Nélio Artiles: Obrigado, Makhoul
09/07/2020 13:31 - Atualizado em 24/07/2020 18:38
Infectologista Nélio Artiles
Infectologista Nélio Artiles / Rodrigo Silveira
No último dia 1º de julho amanheci em meio às felicitações pelo dia do meu aniversário, com desejos de vida plena e longa, interpelada pela notícia que o meu amigo de longa data Makhoul Moussallem havia interrompido sua caminhada por aqui. Em datas comemorativas costumo ficar mais recluso e vivenciar uma sensação de gratidão por tudo que recebi e vivenciei até agora, sejam as coisas boas ou ruins. E assim me reportei à minha pré-adolescência, aos 14 anos, quando vivenciava um dos maiores sofrimentos de minha vida, motivo de uma grande transformação interna e que certamente semeou minha alma e meu caminho futuro. Meu lindo irmão, de apenas 16 anos, dos cabelos esvoaçantes, havia se acidentado gravemente em uma queda de moto na rua Saldanha Marinho, socorrido pelo saudoso e querido Zezinho Nunes, sendo carregado para a Santa Casa de Misericórdia de Campos, que atendia as emergências à época. E desde aquela sexta-feira minha família vivenciou, com penúria, um momento de muito sofrimento. A notícia era que havia um “coágulo na cabeça” e que precisava ser operado com urgência. Minha doce mãe se esvaía enquanto meu pai se introjetava em uma dor sem igual.
 
Então, em meio às conversas dos adultos, ouvia pela primeira vez o nome do Dr. Makhoul Moussallem, jovem médico que passou a ser considerado por todos o instrumento de Deus para tentar trazer meu Nanal de volta. Em meu imaginário, nas minhas orações, Dr. Makhoul, sem saber, fazia uma intervenção cirúrgica no meu irmão e na minha mente. Quem era aquela pessoa tão poderosa a quem projetamos todas as esperanças de uma situação muito difícil, onde sequelas seriam inevitáveis?
 
Após quatro longos dias, as expectativas se encerraram com a morte do meu mano, trazendo uma grande comoção familiar e na própria cidade na época. Não foi fácil transitar naquela estrada com meus pais angustiados, sofridos e deprimidos e, ao mesmo tempo, assumir a posição do filho mais velho, olhando pelos meus outros irmãos menores. Após um amadurecimento forçado, fui saindo do casulo e me esmerando para que meus pais pudessem, através de mim, ver a luz novamente. A vontade de ser médico, que já era de infância, se fortificou, seguindo com a certeza de ser um grande neurocirurgião, trilhando os passos daquele Dr. Makhoul que ficou introjetado em mim.
 
Comemorando meu segundo lugar no vestibular da antiga Cesgranrio para a FMC, fiz questão de iniciar meus estudos para abrir cérebros em Campos, já que havia passado também para a UFRJ. E no meu primeiro ano como calouro encontro e conheço pessoalmente o Prof. Makhoul Moussallem. Hipnotizado e imbuído de um grande respeito e admiração, assisti às suas aulas embasbacado e impressionado por tanto conhecimento. E a partir de então, durante minha caminhada acadêmica, o acompanhei poucas vezes, mas sempre de forma impactante, me encantando por sua competência, clareza e envolvimento com os pacientes.
 
Acabei seguindo por outros caminhos na formação médica. Após retornar da minha residência e mestrado, já como professor da faculdade, me deparava ocasionalmente com Dr Makhoul. Certo dia me convidou para ser delegado do Cremerj, quando conheci de perto, seu outro lado, como liderança política, profissional, associativa, comunitária etc. Aquele libanês era bem estranho e muito diferente de qualquer padrão.
 
Já como diretor da faculdade tive a honra e o prazer de tê-lo como diretor do Hospital Escola Alvaro Alvim, com suas ideias visionárias, sempre de um futuro melhor, apesar das circunstâncias sempre complicadas de um sistema de saúde tão doente. E também como presidente da Fundação Benedito Pereira Nunes, fazendo uma gestão competente e responsável, sem nunca deixar de olhar à frente. Entre murros e xingamentos, que nunca transpareciam violentos ou desrespeitosos, continuava a crescer minha admiração para alguém tão especial, que de forma audaciosa e sempre sonhadora buscava o bem público e institucional.
 
Certa vez, já mais recente, toquei pela primeira vez no assunto do meu irmão, mesmo com a chance enorme de ele não se lembrar, pelo tempo passado, após tantos pacientes iguais. Mas incrivelmente Makhoul mais uma vez me emocionou, ao contar detalhes do ocorrido, inclusive sobre a reação dos meus pais. Então não há palavras suficientes que descrevam a importância de Makhoul Moussallem em várias experiências pessoais, mas sem dúvida é um dos maiores nomes da medicina, da política e principalmente da história da nossa cidade Campos dos Goytacazes.
 
Obrigado por tudo, Dr. Makhoul.

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