Arthur Soffiati: Quinteto para piano (final)
Arthur Soffiati - Atualizado em 11/01/2021 21:37
Como já vimos, o quinteto para piano é um conjunto musical que se consolidou. Trata-se de um quarteto de cordas (1° e 2º violinos, viola e violoncelo), outra formação que também se tornou clássica, com um piano. Nem todos os outros quintetos se normalizaram na música erudita. Brahms compôs dois quintetos para cordas: “Opus 88” (1882) e “Opus 111” (1890), além de um quinteto para clarineta (Opus 115 – 1891), este formado por um quarteto de cordas com uma clarineta. Podem existir outras formações que não se consolidaram. Já o quinteto para piano foi uma forma frequentada por muitos compositores. Famosos e desconhecidos.
Um dos mais célebres é o quinteto “Opus 44” (1842), de Robert Schumann. Trata-se de uma composição vigorosa e melodiosa, com destaque para o violoncelo no primeiro movimento, que canta uma frase musical marcante. Parece que o quinteto de Brahms tem filiação com esse mais que com o de Schubert, embora o quinteto de Brahms seja uma obra colossal e modelar para esse tipo de conjunto. Exatamente por isso, merecerá atenção especial.
O tema do primeiro movimento do quinteto de Schubert é muito repetido. O segundo é melancólico, quase uma marcha fúnebre. A coda é muito longa. O compositor parece não conseguir concluir. No todo, é uma composição tipicamente romântica da fase intermediária. Adiante de Beethoven e aquém de Brahms.
Já Ludwig Spohr (1784-1859) foi compositor prolífico e inventivo. Compôs sinfonias, concertos e música de câmara. Conceituado violista e regente, foi famoso no seu tempo, mas não se imortalizou como Schumann e Mendelssohn, por exemplo. Seu quinteto para piano “Opus 130” (1846) contribui para consolidar a forma. No primeiro movimento (Allegro moderato), há um diálogo travado entre cordas e piano, marcando-se o tema com arabescos no teclado e com notas obsessivas. O segundo movimento (Scherzo moderato), como no primeiro, repisa bastante o tema. No adagio, o melhor deles, o autor mostra um contraponto bem trabalhado entre cordas e piano, com destaque para o violoncelo. No último movimento, nota-se uma espécie de miscelânea dos temas apresentados nos três anteriores.
George Onslow era francês descendente de inglês. Rico, teve vida confortável e pôde se dedicar à música. Sua obra é representativa do romantismo intermediário. Embora vigoroso e trabalhando bem seu quinteto “Opus 70” (1847), ele não ganha a robustez de Schumann e de Schubert. Ele ainda compôs mais um quinteto, o “Opus 76” (1849). O primeiro movimento começa com harmonia rascante das cordas. Ele apresenta certa liberdade na concepção, embora sem a mesma criatividade. O scherzo é inspirado. Na romanza, fica claro que Onslow tem traços típicos do romantismo da segunda fase. No finale, cordas e piano imitam o vento. É arrojado, mas não é apropriado para a música de câmara um rasgo de poema sinfônico. Contudo, a música descritiva é um dos traços do romantismo.
O “Quinteto para piano n° 1” de Franz Berwald (1856) tem quatro movimentos. Não inova nem deixa marca especial, embora tenha encanto. Nota-se a presença do piano, que atua como instrumento solista. A peça é cantante no seu todo. O contraponto é elaborado. O piano se destaca bastante do conjunto, aparecendo de forma muito virtuosista, o que não é apropriado para uma composição de câmara.
Já César Franck, no seu quinteto (1878-9), passou dos limites. A composição transcende o conjunto de câmara, parecendo uma sinfonia executada por pequena orquestra. A composição é romântica, mas o romantismo francês já aponta para o impressionismo, escola em que melhor vai se traduzir o romantismo no final do século XIX e princípio do XX. As melodias dos três movimentos são densas e dramáticas. Em vários momentos, as cordas tocam em tutti e o piano se apresenta como se fosse num concerto. O conjunto do quinteto é bonito, mas a composição não cabe numa forma de câmera. Parece que a composição foi concebida sob forte paixão.
A dualidade criada pelo ocidente entre música popular e música erudita divulgou-se pelo mundo com a expansão econômico-cultural do mundo europeu. A música erudita teve grandes representantes na vizinha civilização ortodoxa e naquelas áreas em que não encontrou grande resistência cultural, como nas Américas. Nos mundos muçulmano, hinduísta, chinês e japonês, contudo, a existência de uma cultura forte pré-ocidental não resultou em grandes compositores. Mas brotam neles grande intérpretes de música ocidental.
Um dos compositores ocidentalizados na Rússia e que se vale de temas tradicionais é Alexander Borodin, cujo quinteto para piano ilustra bem o encontro de duas cristandades. No fundo da obra, ressoam temas russos. O segundo movimento é constituído de uma fuga com tema russo, algo perigoso para a música de câmara. O terceiro movimento é lento, ainda com rumores russos. No todo, é um bonito quinteto.
Saint-Saës é um dos últimos românticos da França. Também ele compôs um quinteto para piano, seu “Opus” 14. A coda do primeiro movimento é muito longa, assim como o movimento todo. O segundo movimento é lento, enquanto o terceiro é presto. No todo, a obra é desigual. O primeiro movimento quebra o equilíbrio do conjunto. O compositor parece não saber concluí-lo. Uma obra deve ser pensada e não apenas sentida. Ela também apresenta tom dramático, algo meio impróprio para uma peça de câmara.
Antonín Dvoák, compositor eslavo mas admirador da música alemã, compôs dois quintetos para piano. O primeiro, “Opus 5”, conta com quatro movimentos. O primeiro trabalha um tema eslavo com boa construção contrapontística. Mas o tema central é muito explorado, com uma coda difícil. Mais um compositor que parece não saber concluir uma composição. O segundo movimento é um lento cantante com variações sobre o tema. O terceiro é ágil, aos estilo de dança, bem ao gosto do compositor. Por fim, o quarto é cadenciado. O segundo quinteto conta com três movimentos. O primeiro é cantante e vigoroso. O segundo é muito cantante com um bom tratamento contrapontístico. O quinteto de Brahms criou um desafio para os compositores. Ninguém poderia ignorá-lo, pois essa obra colossal é um exemplo a ser seguido ou a ser evitado. Segui-lo geralmente resultava numa obra menor. Evitá-lo significava fingir que ele não existia. Por fim, o terceiro movimento é presto e melodioso, utilizando motivos eslavos.
Gabriel Fauré também compôs dois quintetos para piano. O número 1, “Opus 89”, foi composto quando o compositor já estava em fase madura. O primeiro movimento apresenta um tema fortemente impressionista tratado de forma belamente contrapontística e utilizando dissonâncias. A melodia não é clara. Em parte, as cordas tocam em conjunto. No segundo movimento, o primeiro violino figura como centro. A melodia novamente é vaga. Finalmente, no terceiro movimento — poco presto — as cordas executam juntas uma difusa melodia.
O segundo quinteto para piano de Fauré, “Op. 115”, tem quatro movimentos. O primeiro é melancólico, com melodia fugidia tipicamente impressionista. O segundo movimento é ágil, com os cinco instrumentos executando um scherzo. O terceiro é largo e melancólico. Finalmente, o quarto movimento é expressivo, embora vago. A coda parece mal resolvida.
De Max Reger, encontrei apenas o primeiro movimento do seu quinteto “Opus 64”. É enérgico e meio caótico, com ecos de Brahms. O autor se vale do cromatismo e do contraponto, embora a melodia seja meio confusa.
O compositor húngaro Béla Bartók, um dos fundadores da música moderna, escreveu um quinteto para piano cujo primeiro movimento é cantante com elaboração contrapontística e um tema magiar ao longe. A concepção é moderna com excelente trama instrumental. O segundo movimento foi concebido em estilo dança. É um scherzo em ritmo ternário. Os instrumentos dialogam bem nesse movimento. O terceiro é lento, e o último é um presto meio cigano. O autor honra a formação quinteto para piano, embora ela não se coadune muito com a música pós-romântica.
Não apreciamos toda a legião de quintetos para piano do século XIX. São muitos. Poderíamos ainda mencionar o quinteto “Opus 38” do norte-americano Arthur Foote, composto em 1897. O autor é um europeus vivendo fora da Europa.
No século XX, podemos mencionar os quintetos de Nikolai Medtner (1880-1951); os dois de Ern Dohnányi, considerado epígono de Brahms; o de Edward Elgar, “Opus 84” (1918); o de Shostakovich em cinco momentos (1940); e o de Joonas Kokkonen (1921-1996). Devem existir outros. Creio, porém, que os comentados ilustram bem a formação que atravessou o século XIX e que perdeu força nos séculos XX e XXI.
De todos eles, voltamos a destacar a importância do quinteto para piano de Brahms “Opus 34”, composto entre 1862-64. Ele representa um divisor de águas e merecerá comentários especiais brevemente.
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