Adiamento do Enem em pauta
- Atualizado em 23/05/2020 08:55
Ministério da Educação
Ministério da Educação / Marcos Oliveira/Agência Senado
A pandemia do novo coronavírus trouxe impactos a diversos setores do cotidiano brasileiro e na Educação não foi diferente. Um dos assuntos que rendeu diversas divergências de opinião, na última semana, envolveu a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020, que após pressões da sociedade e do Poder Legislativo, foi adiada pelo Ministério da Educação (MEC) e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Em Campos, tanto estudantes quanto profissionais da área aprovaram o adiamento e alguns defendem, ainda, o cancelamento deste ano letivo, devido à deficiência do acesso ao ensino digital para todos os alunos, principalmente para os da rede pública.
No último dia 19, o Senado aprovou, por 75 votos a 1, o projeto de lei para adiar o Enem. O texto seguiu para a Câmara dos Deputados, mas antes de ser apreciado o MEC anunciou o adiamento. Segundo o MEC, as datas serão adiadas de 30 a 60 dias em relação ao previsto nos editais, cujas provas impressas estavam marcadas para os dias 1 e 8 de novembro e a versão digital para 22 e 29 de novembro. Para tanto, o Inep promoverá uma enquete junto aos inscritos, a ser realizada em junho, por meio da Página do Participante. O período de inscrições, que terminaria na última sexta (22), foi prorrogado para quarta-feira (27). Já são mais de 4 milhões de inscritos.
Em nota, a secretaria de Educação de Campos aprovou o adiamento: “De acordo com secretaria de Educação, o adiamento é a decisão mais acertada neste momento, visto que muitos alunos da rede pública não dispõem de recursos tecnológicos suficientes para garantir a continuidade dos estudos durante esse período de isolamento social, o que poderia causar grandes prejuízos para os mesmos”.
Para a presidente do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe) em Campos, Odisséia Carvalho, a decisão do Senado foi uma derrota ao governo federal. “A decisão do Senado impõe uma derrota significativa ao governo, que se mantinha relutante em alterar a data do Enem. O ministro da Educação chegou a dizer que não competia ao Enem fazer justiça social, mas sim selecionar os melhores. No entanto, a resposta do Senado procurou justamente reverter a injustiça que a manutenção do calendário do Enem provocaria entre os estudantes de escolas públicas. Diversos senadores discursaram nesse sentido e citaram pesquisas e realidades locais que mostram a dificuldade de muitos estudantes em acessar as aulas remotas via internet.
O PL 1.277/20 prevê a realização do Enem e dos vestibulares de acesso às universidades públicas somente após a conclusão do ano letivo nas escolas públicas”, opinou.
O professor Romulo de Almeida também concordou com o adiamento, como forma de fazer justiça: “Com relação ao adiamento, seria tentar elaborar um senso de justiça para pode diminuir essas disparidades. O aluno do 3º ano do Ensino Médio da escola pública já está desassistido há longas gerações. Então, para tentar minimizar esses impactos, é sim satisfatório essa renovação de data do Exame Nacional do Ensino Médio para a gente tentar reparar a esses alunos da escola pública essas arestas, que são enormes em relação ao processo de ensino-aprendizagem”.
A coordenadora do Ensino Médio do Colégio Centro de Estudos, Maria de Fátima Costa, também falou sobre o adiamento: “Desde o cancelamento das aulas presenciais, nós, do Colégio Centro de Estudos, temos oferecido plenas condições para que os alunos do Ensino Médio possam se preparar para o Enem, através de aulas remotas ao vivo, atividades pedagógicas personalizadas e plantão de dúvidas. Mas, ao pensarmos em um cenário mais amplo, manter a data inicialmente informada pelo Inep não seria uma atitude justa com todos os brasileiros, sobretudo aqueles que dependem da educação pública ou que não podem usufruir de recursos tecnológicos eficientes para seguir na preparação para as provas. Portanto, consideramos válido o adiamento do Enem e, a depender da situação da pandemia da Covid-19 no país nos próximos meses, será necessário repensar em outras alternativas”.
Difícil acesso ao ensino é destacado
Diante do impasse envolvendo a prova, uma mobilização “#AdiaEnem” se formou nas redes sociais. A presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) do Instituto Federal Fluminense (IFF), Letícia Almeida, falou sobre a pressão estudantil.
— Quando as entidades estudantis se colocam em defesa do #AdiaEnem, eles se colocam como se dá a sociedade brasileira. Existem estudantes que não têm acesso a computadores e estudantes que não têm acesso à internet. Existem estudantes que estão sem aula nesse momento. Quando a gente defende isso (o adiamento do Enem), a gente defende a democracia dentro das universidades. A democracia na entrada das universidades também, porque de uns anos para cá a gente vê cada vez mais pessoas pobres, pessoas negras, filhas de domésticas, de garis, de cozinheiros entrando nas universidades. E quando a gente não coloca em pauta o adiamento do maior exame nacional de aprovação no ensino superior nas universidades, a gente coloca em pauta um retrocesso. Mas. o adiamento de 30 dias não é suficiente — afirmou Letícia.
A secretária-geral do DCE-IFF, Maria Luiza Monteiro, de 19 anos, também defendeu o cancelamento do ano letivo. “Esse adiamento do Enem é bastante polêmico. Antes de tudo, ele já deveria ter sido adiado desde quando perceberam que o coronavírus era mais sério do que se imaginava. Tanto que previsão de recuperação não é para 2020, é a partir de 2021 e olhe lá, podendo levar mais tempo. Fora que, além dessa questão da aglomeração, ainda tem o ponto preocupante que são os candidatos do Enem que não tiveram acesso à educação da forma que deveria. Antes mesmo da pandemia, a gente já estava com uma dificuldade de ensino muito grande. Eu sou a favor do cancelamento do ano letivo porque não tem condição nenhuma dos alunos fazerem o Enem esse ano”, comentou.
Professor fala sobre diferenças
Professor de História na rede pública e privada, Romulo de Almeida faz um paralelo entre as desigualdades entre os modelos de ensino durante a pandemia.
— A gente pode entender que há sim uma desigualdade na educação em tempos de pandemia. Isso é exato. Eu transito nos dois campos, na rede privada e no ensino público. E aí, qual a realidade? Nós temos a demanda da rede privada muito intensa por parte dos pais e aí houve um tempo de 15 dias de adaptação. E passado esses 15 dias optou-se por ensino EaD e as escolas tiveram que se adaptar a plataformas. Cada escola resolveu buscar de forma isolada, mas era uma coisa muito vaga. Não tinha uma legislação, não tinha uma regulação. Então, num primeiro momento foi de todas as escolas, privada e pública, buscarem uma regularização, uma lei específica para poder legitimar o ensino. Uma vez que houve a legitimação por parte do estado, por parte do MEC, para que esse ensino à distância fosse permissivo, cada escola buscou seu mecanismo e aí a rede privada deu um salto comparado ao ensino público. Cada escola optou por um aplicativo e aí nós começamos a passar pelo processo de capacitação desse aplicativo e hoje damos as aulas pelo aplicativo. Ou seja, não estão acontecendo perdas para o ensino privado com relação ao processo de ensino-aprendizagem. Foram criados novos mecanismos para dar sustentabilidade, mas tudo permanece como se fosse no ensino presencial — observou Romulo.
Sobre o ensino público, ele falou em dificuldades: “Agora quando vamos para o panorama da educação básica no ensino público, nós temos como resultado catástrofe. Nós esbarramos em vários problemas e vou diminuir minha escala de análise e focar no Estado do Rio de Janeiro. O que acontece no Rio? Foi prometido no começo que chips seriam entregues para os alunos para que pudessem utilizar a internet e ter acesso as aulas, mas não foi feito. Parece que teve um entendimento da secretaria de Estado de Educação para que houvessem aulas pela Bandeirantes, mas parece que só estão acontecendo duas aulas por dia, uma pela manhã e outra a tarde. Isso não fortalece o noturno. Pensaram também na questão de enviar para a casa dos alunos uma apostila, mas essa apostila nem chegou na mão dos professores para poder efetivar esse trabalho em conjunto com os alunos. De cinco turmas que eu tenho no ensino regular noturno, eu tenho participação efetiva na plataforma que foi disponibilizada para os alunos das escolas públicas, no máximo uns 40 de aproximadamente 300 alunos. Então é um retorno muito inferior. Nós temos aí um descompasso muito grande no processo ensino-aprendizagem entre o aluno da escola pública e o da escola privada. Se nós mantivéssemos, por exemplo, o Enem na data correta é lógico que os alunos da escola privada estariam muito mais a frente do que os alunos da escola pública. Mas eu acho que essa disparidade não é um fenômeno de agora. Desde que nós vivemos na chamada República, a República teve que nascer para superar todas as dificuldades a ensino, então é uma coisa que se arrasta categoricamente”.

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