Almy Júnior e Arthur Soffiati: O veto entre a política e ciência
Aluysio Abreu Barbosa, Cláudio Nogueira, Gabriel Torres e Hevertton Luna 23/08/2025 09:22 - Atualizado em 23/08/2025 09:22
Almy Júnior e Arthur Soffiati
Almy Júnior e Arthur Soffiati / Reprodução
Derrubada do veto

Almy Júnior - “A gente mantém a esperança, mas sabe que não é uma tarefa fácil. Pelo que eu soube, tem vetos para serem votados desde quando o Bolsonaro era presidente da República. E tem só uma sessão por semestre para derrubadas de vetos. E o que nós temos mais, ultimamente, é o veto presidencial, porque o Congresso anda aprovando de tudo. Então, talvez, também tem aquele outro lado, Soffiati. Mais importante para o governo, por exemplo, é o PL da devastação. Eu pergunto onde é que estão os representantes federais do governo, que estão na cozinha do presidente da República, no Rio de Janeiro, quando esse veto foi assinado? Líder na Câmara Federal, secretário nacional que estava ali. A gente pensa assim, e o Rio de Janeiro estava onde? Não são só os deputados estaduais. Eu me preocupo é com a importância que os representantes políticos do Rio de Janeiro dão para nossa região e para nossos temas. Esses dois que nós colocamos aqui, eu e o professor Soffiati. A questão da preservação ambiental, da segurança hídrica e do desenvolvimento agropecuário, que não são tarefas para um município. São tarefas pro governo federal e para o governo estadual. Então, assim, eu não tiraria, tudo bem, pode ter sido, olha, o secretário da Casa Civil é o último a olhar esses processos. A gente sabe como é que funciona na política. Concordando que no final é a política. Mas e nós? Não dá pra entender alguém contra algo que vai trazer um benefício pra região. Só no Rio de Janeiro. O relator foi o Romário e o Carlos Portinho. Temos três senadores do PL no Congresso Brasileiro. Minha pergunta final desse programa, pra deixar para população regional, pra nossa região, pros prefeitos: e nossos representantes em Brasília? Aqueles que têm cargos importantes e que estão próximos do presidente da República, de dizer o seguinte, este veto não traz nenhum transtorno para a república brasileira”.

Arthur Soffiati - “A questão agora é convencer a maioria do Congresso a respeito do valor desse projeto de lei. E eu acho que é algo muito difícil a gente conseguir. Por que eu acho difícil? Porque o quórum tem que ser maior. Segundo, porque é uma questão que em Brasília é uma questão regional, não é uma questão nacional. Eu não estou vendo muita possibilidade não. Desculpe o secretário, mas não estou vendo muita probabilidade de uma derrubada do veto do presidente em relação a esse projeto de lei. Acho que seria interessante entrar com outro, trazendo alguma coisa que atenuasse mais”.

Mudanças climáticas

Almy Júnior - “Não temos dúvida dessa concepção de aridez que temos na região. As notas técnicas do Cemaden e do Inpe dizem claramente, do ponto de vista estrito-senso, de média, eu posso dizer que o clima não é semiárido, não temos caatinga, a gente é um detalhe de subúmido seco. Mas a gente não pode mais ficar na matemática de 100 anos atrás, que a gente classificava as coisas de um processo. O Lula errou no veto quando ele falou da nota técnica que determina a Sudene classificar alguns movimentos, que é a 125 de 2007. Primeiro que a gente não falou da Sudene. Segundo que a Sudene não pode ser aquela instituição que classifica clima no Brasil e no mundo, ou no Brasil especificamente. A Sudene é Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. Ela não é daqui. O Lula usou essa característica e usou a outra de falta de orçamento para o seguro safra. Essas duas características. Em nenhum momento houve questionamento das condições climáticas nossas. Nos últimos 30 anos, a gente choveu em quatro meses e não choveu em oito meses. A Sudene trabalha e financia vários estados brasileiros que não atendem estrito senso o que que é o clima semiárido. O norte do Espírito Santo, a região leste de Minas Gerais. Se você olhar o mapa do Brasil, semiárido pega uma pontinha de Minas lá, nem a Montes Claros chega. O Vale do Jequitinhonha e o que pega na divisa com a Bahia não é semiárido pelo que o INPE estabelece”.

Arthur Soffiati - “Eu reconheço de fato todos esses dados que têm sido reunidos pela UENF com relação a precipitação pluviométrica, evapotranspiração, reconheço tudo. Acho que de fato mudou. Agora eu pergunto por que mudou? Acho que a gente está sofrendo já as consequências das mudanças climáticas mundiais que os cientistas das universidades recusaram durante muito tempo. Dizendo que se tratava de alguma coisa que não tinha comprovação ou que negavam, simplesmente ignoravam ou negavam. Simplesmente que as mudanças climáticas causadas pela ação humana estavam afetando já a economia que produziu essas mudanças. Eu aleguei que o Norte e Noroeste Fluminense contribuíram minimamente pra essas mudanças também na medida em que drenaram demais, que desmataram demais e que essa contribuição estava voltando pra região como um efeito bumerangue. Mas isso aí ainda não seria um argumento muito forte. Eu digo que os pontos de conservação de umidade na região estão sendo suprimidos cada vez mais. De novo, fazendo duas viagens a Itaperuna, antes de ontem. Dá pra verificar claramente que, de fato, eu passei em frente à usina Sapucaia e o que eu encontrei lá? Fogo em Canavial. Quer dizer, fogo resseca também. O que eu encontrei lá? Encontrei resquícios de matas secas. Aquela, eu sei que na margem esquerda do Rio Paraíba, a mata atlântica se apresenta de uma maneira mais seca do que na margem direita. Mas a secura era muito grande, o desmatamento muito grande, a drenagem muito grande. Então eu também não estou condenando o passado. Eu acho que no passado entendia-se que desmatar e drenar era civilizar o território”.

Dados científicos

Almy Júnior - “Não é uma coisa contra a outra. O projeto de lei, e eu entendo que ele era tão importante para que a gente reconhecesse o drama que a gente vive, e foi bom, nós estamos aqui agora debatendo porque teve um projeto de lei que traz. Primeiro, a gente precisa dizer o seguinte, não está chovendo menos. É de 800, 900, já tivemos 500 milímetros lá em 2015. Tivemos 1.200 milímetros no ano passado. Só que dos 1.200 milímetros do ano passado, 800 milímetros choveu em três meses. O que tem, são dados científicos, é que cada vez mais temos mais dias por ano sem chuva. Aí é que está o drama”.

Arthur Soffiati - “Eu acho que fica muito difícil a gente tirar completamente a política da ciência. O que a gente pode pensar melhor é que a técnica, a ciência, devem prevalecer sobre posições políticas. Porque acho que a gente não vai conseguir nunca tirar posições políticas da ciência, mas pode atenuar isso porque vejo que há muitas pessoas que opinam a respeito da ciência que não tem conhecimento nenhum. Eu tenho sido sondado recentemente por partidos políticos para saber o que eu penso. Esses partidos se posicionaram ou para saírem dessa posição, quer dizer, não aceitaram o que eu estou falando. Mas então eu acho que a gente tem que fortalecer a questão da ciência, sem pensar que a gente vai poder se livrar completamente, que vai haver a ciência pura. O que é a ciência pura? A ciência pura é sem seres humanos. Não existe. São os seres humanos que fazem. Os seres humanos têm sempre uma posição”.

Reações ao veto

Almy Júnior - “ Vejo muito colega da academia agindo como se acreditasse em cloroquina, desculpa a dureza. Se o projeto for de fulano, fulano é de direita, sou contra. O que mais vi nisso, no projeto de lei 1440 de amigos. Isso não pode. Sem avaliar, sem ver o dado, sem ver as informações, sem discutir mudanças climáticas. Criminalizar o passado? O Soffiati começou de uma maneira perfeita. O que era o passado? Não dá para ir lá e criminalizar. Era o que era permitido, era possível. Não vou pegar o meu pai, o meu avô, o meu bisavô e transformá-lo em criminoso. E o pior é transferir, se ele por aventura cometer um crime, para o meu futuro, para o meu filho. É um negócio esquizofrênico. O que a gente espera da ciência é a ciência. E a gente ouve, então, essa coisa. Isso tem que acabar. Obviamente que tem gente aí fazendo besteira em todas as áreas. Esse é o primeiro ponto. Eu estou na atividade lá na universidade, eu estou secretário, mas a minha função é ser filho de produtor rural, de agricultor que vive sofrendo. O dia que eu falei que ia fazer agronomia virou um bicho comigo, porque é um sofrimento. É um sofrimento viver na atividade agropecuária. Tem gente ganhando dinheiro? Tem, mas é um sofrimento. Vai lá no curso de agronomia da Uenf, que tem vagas sobrando. Essa é a realidade. É muito fácil ficar lá na cadeirinha dando sugestões que não são nem pautadas pela ciência. Então, a gente tem que primeiro pensar nisso. Acho que é esse o propósito maior, porque o Rio de Janeiro criminaliza muito o agricultor e a agricultura de parte a parte. É assentado que não trabalha, é a monocultura da cana, que nem monocultura temos mais. Então, esse é um ponto. A gente pode trabalhar isso de uma maneira mais eficiente, com sustentabilidade ambiental. Têm sido feitos movimentos, mas o debate precisa ser menos apaixonado e menos romantizado. Vá visitar os assentamentos rurais para ver que situação dramática. E que fica mais fácil jogar no colo das prefeituras, quaisquer que sejam elas. Isso não pode ser dessa forma. Então, acho que a gente pode fazer esse movimento de ajudar. A gente fala de agricultura orgânica, aí todo mundo dando palpite. Outro dia, eu estava em um debate na Faculdade de Medicina falando disso. A hipocrisia que é a agricultura orgânica, sabe? Cheia de plástico, isopor para todo lado. Então, a gente precisa ter um fundamento de não estar do lado da ciência, de debater a ciência agrária dos lados. E o PL 1440 foi fundamentado na ciência, nos dados, na mudança climática, naquilo. Começou com o professor Carlos Mendonça, com uma demanda provocada por um deputado federal da região, que levou ao Congresso Nacional, que passou em todas as instâncias, que não tiveram questionamento sobre o aumento do índice de aridez. Acabou. Acho que é isso. A gente pode trabalhar no sentido de e precisamos fazer preservação ambiental”.

Arthur Soffiati - “A gente pode condenar a escravidão. A gente não pode resolver o que está lá no passado. O que a gente pode fazer hoje é quais são as sequelas que ela deixou. Vamos atacar essa questão. Quais são as sequelas que a monocultura predatória deixou. Por isso que estou nessa linha. O que sobrou pra gente de uma grande monocultura em que as pessoas ficavam assim deslumbradas com aquilo tudo, se não uma boa parte de destruição?. Vamos cuidar dessa parte. A gente destruiu o ecossistema, se a gente acabou com a umidade, vamos trabalhar agora nesse sentido também de restaurar. No futuro vão dizer, vocês fizeram coisa errada, então tratem no futuro de consertar o que a gente fez. Mas não ficar condenando a gente que nesse momento acha que o que está fazendo é o correto. Então a gente vai estar sempre politizado. No final é isso, mas de uma maneira bastante ponderada, entendendo que a gente deve proteger a ciência e considerar bem a ciência”.

Cuidados com o solo

Almy Júnior - “A gente tem avanços acontecendo aí em culturas mais resistentes, mais tolerantes à seca. A cana é uma, o abacaxi é outra, a mandioca é outra. Tem tido avanços. A bovinocultura acaba sendo uma alternativa, apesar do grande problema de pastagem degradada. A gente começa a ter a produção de leite já em confinamento, mas com produção de alimento. Não é o eucalipto. E um grande debate é que quem planta eucalipto, estas empresas com certificação mundial, são obrigados, como o produtor acaba, às vezes, não fazendo, a preservar nascentes, a fazer caminhos de preservação da mata atlântica. Já têm sido feitos alguns plantios de recuperação de uns feixes que precisam dessa certificação mundial”.

Arthur Soffiati -” Eu acho que o eucalipto tem que ser entendido como lavoura, não tem que ser entendido como reflorestamento. É silvicultura e tem que ser restrito a certas áreas, não uma monocultura em larga escala em toda a região. Tem que haver proteção com relação aos perigos que ele pode representar. Folha seca, aí vão dizer assim, mas tem sempre alguém que vem com fósforo e coloca fogo. Sim, coloca fogo, agora se a gente pegar um fósforo e colocar na água, ele não prospera. Então, ele tem que encontrar combustível, essa que é a questão, e o eucalipto fornece bastante. Foi essa a questão que eu coloquei aí. Foi o risco que ele pode representar, assim como a cana-de-açúcar, por exemplo, em que se coloca fogo de propósito e pega”.

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