcelos intitulada “Sino”: “Sino! Boca do além falando à vida. / Voz do Passado orando no presente; / memória em bronze de quem já foi crente. / O humano coração que hoje duvida. /// Amo-te a badalar, ao Sol nascente, / nas Catedrais de cúpula atrevida / e também te amo, na singela Ermida, / dobrando pelo Sol, à hora do Poente... /// Amo-te em toda a parte onde o teu vulto / aos meus olhos de cético aparece, / porque me lembras que já tive um culto. /// E porque, um dia, de tua alma forte, / se a de erguer para o azul, única prece, / que a vida rezará por minha morte”...
Sendo bom lembrarmos que Max de Vasconcelos, tendo sido acometido, atacado pela tuberculose, não se curvou diante da doença, na época considerada incurável. E, embora agnóstico, o seu amor às igrejas seculares a badalarem ao Sol nascente não arrefeceu, como se percebe por ter ele, em plena doença, nos encantado com o soneto “Agonias”, que pode figurar em qualquer grande literatura, que faz do Romantismo a sua opção estética. Vamos nos deleitar com esta magnífica peça literária: “Cai o Sol no delíquio do poente, / em plena floração brota o luar! / Das ruinas da igreja secular / bimbalha o bronze doloridamente. /// Há queixumes de goivos pelo ar, / ânsias do Além, ânsias de ser doente... /Nevrose de sentir a dor pungente / dos que ficaram tísicos de amor. /// Dos que viveram pálidos, tossindo. / Monjas brancas e poetas simbolistas / curtindo o mesmo mal que eu vou curtindo... /// Dos que morreram desejando ver / o Pôr do Sol com as derradeiras vistas / dos que morreram como eu vou morrer”...
Max de Vasconcelos confessa nestes dois sonetos que está prestes a morrer. Segundo Carlos Fonseca, tal confissão pode ser encarada como uma demonstração de que não tinha medo da morte e nem acreditava em seres sobrenaturais. E o eminente advogado campista, ia mais longe dizendo que Max de Vasconcelos, por acreditar nele mesmo, passou a se agarrar como conforto decorrente da proximidade da morte, no sonho da imortalidade, que ele poderia alcançar pelo brilho dos seus melhores sonetos. Afinal, ele não venceu todos os desafios, até quando era criança, fazendo a sua família leva-lo para Niterói e para o Rio de Janeiro, dando um pulo, assim, do curso primário realizado em Campos para o de humanidades, onde cintilou como estrela de primeira grandeza? Não era reconhecido pela nata intelectual da sociedade carioca e niteroiense como grande poeta? Por que, não aceitar a morte, se tantas vezes enfrentou a fome, que o atacou cruelmente? Não riu, quando foi internado como indigente no Hospital São João Batista, então existente em Niterói, de onde foi retirado pelos seus admiradores para viver os seus últimos dias aqui na Terra, numa pensão carioca situada na rua Marechal Câmara, bem no centro do Rio de Janeiro? Sílvio Júlio, um dos mais festejados escritores brasileiros, não pensava diferente de Carlos Fonseca, pois sempre proclamou o destemor e a capacidade intelectual de Max de Vasconcelos, o que o levou, em pouco tempo, a se tornar poliglota com bela formação humanística. Sendo de bom alvitre dizer também que Sílvio Júlio não deixava de lembrar, que o grande poeta campista ao se deparar, em São Paulo, com turistas italianos, conquistou-os de tal maneira, que eles lhe ofereceram muito dinheiro para fazer uma conferência de forte teor político. Não no idioma português, mas na língua de Benedetto Grocce. Conferência em que ele deveria esclarecer o que é o anarquismo, trazendo para o público o pensamento de suas figuras mais importantes! Tendo ele, mesmo sido apanhado de surpresa, tirado de letra a incumbência e ainda recebido mais dinheiro declamando para a italianada anarquista versos de Stecchetti. Tal fato foi também registrado por Eduardo Tourinho, como se pode constatar lendo a “Revista da Academia Campista de Letras” dada a lume pela querida acadêmica Arlete Parrilha Sendra, então Presidente do nosso cenáculo. Publicação, onde se encontra também a informação de que Max de Vasconcelos escreveu um soneto em romaico (grego moderno) intitulado “Doina”. Obra, sem dúvida, a revelar a sua imensa estatura intelectual. Sendo importante assinalar que, nas páginas desta revista da ACL, encontramos a relação de todos os patronos da nossa instituição literária elaborada pelo acadêmico Wellington Paes.
Lamentavelmente, apesar do seu valor intelectual, o poeta Max de Vasconcelos, antes de ficar tuberculoso, era criticado como arraigado boêmio, como conhecida figura airada da vida carioca, por ser visto dia e noite, pelos bares e cabarés da Lapa. Mas, apesar deste Calcanhar de Aquiles, jamais deixou de ser admirado. Basta dizer que, mesmo depois de morto, como afirmava o inesquecível professor e acadêmico Jerônimo Ribeiro, foi elogiado pelo crítico literário Agripino Grieco. O célebre Grieco, que não poupou, em suas críticas, nem a Academia Brasileira de Letras, no livro “Carcaças Gloriosas”. Mas, o implacável crítico, ao publicar um outro livro intitulado “O Sol dos Mortos”, nos permite encontrar o seu artigo “Um Poeta Campista”, em que ele se rende ao fulgurante estro de Max de Vasconcelos. Sendo da maior pertinência destacar que Agripino Grieco foi acompanhado, na exaltação do grande poeta da nossa Terra, por Eduardo Tourinho, que salientou a sua face de poliglota. E, sobretudo, por Rubens Falcão, em sua “Antologia de Poetas Fluminenses”. O que nos leva a crer, que os seus sonetos continuarão a nos encantar, indo até bem além do nosso século XXI.
É espantoso como uma pessoa, que morreu muito jovem, não indo além dos 28 anos, logo interrompendo o que poderia realizar em sua total maturidade, tornar-se imortal. Imortal, evidentemente, para aqueles que jamais vão esquecer dos seus sonetos. Talvez, tal vitória por ele obtida, decorresse por ter realizado uma obra poética palpitante de vida a desafiar a própria morte. O que fez os seus, na época, possíveis desafetos abaixarem a cabeça. Parecendo-me oportuno dizer ao término destas considerações, que Max de Vasconcelos certamente, no auge de sua caminhada como autor de sonetos que podiam imortaliza-lo, não sentiu numa visão mais ampla, como é efêmero este tipo de imortalidade. Daí eu esperar em Deus. Sim, esperar em Deus, esperar em nosso Salvador, rezando para que o admirável intelectual e o notável poeta campista Max de Vasconcelos, nos seus últimos instantes aqui na Terra, tenha arrependido dos pecados cometidos nos cabarés da Lapa. E ido para o Céu, quando passaria a entender o recado tantas vezes por ele escutado das Ermidas e das Catedrais de cúpula atrevida. Recado que nele, porém, chegava doloridamente. Mas que no Céu o faria sentir, no fundo da alma, as dimensões insuperáveis da verdadeira imortalidade.

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