Operação Lava Jato: planilha da Odebrecht com mais de 200 citados
24/03/2016 09:03

Alexandre Bastos, Aluysio Abreu Barbosa, Suzy Monteiro e Arnaldo Neto
Foto: Rodrigo Silveira

Mais de 200 políticos são citados em planilhas da Odebrecht apreendidas pela Polícia Federal (PF), o que pode ser o mais completo acervo da contabilidade paralela descoberta e revelada pela força-tarefa da Operação Lava Jato. O site UOL, apontado como favorável ao PT, foi o primeiro a divulgar os documentos, apreendidos pela PF na 23ª fase da Lava Jato, no dia 22 de fevereiro. Os prefeitos de Campos, Rosinha Garotinho (PR); de Macaé, Dr. Aluízio (PMDB); e de Rio das Ostras, Alcebíades Sabino (PSC), estão citados, além de políticos como Anthony Garotinho (PR), o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), o vice Francisco Dornelles (PR), entre outros. Alguns políticos aparecem com apelidos, como Lindbergh Farias (PT), o “lindinho”, e o presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB), o “carangueijo” (sic). Políticos cujos nomes aparecem nas planilhas negam ter cometido irregularidades. Na tarde dessa quarta-feira (23), o juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato em primeira instância, decretou o sigilo das planilhas por conter nomes de políticos com mandato e ministros, que têm foro privilegiado.

A revelação das planilhas aconteceu um dia após a 26ª fase da Lava jato, que teve como alvo central a empreiteira Odebrecht. Diferentemente das forças-tarefas anteriores, que apontavam para desvio de recursos apenas da Petrobras, a “Xepa”, como foi batizada a ação deflagrada na terça-feira, apontou que o “Setor de Operações Estruturadas” da empreiteira funcionava como uma “diretoria de propinas”, segundo investigadores. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), os pagamentos feitos pela Odebrecht estão atrelados a diversas obras e serviços federais e também a governos estaduais e municipais.

Como a Folha mostrou na edição dessa quarta-feira, em Campos a Odebrecht foi responsável pela construção das casas do programa Morar Feliz, em duas fases: a primeira iniciada com valor estimado de R$ 357.497.893,43 e a segunda, não concluída, com contrato firmado no valor de R$ 476.519.379,31, em um total superior a R$ 834 milhões. A primeira etapa contou ainda com aditivos no valor de, no mínimo, R$ 96, 4 milhões.

Além dos políticos já citados, do estado do Rio também aparecem os deputados estaduais Jorge Picciani (PMDB) e Paulo Melo (PMDB), o deputado federal Rodrigo Maia (DEM) e o prefeito da capital fluminense, Eduardo Paes (PMDB). Paulo Melo e Rodrigo Maia foram contatados, por e-mail, mas não emitiram posicionamento até o fechamento da edição. Os demais políticos do Rio de Janeiro listados nesta reportagem têm suas defesas (ou o silêncio) reproduzidas na enquete abaixo.

As planilhas, que estavam com Benedicto Barbosa Silva Júnior, presidente da Odebrecht Infraestrutura, são riquíssimas em detalhes, embora os nomes dos políticos e os valores relacionados não possam ser automaticamente considerados como prova de que houve dinheiro de caixa 2 da empreiteira para os citados. São indícios que serão esclarecidos nas investigações da Lava Jato.

Entre os 200 políticos listados, aparecem nomes de forte influência no cenário nacional, pró e contra o governo Dilma Rousseff. Entre os governistas, o ministro Jaques Wagner (PT), que tem o apelido de “passivo”. Presidente do principal partido de oposição, o PSDB, Aécio Neves está nas planilhas. Sem apelido, é identificado pelo nome da família, “Neves”. O site “Tijolaço”, que demonstra apoio ao governo, deu destaque à ausência dos nomes de Dilma e Lula nas planilhas.

A equipe de reportagem tentou saber do MPF no Paraná, responsável pela força-tarefa, os desdobramentos da ação. Em nota, a assessoria informou que está “em recesso de Páscoa” e só retornará ao funcionamento na segunda-feira. A PF do Paraná não respondeu à solicitação de informações. Em Campos, MPF e PF também não responderam.

MPF nega acordo de delação premiada

Os procuradores da força-tarefa de investigação da operação Lava Jato negaram que estejam negociando acordos de delação premiada com executivos da empreiteira Odebrecht. Segundo o Ministério Público Federal (MPF) no Paraná, a manifestação feita pela empresa à imprensa, na noite de quarta-feira, de que deseja assinar o acordo não tem validade jurídica.

“Não existe sequer negociação iniciada sobre acordos de colaboração com executivos ou leniência com o Grupo Odebrecht. A simples manifestação dessa vontade pela imprensa, seja por indivíduos, seja por qualquer grupo empresarial investigado, não possui qualquer consequência jurídica, motivo pelo qual as investigações e atos processuais continuarão em andamento”, diz a nota da força-tarefa. O MPF destaca ainda que a divulgação da intenção de assinar delação premiada “fere o sigilo das negociações exigido pela lei”.

O principal executivo da empreiteira, Marcelo Odebrecht, está preso desde junho do ano passado. O empresário estaria envolvido diretamente no esquema de pagamento de propina a ex-dirigentes da Petrobras. Pelas acusações, Marcelo foi condenado a mais de 19 anos de prisão.

Apesar de contatada pela Folha por meio da superintendência de Comunicação de Campos, a prefeita Rosinha se posicionou pelo Facebook. “Esclarecemos a matéria divulgada hoje (quarta-feira) nos jornais tentando misturar as coisas e confundir a opinião pública. Eu e minha família não estamos e nem estaremos envolvidos em Lava Jato. Por favor, compartilhem. No blog do Garotinho também se encontram as notas e as planilhas que foram divulgadas”.
Rosinha Garotinho

“Quero me antecipar e esclarecer os fatos, porque quem não deve, não teme, e prova a verdade. Antes que pessoas inescrupulosas possam fazer qualquer associação entre o meu nome e o esquema da Lava Jato, quero deixar claro que meu nome aparece numa doação oficial, com CNPJ da campanha, e conta registrada no Banco Itaú, informada à Justiça Eleitoral, relativa à campanha de 2010, quando concorri para deputado federal”.
Anthony Garotinho

“Dr. Aluízio informa que foi surpreendido ao encontrar seu nome e de outros membros do PV vinculados a doações de campanha em 2012, relacionadas à empresa Odebrecht... Além disso, é importante esclarecer que todas as doações relativas à Campanha de 2012 foram declaradas à Justiça Eleitoral, tendo sido a prestação de contas aprovada sem ressalvas. Dr. Aluízio afirma que em momento algum recebeu qualquer quantia da citada”.
Dr. Aluízio

“O governador Luiz Fernando Pezão afirma que as contribuições feitas às suas campanhas eleitorais ocorreram de acordo com a lei. Além disso, todas as contas foram aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral”.
Luiz Fernando Pezão, pela assessoria

“Todas as contribuições das campanhas eleitorais do ex-governador Sérgio Cabral foram de acordo com o que estabelece a lei”.
Sérgio Cabral, pela assessoria

Procurado por e-mail, enviado à sua assessoria às 15h31, e por telefone, o vice-governador não se manifestou.
Francisco Dornelles

“Nas eleições municipais de 2012, ele não concorreu a nenhum cargo público. Na eleição de 2014, quando foi eleito deputado estadual, não constam doações da empreiteira ao candidato, nem de forma direta nem indireta, via partido. Picciani nunca foi chamado de grego. Até porque sua ascendência vem da Itália e da Síria – e não da Grécia”.
Jorge Picciani, pela assessoria

“1- Não disputei diretamente as eleições de 2012, ocasião em que fui candidata à vice-prefeita na chapa do deputado federal Rodrigo Maia. 2- A ajuda dada pelo meu partido à campanha do Rodrigo Maia foi absolutamente legal, registrada nas despesas do diretório do PR, nas receitas do comitê financeiro do candidato Rodrigo Maia e informada à justiça eleitoral. Tudo devidamente conforme a lei”.
Clarissa Garotinho

O advogado do prefeito, Augusto Werneck, afirmou que é sólida a situação das contas de campanha, mas garantiu que a doação não existe: “Sabino aprovou uma lei que restringe o pagamento com royalties e que reduziu em mais de cinco vezes os valores de pagamentos à Odebrecht. A empresa, inclusive, questionou (e perdeu) na Justiça essa lei. Isso demonstra a inconsistência do nome do prefeito nessa lista. Sabino não é ‘amigo’ da Odebrecht”.
Alcebíades Sabino

“Eduardo Cunha reagiu rindo e demonstrando tranquilidade em relação à planilha apreendida pela Polícia Federal com uma lista de doações a mais de 200 políticos do país, incluindo ele próprio. Ele disse não temer a delação premiada e garantiu não existir doação de caixa 2, ‘só de caixa 1’”.
Eduardo Cunha, pela assessoria

Procurado por e-mail, enviado à sua assessoria às 16h50, e por telefone, o senador petista não respondeu.
Lindbergh Farias

“O prefeito do Rio, Eduardo Paes, afirma que todas as doações às suas campanhas eleitorais — sejam aquelas feitas diretamente a ele ou via diretórios municipal, estadual e nacional do partido — ocorreram de forma oficial e legal e foram declaradas à Justiça Eleitoral”.
Eduardo Paes, pela assessoria

Superplanilha com 18 partidos

A Lava Jato encontrou na residência do presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Barbosa Silva Junior, no Rio de Janeiro, a maior relação de políticos (mais de 200) e partidos (18) associada a pagamentos de uma empreiteira até agora. As buscas fazem parte da 23ª fase da Lava Jato, a Acarajé, que teve como alvo o casal de marqueteiros João Santana e Monica Moura, que atuaram nas campanhas de Lula (2006) e Dilma Rousseff (2010 e 2014), e também o executivo da Odebrecht, apontado pelos investigadores como o canal de Marcelo Odebrecht para tratar de doações eleitorais e repasses ilícitos a políticos.

As planilhas são o mais completo acervo de repasses feitos pelo conglomerado do herdeiro Marcelo Odebrecht a políticos de 18 partidos. A cada nome, o documento da empreiteira atribui cifras. Ainda não se sabe se todos os valores atribuídos aos políticos foram de fato destinados a eles, nem se consiste em doação oficial ou caixa dois, mas é certo que os documentos são uma oportunidade inédita de desvendar os meandros do financiamento eleitoral no país. O conjunto de listas com anotações sobre destinação de dinheiro a partidos e candidatos mostra a capilaridade da Odebrecht como financiadora de detentores de cargo eletivo. A Polícia Federal ainda não analisou os dados a ponto de concluir se se trata da contabilidade paralela da construtora, conforme revelado pela secretária da Odebrecht e delatora da Lava Jato Maria Lúcia Tavares.

Para o cientista político Sérgio Praça, é inegável que este é um dos documentos políticos mais importantes dos últimos anos. “É uma aula sobre como atos corruptos se tornam escândalos. Caso a divulgação da lista se torne motivo para repensar nosso sistema eleitoral, é interessante analisar se os políticos brasileiros têm, por conta dos incentivos dados pelo sistema, mais propensão para realizarem atos corruptos”, comentou.

Obama — Nessa quarta-feira (23), em sua primeira visita à Argentina, o presidente dos EUA, Barack Obama, falou sobre a crise política brasileira. “O Brasil é um país grande, é amigo dos nossos dois países. Acho que os sistemas de leis e estruturas são fortes o suficiente para que isso seja resolvido de forma que o Brasil prospere e seja o líder mundial que é”, disse Obama.

“Passivo”, “Nervosinho” e “Lindinho”

As planilhas de pagamentos da Odebrecht que vieram a público nessa quarta-feira trazem apelidos curiosos para alguns dos envolvidos. O presidente da Câmara Federal, deputado Eduardo Cunha (PMDB), por exemplo, tem o apelido de “Caranguejo”. Nessa quarta-feira, ao comentar as listas, ele riu e disse que desconhecia a origem do apelido. “Não sei o que quiseram dizer com isso, quem apelidou é quem tem que dizer”, afirmou. Além de Cunha, há uma série de políticos com apelidos. O ex-senador e ex-presidente José Sarney (AP) é chamado de “Escritor” — ele também é membro da Academia Brasileira de Letras (ABL). Ao prefeito do Rio, Eduardo Paes, coube o codinome “Nervosinho” e o ex-governador Jaques Wagner é o “Passivo”. “Proximus” é o apelido do ex-governador Sergio Cabral. O presidente da Alerj, Jorge Picciani, leva a alcunha de “Grego”. Também recebem codinomes os senadores petistas Lindbergh Farias, o “Lindinho”, e Humberto Costa, o “Drácula”.

Outros apelidos curiosos na planilha da Odebrecht são os da bela deputada estadual Manuela d’Ávila (PCdoB), conhecida como “Avião”; o do deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE), o “Bruto”; o do prefeito de Goiânia Paulo Garcia (PT), apelidado de “Pastor”; e o de Jarbas Vasconcelos Filho, o “Viagra”. Há, ainda, alcunhas para políticos menos conhecidos nacionalmente. Daniel Almeida (PCdoB) é o “Comuna”; o também baiano Edvaldo Brito, o “Candomblé”; o deputado estadual gaúcho Adão Villaverde (PT) é “Eva”. O senador tucano Aécio era chamado nas planilhas pelo sobrenome: Neves.

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