?Nunca vi o Paraíba assim?
28/09/2014 11:09
Suzy Monteiro
Fotos: Genilson Pessanha e Welliton Rangel

“Nunca vi o rio assim”. Seja na água, através de pescadores, seja na terra, com produtores rurais, em São Fidélis, um dos municípios mais atingidos pela seca que atinge a Região Sudeste do Brasil há 10 meses, essa é afirmação unânime. A Defesa Civil municipal prepara um documento que será encaminhado ao prefeito Luiz Fenemê até terça-feira para que seja decretada emergência. Enquanto isso, continua a ameaça de transposição do rio Paraíba do Sul, proposta pelo Estado de São Paulo. O Sistema Cantareira, de acordo com o secretário estadual de Recursos Hídricos, Mauro Arce, com o atual volume de água do local só abastece a população até novembro. Porém, também vem de São Paulo a esperança. Segundo informou sexta-feira o secretário de Defesa Civil Henrique Oliveira, existe previsão de chuvas no estado vizinho para os próximos dias. O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) informou que, em conjunto com a secretaria de Estado de Ambiente (SEA), vem acompanhando e monitorando todas as consequências da estiagem.

O pescador Floriano Duarte Velasco, na atividade há 16 anos, depende exclusivamente para sustentar a família de duas filhas e uma neta. Ele conta que, semana passada, para conseguir retornar com o barco, precisou pedir ajuda a companheiros de pesca para quebrar algumas pedras e o barco se movimentar. Relata, também, que o mês de setembro é de grande quantidade de peixes, mas de tamanho menor. Agora, com a seca, há peixes maiores, mas em pouca quantidade.

— Tem muita alga também, os peixes menores não conseguiram fazer a piracema. Temos seguido até outros municípios para pescar, mas a quantidade é muito pequena. Se continuar assim, não sei o que será — lamenta.

Presidente da Colônia de Pescadores de São Fidélis, Sirley de Souza Ornelas corrobora as afirmações do pescador: “Nunca vi o rio assim. Setembro e outubro são meses em que a pesca está liberada e com maior quantidade. Dia 1º de Novembro começa o defeso, mas, diante desta situação, deveria ter iniciado um defeso emergencial”, opina, destacando que, normalmente, a média a cada pescaria é 15 a 20 Kg. Atualmente é de 3kg.

A Colônia de Pescadores de São Fidélis atua, também, sobre os municípios de Cambuci, Santo Antônio de Pádua, Aperibé, Miracema, Itaocara, Cantagalo e São José de Ubá. Sirley Ornelas diz que o problema é o mesmo em todos. Disse também que a pouca água pode prejudicar a desova dos peixes: “A seca do ano passado fez com que muitos peixes não desovassem. Pescamos muitos com as ovas ressacadas. Por causa da seca deste ano, os peixes ‘filhotes’ não estão conseguindo subir o rio”, contou, preocupado.

No campo, desânimo e alerta de calamidade

Mas, se às margens do Paraíba a seca já está provocando prejuízos, na zona rural de São Fidélis o que mantém viva a esperança é a possibilidade de chuvas para breve: “Já apagamos vários incêndios por aqui. Além disso, meu tio já perdeu cabeças de gado. Sou nascido e criado aqui e nunca vi uma situação como essa. Mas uma hora vai chover. Espero que seja logo”, diz o produtor Carlos Vilaça, de 63 anos, residente na localidade de Palmital.

Próximo à propriedade de Vilaça, Ricardo Muri Villemen acompanhava o trabalho do trator que abria um açude para tentar encontrar água e conseguir molhar sua horta:  “Tiro o sustento daqui. O que produzo vendo na cidade e já não há mais água para a plantação. O jeito foi apelar para o trator”.

Já Renato Seixas Alves, de 73 anos, tem cortado folhas de bananeira para alimentar o gado: “Os cachos de banana não estão conseguindo amadurecer direito. Então, estou usando as folhas para alimentar o gado. Tem que cuidar todos os dias, porque, se não, morre mesmo”, ensina.

Secretário de Agricultura de São Fidélis, Gilberto França Hentzy diz que a prefeitura tem enviado caminhões para “puxar” cana em Cardoso Moreira e Campos e alimentar o gado de produtores do município: “É muito pedido. Não estamos dando conta”.

Inea acompanha com muita preocupação

O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) informou que, em conjunto com a secretaria de Estado de Ambiente (SEA), vem acompanhando e monitorando todas as consequências da estiagem que assola a bacia do rio Paraíba do Sul – a maior já registrada dos últimos 84 anos – além de avaliar necessidade de intervenções para diminuir os riscos de abastecimento para os usuários Fluminenses: “O rio está com vazões mais baixas, inclusive no trecho que cruza o município de São Fidélis. Entretanto, não há risco de desabastecimento do município, provocado pelos baixos níveis do rio Paraíba do Sul”.

Em Campos, na última sexta-feira, o rio Paraíba do Sul atingiu sua menor cota da história: 4,55 metros, segundo informou o secretário de Defesa Civil Henrique Oliveira. A cota normal para esta época do ano é 5,30 metros, explicou.

Já o secretário de Agricultura do município, Eduardo Crespo, informou que a Prefeitura está auxiliando através do programa Patrulha Rural, que leva suas máquinas a várias partes do município para dar apoio à alimentação animal: “Estamos realizando serviços emergenciais, como tritura e transporte de cana para alimentação do gado, além de limpeza de bebedouros. Já atendemos a produtores das localidades de Cambaíba, Pitangueira, São Bento, Baixa Grande, Lagoa de Cima e aos Assentamentos Zumbi 2 e 3”, disse o secretário de Agricultura, Eduardo Crespo.

Transposição proposta é risco

Ameaçado pela seca que atinge todo Sudeste do Brasil, o rio Paraíba do Sul, que nasce na Serra da Bocaina, território paulista, está enfrentando outros perigos: um deles é a transposição proposta pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, no início do ano e rechaçada pelo governador Luiz Fernando Pezão. O Sistema Cantareira, em São Paulo, atingiu nível histórico sexta-feira: 7,2%, o mais baixo desde que a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) incorporou o volume morto. Outro risco é a construção da hidrelétrica de Itaocara, cuja licitação está prevista para novembro próximo. O ambientalista Aristides Soffiati é contra qualquer intervenção no Paraíba: “Ao contrário, precisamos recuperá-lo”.

Além do Cantareira, o sistema Alto Tietê também registrou queda de 0,2% e chegou aos 11,9% de capacidade. A represa do Guarapiranga recuperou 0,5% devido às chuvas, e agora opera com 52,6%. O Sistema Alto de Cotia caiu para 35%. Semana passada, o secretário de Estado de Recursos Hídricos, Mauro Arce, afirmou que a primeira cota do volume morto da Cantareira deve terminar em 57 dias, caso o nível siga recuando no ritmo atual.

— A capacidade de abastecimento da atual cota da reserva técnica vai até 21 de novembro com o volume que eu tenho — afirmou.

No último mês de agosto, a Agência Nacional de Águas editou a Resolução ANA 1.309, que é resultado de um acordo costurado entre a União e os três estados do Sudeste afetados pelo problema de falta de água (SP, MG e RJ). O documento autorizou a redução temporária da vazão mínima afluente à barragem de Santa Cecília, no rio Paraíba do Sul, de 165m3 para 160m3. De acordo com informação da assessoria da ANA, até o momento, continua valendo o prazo da Resolução — 30 de setembro.

Contra a Resolução, o Ministério Público Federal (MPF) em Campos move nova ação civil pública. A Procuradoria da República pede, também, a decretação de estado de calamidade pública na região banhada pelo rio Paraíba do Sul pelos próximos dois anos.

Ambientalista rechaça mais intervenções

O ambientalista Aristides Soffiati diz que nenhuma intervenção — transposição ou hidrelétrica — deve ser feita no Paraíba do Sul: “Temos dois problemas: um é a fragmentação do Paraíba com a transposição para abastecer a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Hoje, a vazão liberada do Paraíba é de 160 m3, sendo que somente 54m3 continuam para a região. O restante vai para a cidade do Rio de Janeiro. Entre Barra do Piraí e Três Rios é o trecho mais crítico do Paraíba, onde há apenas um filete de água. O outro Paraíba é o que nasce no Paraibuna e vai até Atafona”. Outro problema, explica Soffiati, é que a Região Sudeste enfrenta a pior seca da história. E, por precaução, nenhuma barragem pode mais ser construída: “Tem que se exigir o cumprimento do Plano de Recuperação da Bacia, que estabelece ações como reflorestamento, despoluição, economia de água. Temos que cuidar da bacia do Paraíba como um todo”, destacou.

Hidrelétrica é outra ameaça ao seu curso

A retomada do projeto da hidrelétrica de Itaocara foi anunciada este mês. A licitação para a construção da nova hidrelétrica foi anunciada pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para 28 de novembro e vai desviar água do Paraíba para Minas Gerais e voltar em outro ponto, com vazão menor. As unidades, incluindo a hidrelétrica Itaocara I, já haviam sido licitadas entre 2000 e 2002, mas não saíram do papel. A informação foi dada pelo presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, que anunciou o leilão A-5, que, além de Itaocara I, inclui outras duas barragens no rio Piriqui, no Paraná. A barragem prevista para Itaocara, no trecho médio-baixo do rio Paraíba do Sul, envolveria cinco municípios: Cantagalo, Santo Antônio de Pádua, Itaocara e Aperibé, no Estado do Rio, e Pirapetinga, em Minas Gerais.

Diretor do Comitê do Baixo Paraíba, João Siqueira disse que a questão começará a ser discutida durante reunião marcada para o próximo dia 9.

Sobre a hidrelétrica, a assessoria da ANA informou que “a UHE Itaocara I já teve sua Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH) emitida pela Diretoria da ANA, resultando na Resolução 1404/2013. Até o momento não deu entrada na Agência o pedido de conversão desta DRDH em outorga”.

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