Campos enfrentará déficit orçamentário de pelo menos R$ 200 milhões em 2021
24/10/2020 01:58 - Atualizado em 24/10/2020 10:27
Depois de uma década arrecadando anualmente valores bilionários em royalties e participação especial (PE), sem investir em alternativas econômicas aos recursos do petróleo, Campos vivencia uma nova realidade, com drásticas quedas nos repasses e uma máquina pública ainda pesada. Somente no próximo ano, o município vai enfrentar um déficit orçamentário de pelo menos R$ 200 milhões, o que significa uma despesa de R$ 17 milhões maior que a arrecadação a cada 30 dias, de acordo com análise do jornalista e ex-secretário municipal de Comunicação Ricardo André Vasconcelos, com base em dados divulgados no Portal da Transparência. A projeção da secretaria municipal de Fazenda é ainda mais pessimista: de um déficit de R$ 300 milhões em 2021.
A arrecadação prevista para o próximo ano está estimada entre R$ 1,5 bilhão e R$ 1,7 bilhão, e a maior parte — R$ 1,1 bilhão — está comprometida com a folha de pagamento dos servidores. O restante também já tem destino definido: despesas com serviços essenciais consomem mais R$ 700 milhões por ano.
São R$ 220 milhões para os hospitais contratualizados, R$ 125 milhões para pagamento de dívidas já parceladas, R$ 73 milhões do contrato para limpeza pública, R$ 40 milhões para iluminação pública, R$ 18 milhões com energia elétrica e R$ 12 milhões para pagamento de contas de água e esgoto dos prédios públicos, além do repasse obrigatório de R$ 30 milhões para a Câmara Municipal e R$ 75 milhões para pagar funcionários contratados sob o regime de RPA (Recibo de Pagamento a Autônomo), entre outras despesas essenciais.
Ou seja, somente os gastos com a folha de pagamento e serviços essenciais já ultrapassam o orçamento anual do município. E a Prefeitura de Campos ainda tem outras despesas, além de uma dívida de aproximadamente R$ 850 milhões com o governo federal, referente a FGTS e INSS.
O secretário municipal de Fazenda, Leonardo Wigand, explica que esses quadros apresentam apenas as maiores despesas do município. De acordo com ele, atualmente, o custeio da máquina pública gira em torno de R$ 2 bilhões por ano, somente para pagar as despesas do ano corrente. Sendo assim, para o ano de 2021, considerando a estimativa prevista, o déficit será em torno de R$ 300 milhões/ano, ou seja, R$ 25 milhões/mês.
— Nos anos que precederam a crise dos royalties que vivemos atualmente, a arrecadação destes recursos chegou a mais de R$ 1,3 bilhão/ano. Em 2020, este montante será de aproximadamente R$ 300 milhões. Naquele passado, as despesas para custeio da máquina pública municipal foram incrementadas, levando em consideração a arrecadação dos recursos dos royalties. A falta de planejamento e responsabilidade com as contas trouxe o município para a situação atual — ressaltou Wigand.
Segundo o secretário, diversas medidas foram implantadas ao longo dos últimos três anos, na tentativa de mudar a realidade financeira do município, como o enxugamento da máquina pública, com a redução de contratos e a reestruturação administrativa; aumento da arrecadação própria e cobrança mais efetiva dos créditos inscritos em dívida ativa. Ele cita, ainda, a atuação da superintendência de Captação de Recursos, que aumentou o volume de recursos advindos de emendas parlamentares. “Em menos de quatro anos, o governo Rafael Diniz captou R$ 195,6 milhões, recebendo deste montante, até o momento, R$ 176 milhões. A gestão anterior, em oito anos, captou R$ 50 milhões e recebeu R$ 15,7 milhões”.
Entretanto, Wigand afirma que o trabalho para reverter a situação financeira do município deve ser contínuo e não se realiza em curto prazo. “O inchaço da máquina pública se deu de forma ininterrupta ao longo de 20 anos, uma vez que se iniciou em 1997, quando também começou a arrecadação dos royalties. Podendo-se dizer, também, que neste mesmo período a receita tributária ficou relegada a segundo plano. O caminho é longo e árduo, sendo necessário continuar trabalhando para promover a redução do custeio, aumentar a eficiência, buscar parcerias com os governos federal e estadual e também público-privadas e continuar com a implantação de ações para aumento da arrecadação própria”.
O economista José Alves de Azevedo Neto reforça que a situação fiscal da Prefeitura de Campos é muito grave e que o quadro foi consequência da queda brusca de receita, sem que o município ajustasse as despesas à nova realidade de arrecadação.
— O diagnóstico da Prefeitura é queda de receita. Houve uma queda de receita significativa a partir de 2015, que foi se agravando e se aprofundou no governo Rafael Diniz, que chegou a fazer cortes de despesas na Prefeitura, mas não foram suficientes. Campos tinha uma fonte de receita, dos royalties e participação especial, de aproximadamente R$ 1,5 bilhão em 2014 e essa fonte, em 2020, não chega a R$ 400 milhões. É uma queda avassaladora. E o grande problema da Prefeitura é que houve queda de receita, mas a despesa continua muito alta. Então, o novo prefeito vai ter que ser cirúrgico no custeio da máquina, fixo e variável. Em um primeiro momento, acredito que não vai mexer com o servidor público, mas terá que rever os contratos, vai ter que renegociar a luz da Prefeitura, que está atrasada, entre outras medidas — ressaltou o economista.
O prefeito Rafael Diniz afirma que, desde que assumiu, tem concentrado o trabalho em adequar a máquina pública à nova realidade financeira. “Cortamos contratos, firmamos parcerias, buscamos emendas parlamentares voltadas para as necessidades do município. A maior captação de recursos federais garantiu investimentos no Hospital Geral de Guarus (HGG), além da reforma de 10 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e aquisição de equipamentos médicos e mobília. Também foram possíveis as conclusões das UPHs Travessão e São José. Continuar os cortes e ajustes é imprescindível, mas com seriedade e responsabilidade, avaliando o impacto econômico e social. Continuaremos cuidando das contas públicas neste mesmo princípio, assim como apoiando a iniciativa privada. Também manteremos o foco no aumento da arrecadação própria e no investimento na agricultura”, afirmou Rafael.
Queda nos repasses
Bilionários por mais de uma década, os repasses de royalties e participação especial chegaram a ultrapassar (em valores corrigidos) a marca de R$ 2 bilhões nos anos de 2008 e 2012, no auge da era do petróleo. Mas o cenário mudou e os recursos começaram a sofrer quedas bruscas em 2015, e em 2020 devem ficar em torno de R$ 300 milhões, segundo especialistas. Neste ano, pela primeira vez na história, Campos não recebeu PE em agosto.
E a situação financeira de Campos ainda corre o risco de se agravar, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheça, no dia 3 de dezembro, a constitucionalidade da Lei 12.734/2012, que prevê novas regras de distribuição dos recursos do petróleo. A aplicação da nova lei comprometeria financeiramente estados e municípios produtores.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS