Incêndio alerta sobre patrimônio de Campos
Jhonattan Reis 03/09/2018 21:37 - Atualizado em 05/09/2018 16:39
Com o incêndio que destruiu o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, no domingo (2), a questão da conservação do patrimônio histórico volta a ser alvo de preocupação. Isso porque a instituição, que completa 200 anos em 2018, sendo o museu mais antigo do país, estava funcionando por pelo menos três anos com orçamento reduzido. Em Campos, diversas personalidades ligadas à história e à cultura da cidade lamentaram o ocorrido na capital. E colocaram a questão da conservação do patrimônio do município em pauta. Instituições como o Museu Histórico de Campos prestaram solidariedade pelo ocorrido.
O historiador e professor universitário Aristides Soffiati comentou que trabalhou no Museu Nacional nos anos 70 e que ficou “horrorizado” ao ver a situação do prédio quando retornou ao lugar para uma visita, cinco anos atrás:
— Trabalhei lá por um ano e conhecia todos os espaços do prédio. Há cinco anos, quando voltei lá, percebi que o museu enriqueceu muito em questão de acervo. Porém, empobreceu bastante em relação à estrutura. Eu não acreditei no abandono, no descaso. O museu estava largado, sem manutenção. Eu já imaginava que poderia ocorrer algo assim algum dia. Ainda assim, fiquei impressionado com o que aconteceu no domingo. É uma perda que não dá para explicar.
Soffiati falou, também, sobre a importância da preservação de prédios históricos em Campos:
— A gente precisa atentar ao nosso patrimônio histórico, pois vejo muitos prédios em Campos que não estão bem cuidados. Que o Museu Nacional sirva de exemplo para que a situação não se repita. Temos que pensar em prevenção e proteção contra incêndio, para que não percamos mais da nossa história.
Quem também lamentou o ocorrido foi o jornalista e professor de Comunicação Orávio de Campos Soares:
— É uma perda irreparável. A situação ainda deixa o Brasil muito mal internacionalmente. Tudo isso demonstra o desprezo que o governo tem com setores importantes para a sociedade brasileira — comentou Orávio.
Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Campos dos Goytacazes, a historiadora e professora universitária Sylvia Paes destacou que esta é uma situação “que não tem volta”:
— Não é igual bater com o carro e o seguro dar outro a você. O que foi perdido no incêndio não voltará mais. Foi perdida uma parte da história do Brasil. Chorei muito por conta da situação. É uma perda muito significativa para o nosso país e para o mundo.
Sylvia também falou em relação à preservação de patrimônios históricos:
— Minha filha estava comentando que o Museu do Louvre, na França, tem brigada de incêndio com plantão diariamente, enquanto o daqui não tem. Foi noticiado que o Museu Nacional funcionava com quatro vigias, mesmo com um dos maiores acervos do mundo. Esta perda serve como alerta para todo o país, inclusive a Campos. Precisamos ter manutenção constante com nosso patrimônio histórico e cultural, vigilância a todo o momento. Os sinistros podem acontecer. E, como esse de domingo, não há seguro que cubra; não tem como recuperar.
Orávio também comentou sobre o alerta para todo o país, ressaltando Campos:
— Acende-se uma luz vermelha nos estados e municípios, no sentido de terem mais atenção em relação ao assunto. Em Campos, precisamos ter atenção a isso. Necessitamos de mais cuidado com prédios como do Museu Histórico e o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho, sem investimento há muito tempo. É preciso que os governos municipal, estadual e federal, entendam que é impossível pensar no futuro se você não preserva o seu passado.
A gerente do Museu Histórico de Campos, Graziela Escocard, concorda que é preciso dar mais atenção aos prédios históricos. Ela acrescentou que falta, ainda, conscientização da população sobre o assunto:
— Se a população tivesse consciência da importância da nossa história, ela iria cobrar mais do poder público. Claro que é dever do poder público trabalhar nisso, mas acho que falta à população se conscientizar para cobrar mais.
Escocard foi outra personalidade que descreveu a perda como irreparável:
— Como disse o Paulo Knauss, diretor do Museu Nacional, era uma tragédia anunciada, pois o lugar não tinha um projeto de prevenção contra o incêndio. Quando se fala em prevenção e manutenção, muita gente diz que é algo chato, bobagem, que nada vai acontecer. Mas quando há um caso como esse, as pessoas abrem os olhos por um tempo sobre o assunto. Algumas pessoas acham que não foi uma tragédia, porque ninguém morreu. Mas foi. E imensa. Quem morreu foi a nossa história. Estamos de luto — relatou ela, lembrando que uma faixa preta foi estendida em frente ao Museu Histórico de Campos, em solidariedade ao Museu Nacional.
O Diretor do Arquivo Público Municipal, Carlos Freitas, destacou que a perda vai além do valor financeiro:
— Tem uma importância histórica inestimável para o Brasil e para o mundo. É um acervo extremamente importante que foi perdido. O Museu Nacional completou 200 anos este ano, mas os materiais de pesquisa que lá estavam tinham, obviamente, mais tempo. Não dá para explicar a perda que representa.
A Prefeitura de Campos, em nota, informou que o município “faz o controle e a preservação do patrimônio histórico e cultural através do Coppam, com a criação de regras e mecanismos que possibilitem essa preservação, como o disque-denúncia (...), para que o munícipe também seja agente de preservação”.
A Prefeitura alegou que, entre os prédios considerados patrimônio histórico no município, há os que são de responsabilidade do Estado e os de propriedade privada. Sem fazer a distinção, foram listados nos dois casos: o Solar dos Airizes, o Solar do Barão de Carapebus, o Liceu de Humanidades de Campos, a Lyra de Apollo, a Casa de Cultura Villa Maria, o Mosteiro de São Bento e os hotéis Flávio, Amazonas e Gaspar. Segundo a Prefeitura, ela seria impedida pela legislação de realizar quaisquer intervenções, além da vigilância e denúncia.
Incêndio — As chamas no prédio do Museu Nacional começaram por volta das 19h de domingo e só foram controladas no fim da madrugada de segunda (3). O local já foi residência de um rei e dois imperadores. Lá, a princesa Leopoldina, casada com D. Pedro I, assinou a declaração de Independência do Brasil, em 1822. Foi palco para a primeira Assembleia Constituinte da República, marcando o fim do império no Brasil. E já recebeu visitantes como Albert Einstein e Santos Dumont.
Tinha, em seu interior, fósseis, múmias, registros históricos e obras de arte, que foram perdidas. Cerca de 20 milhões de itens, que representavam a maior parte do acervo do museu, foi completamente destruída. Dentro do prédio estavam itens como o mais antigo fóssil humano já encontrado no país, batizado de “Luzia”. A Polícia Civil investiga as causas do incêndio.
Ontem, a Defesa Civil interditou o local. Técnicos do órgão disseram que existe um grande risco de desabamento. Também ontem, a Quinta da Boa Vista foi invadida por um grupo de manifestantes, que protestaram contra a situação e a redução dos recursos para ciência e educação.
No fim da tarde, a vice-diretora do Museu Nacional, Cristiana Serejo, disse que cerca de 90% do acervo foram destruídos após o incêndio.

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