Emoção marca sepultamento da menina Kamylli Rodrigues
Paula Vigneron 22/01/2020 10:42 - Atualizado em 25/01/2020 19:20
“É difícil falar dela. Uma menina muito alegre, divertida. Minha companheira. Sempre a levava para o balé. Adorava dançar, cantar. Ela estava contente que, em março, ia voltar para o balé. A gente ia, nesta semana, comprar o material para a escola. Eu acho que, na quarta-feira passada, ela estava se despedindo da professora. Todo mundo da escola gostava dela. Todo mundo.” À porta do Instituto Médico Legal (IML), de Campos, segurando roupas e documentos da pequena Kamylli Rodrigues, de sete anos, Carla Maraysa do Espírito Santo Rodrigues, mãe da menina, se recordou da filha enquanto aguardava os últimos trâmites burocráticos para a liberação do corpo da criança, vítima de um afogamento na praia do Farol de São Thomé, no último domingo (19). Após dois dias de buscas e angústia para a família, o corpo de Kamylli foi encontrado na praia do Açu, em São João da Barra, nessa terça-feira (21). O velório e o sepultamento aconteceram nesta quarta-feira (22), no cemitério do Caju.
Os familiares de Kamylli chegaram ao IML por volta das 8h20. Os pais, Carla e Leonardo Inácio de Carvalho, acompanhados pelos avós da menina, se recordaram de diversos momentos da criança. A família estava na areia quando uma onda mais forte arrastou Kamylli para o mar. O pai tentou resgatá-la, mas não conseguiu.
— A única coisa que eu tenho para passar são os sentimentos mesmo. As lembranças, as coisas boas e até as ruins. Nada vai trazer ela de volta. Nada. Dormir e acordar sem ela é muito difícil. Ela era uma pessoa muito carinhosa. Quem sabe (como ela era) são o pai, a mãe, os familiares, os colegas, os amigos. Era uma menina atenciosa, carinhosa. Chegava e abraçava todo mundo. Era querida por todos e se dava bem com todo mundo — contou Leonardo, que é morador do Turfe Clube.
Madrinha e avó de Kamylli, Regina Célia Batista de Souza Rodrigues relatou que, após a menina desaparecer no mar, os familiares se reuniram à beira-mar para aguardar as buscas e, sentados em um quiosque, passaram todo o dia observando o vai-e-vem das ondas. “Ficamos olhando o mar. Foi a coisa mais triste que eu já passei na minha vida. Ela era igual ao Sérgio (Rodrigues, avô). Ele está muito abalado. A neta era tudo para ele. Ele queria entrado no mar, mas eu e minha irmã não deixamos. Quando eu vi minha pequena naquele aguaceiro...minha afilhada, minha neta”, lembrou-se.
Horas depois, o corpo foi liberado e levado para a Capela São João, no Caju. O velório começou por volta das 10h30 e reuniu dezenas de pessoas, entre crianças e adultos, que foram prestar as últimas homenagens à menina. “Eu conheci a Carla na fila do HGG, quando estávamos marcando consulta para nossos filhos. Eu, para os meus dois pequenos e ela, para o mais velho. Ficamos amigas desde então. Kamylli era como uma pessoa da família”, comentou uma amiga dos familiares, que se identificou apenas como Adriana.
Durante o velório, a mãe de Kamylli passou mal e precisou ser retirada da capela e socorrida para uma unidade hospitalar, de onde foi liberada pouco depois. Amparada pelo marido, ela acompanhou o sepultamento e foi levada até o caixão, sobre o qual depositou flores para a menina. Kamylli foi sepultada, às 13h30, sob aplausos, após orações e coro de músicas religiosas. “Infelizmente, tudo a Deus pertence”, lamentou a avó.
Khamylle Rodrigues
Khamylle Rodrigues / Reprodução
“Talvez tivessem salvado a minha filha”
Ainda à porta do Instituto Médico Legal, Leonardo criticou os salva-vidas que estavam de plantão no dia do acidente que matou a sua filha. Ele contou que, quando a onda arrastou Kamylli, de forma inesperada, havia três profissionais na praia, mas eles teriam se recusado a entrar no mar porque estava agitado.
— No dia em que aconteceu o acidente, os salva-vidas não quiseram entrar na água. Falaram que o mar estava muito agitado. Se eles são salva-vidas, para que estão ali, então? Tinham três e nenhum quis entrar. Agora, a gente vai recorrer. A gente não queria isso. Se eles fizessem o trabalho deles como deveriam, talvez não tivesse acontecido o que aconteceu. Eles ficaram de cara para cima, olhando para a nossa cara. Eles estão ali para quê? Eu, que não sou profissional, entrei. Tentei fazer de tudo e não consegui. Só eu sei o que passei. Quase morri, e eles só ficavam em celular. Se eles tivessem feito o trabalho como deveriam, talvez tivessem salvado a minha filha. E agora, como é que fica? — desabafou o pai.
A história foi recontada pela família, revoltada com a situação, em diversos momentos. Avô de Kamylli, Sérgio Rodrigues, que mora em São João da Barra, contou que, assim que foi informado sobre o acidente, saiu imediatamente de sua cidade para Farol.
— Fui diretamente conversar com os salva-vidas. A negligência deles foi tão grande que o da cabine estava com “a cara” no celular. Quando eu cheguei, ele até tomou susto. Tinham três guarda-vidas. A onda ainda trouxe minha neta. Foi e voltou. Aí, eu conversei e perguntei por que eles não foram lá. Alegaram que o mar estava muito bravo, mas qual é a obrigação deles? Eu, que não sou salva-vidas nem nada, se visse minha neta vindo, ia lá. Eles falaram “calma, calma que o mar está muito bravo, e a gente não pode entrar” — detalhou Sérgio, ressaltando que agradece à Marinha por ter encontrado a neta. O avô declarou que os piores momentos foram os de espera e reafirmou que teve vontade de entrar no mar para localizar Kamylli.
De acordo com a família, não havia sinalização de perigo ou alerta na beira-mar. “Eu tenho certeza de que Deus vai cobrar deles. Está nas mãos de Deus”, finalizou o pai.
Em nota, o Corpo de Bombeiros disse que "a informação não procede. Os guarda-vidas que estavam no posto de salvamento mais próximo do local do afogamento atuaram prontamente na ocorrência e, imediatamente, acionaram os mergulhadores do quartel de Campos para apoio. Os militares contaram, ainda, com equipamentos operacionais.
As buscas foram realizadas incansavelmente pelo Corpo de Bombeiros, com o apoio da Marinha do Brasil. No terceiro dia, a ocorrência foi finalizada com a localização próxima à Praia do Açu, cerca de 20 km da região do afogamento.
Reforçamos que, no dia do ocorrido, os guarda-vidas da Praia do Farol de São Thomé, ao assumirem o serviço, sinalizaram a orla com bandeiras de alto risco de afogamento (bandeiras vermelhas) por conta das condições apresentadas pelo mar.
A corporação está sensibilizada com o ocorrido e se solidariza com a dor de familiares e amigos da vítima", finalizou o órgão. 

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