Nova reunião do Comcultura apresenta Carta e define comissão
07/07/2021 | 09h59
Realizada ontem (6), a reunião ordinária do Conselho Municipal de Cultura de Campos (Comcultura) deu continuidade aos assuntos tratados na extraordinária da última sexta-feira (2), que deliberou sobre a proposta do prefeito Wladimir Garotinho (PSD) de entregar a administração do Parque Alberto Sampaio à Associação dos Evangélicos de Campos (AEC), passando a chamá-la de “Praça da Bíblia”.
O Parque abriga um anfiteatro que foi batizado, desde 2017, com o nome do diretor teatral, poeta e carnavalesco Antônio Roberto de Góes Cavalcanti, o Kapi (veja aqui), morto em 2015, o que levou a muitas manifestações da classe artística e cultural do município (veja aqui), e motivou a reunião extraordinária do Comcultura, onde foi definida a criação de comissão para acompanhamento das discussões, a confecção de uma Carta Aberta pelos conselheiros, a realização de um “abraço” com artistas e agentes culturais contornando o anfiteatro, e outras manifestações de apoio à memória de Kapi (veja aqui).
Na reunião de ontem, a comissão foi formada e ficou responsável pela intermediação com o Executivo, o Legislativo e a AEC. Nela estão Marcelo Sampaio, Cristina Lima e Fabrício Simões, representando a sociedade civil, e Fernanda Campos, Gilberto Totinho e Sandro Silva, representando o poder público. Além da comissão, a Carta foi apresentada aos conselheiros e público ouvinte, onde sofreu intervenções. Entre elas, a do arquiteto Renato Siqueira, membro do Observatório Social de Campos, que ressaltou o papel do Parque Alberto Sampaio como equipamento urbano "também propicia manifestações culturais", mas  que caracteriza ainda "um dispositivo de qualificação ambiental, além de espaço às atividades esportivas e contemplativas com as suas instalações e dispositivos". Uma nova carta está sendo confeccionada (o blog pediu acesso ao seu conteúdo e será publicado aqui, assim que tivermos conhecimento).
Foi deliberada ainda a realização de uma homenagem ao artista plástico João de Oliveira, morto este ano (veja aqui), na reabertura do Palácio da Cultura, fechado desde 2013 (veja aqui). Sobre o Palácio, foi solicitado que a presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), Auxiliadora Freitas, dê informações sobre a previsão de conclusão dos trabalhos para reabrir.
A Carta apresentada na reunião
Na reunião foi apresentada a primeira versão da Carta que será encaminhada ao poder executivo. Abaixo, uma reprodução do documento:
"O Comcultura (...) busca abrir diálogo com o Programa Amigos da Cidade. Objetivamos abordar tanto especificamente a parceria que tem por objeto o Parque Alberto Sampaio, quanto possíveis desdobramentos futuros em relação às praças da cidade que poderão ser objeto de parcerias no âmbito do mesmo programa. O Comcultura faz este movimento de diálogo com base nos preceitos democráticos entendendo seu papel na gestão pública e na sociedade (...).
Em 28 de junho de 2021, a cidade tomou conhecimento por meio da imprensa e dos canais oficiais da prefeitura de que, no âmbito do Programa Amigos da Cidade, foi assinado Termo de Compromisso entre a Prefeitura de Campos e a Associação Evangélica de Campos "que estabelece  um convênio para recuperação, uso e manutenção da arena do Parque Alberto Sampaio". A notícia causou apreensão em parte da sociedade campista em relação a pelo menos dois pontos apresentado na notícia: 1. a substituição do nome do anfiteatro do Parque, que de Antônio Roberto de Góes Cavalcanti Kapi passaria a chamar Praça da Bíblia; 2. Se os novos usos que serão dados à arena pela Associação afetaria a pluralidade de crenças e expressões naquele espaço". 
"Imediatamente foi convocada reunião extraordinária do Comcultura para debater o tema (...), já havia sido anunciado que o anfiteatro não teria o nome alterado, porém as preocupações com relação aos os usos dados ao Parque permaneciam. A preocupação central deste Conselho  é garantir que todas as formas de expressão cultural sejam viabilizadas nos espaços públicos da cidade, e que não sofram impedimentos de ordem religiosa ou ideológica. Assim, buscamos o diálogo para garantir que as diversas manifestações continuem tendo acesso ao Parque Alberto Sampaio, e não apenas aquelas ligadas diretamente a denominações cristãs. 
(...)
"Em vista do que foi exposto, o Comcultura propõe para o diálogo os seguintes pontos:
1. Solicita que a gestão do anfiteatro Kapi, localizado no Parque Alberto Sampaio, passe à responsabilidade da FCJOL. Uma vez que é um importante equipamento cultural da cidade, será um feito relevante da gestão pública oferecer a ele instrumentos de gestão que no recupere do abandono de décadas.
2. Solicita agenda com a Secretaria responsável pelo Programa Amigos da Cidade (...). 
3. Solicita que os planejamentos realizados para manutenção e uso das praças da cidade incluam representação da FCJOL/Comcultura (...).
(...)".
Nota: esclarecemos que esta é a primeira versão da Carta, apresentada na reunião. Algumas alterações foram sugeridas e nova Carta está sendo confeccionada. O blog pediu acesso ao documento, porém não o obteve, sendo feito uma reprodução do que foi apresentado inicialmente na reunião do Comcultura.
 
 
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Parque Alberto Sampaio: a solução passa pela transparência
05/07/2021 | 10h04
Parque Alberto Sampaio (Foto: Luiz Macapá/Supcom)
Parque Alberto Sampaio (Foto: Luiz Macapá/Supcom)
Toda celeuma que envolve o Parque Alberto Sampaio não pode ser atribuída somente ao governo atual. O espaço está abandonado há pelo menos 20 anos. Em sua inauguração, em 1988, “Arena conta Zumbi” era encenada no anfiteatro do Parque. O saudoso diretor teatral Antônio Roberto de Góes Cavalcanti, o Kapi, assinava a peça e veio a batizar aquele palco, em 2017 (por força de lei), dois anos após a sua morte. Levando a crer que aquele espaço público era destinado à cultura e às artes. Mas, a crença não resistiu ao tempo, às crises financeiras e a falta de políticas públicas, levando embora o “respeitável público” do Parque.
A possível responsabilização do governo atual sobre a polêmica recai sobre a insensibilidade de renomear um espaço batizado por um nome tão relevante à cena cultural contemporânea em Campos. E ainda forçar — numa emenda que saiu pior que o soneto — uma convivência pacífica entre dogmas religiosos e a liberdade artístico-criativa. Além da insensibilidade, faltou transparência. Os termos do acordo com a Associação Evangélica de Campos (AEC) não foram apresentados, as contrapartidas não ficaram claras e a liberdade de culto e a laicidade do Estado parecem não terem sido respeitadas.
O acordo, em tese, é amparado pelo programa municipal “Amigo da Cidade”, regulamentado pelo Decreto 038/2021, que prevê “o recebimento de doações de bens móveis e serviços, de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado pelos órgãos e entidades da administração pública municipal”. O mesmo decreto exige, em seu artigo 7º, que “o órgão público municipal interessado realizará o chamamento público”. Não faltaria esse detalhe na cessão de um Parque localizado na área central da cidade (ou mesmo em outro local)?
Em um município que vive crises financeiras recorrentes — das quais também não se pode responsabilizar somente o governo atual — buscar parcerias para revitalizar espaços públicos abandonados é essencial e bem vindo. Associações religiosas podem receber a cessão de espaços públicos, desde que não impeçam a livre manifestação de culto, que é uma garantia constitucional. O que é esperado do poder público — onde se inclui a Câmara de Vereadores — é a transparência em suas ações e a possiblidade de diálogo, das diversas correntes sociais. É o que esperam as igrejas e a cultura — e Kapi.
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Reunião do Comcultura aprova Carta Aberta, "Abraço", Comissões e pede Audiência Pública
02/07/2021 | 11h19
A reunião extraordinária do Conselho Municipal de Cultura (Comcultura), finalizada às 22:10h desta sexta (02) — que teve pico de 53 participantes, entre conselheiros e ouvintes — deliberou sobre a proposta do prefeito Wladimir Garotinho (PSD) de entregar a administração do Parque Alberto Sampaio à Associação dos Evangélicos de Campos (AEC), passando a chamá-la de “Praça da Bíblia”. O espaço público abriga um anfiteatro que foi batizado, desde 2017, com o nome do diretor teatral, poeta e carnavalesco Antônio Roberto de Góes Cavalcanti, o Kapi (confira aqui), morto em 2015, o que levou a muitas manifestações da classe artística e cultural do município (confira aqui), e motivou a reunião do Comcultura.
Após a abertura e falas iniciais — unânimes em defender a memória do diretor teatral —, franqueadas aos ouvintes, iniciou-se a discussão dos pontos para aprovação dos conselheiros (veja proposta do governo aqui). Entre os mais polêmicos, foi decidido, com 18 votos favoráveis, pela criação de duas comissões para acompanhamento das discussões, uma no Legislativo e outra no Executivo municipal (para a efetivação da cessão e da renomeação do espaço público, é necessário aprovação na Câmara de Vereadores). Além das comissões, foi aprovada a confecção de uma Carta Aberta e a realização de manifestações em rede social, pelo Conselho. Na Carta deverão conter um pedido para que o governo apresente o projeto de uso e que a gestão passe a ser feita pela FCJOL e pelo Comcultura. As comissões deverão ser formadas, com eleição de seus representantes, em nova reunião do Conselho, marcada para a próxima terça-feira (6).
Foram aprovadas pelos Conselheiros, também, a realização de “manifestações de carinho” pelo anfiteatro que leva o nome de Kapi. Entre elas um “abraço”, com artistas e agentes culturais contornando o local, além de uma exposição que relembre as peças teatrais e poemas do artista, exposta no anfiteatro. A conselheira Aline Portilho, titular da Câmara de Instituições de Ensino Superior, indagou sobre a existência de “plano de ação” e do termo de cessão: “Como fica essa relação com a FCJOL, caso o espaço seja realmente cedido e mude de nome? Existe termo de cessão? Está claramente esclarecido (o uso do espaço)? Haverá audiência pública?” questionou a conselheira.
A comissão que acompanhará o assunto no Legislativo deverá solicitar a realização de Audiência Pública para discutir o assunto com mais profundidade, e auxiliar na decisão dos vereadores. A conselheira Iara Souza, suplente na Câmara de Teatro, lembrou que podem existir diversos “conflitos de interesses” no uso do espaço — pela associação de evangélicos e dos artistas. O titular da mesma Câmara, Fabrício Simões, lembrou que a Constituição Federal veda o que ele chamou de “privatização do espaço público”.
Auxiliadora Freitas, presidente do Comcultura e da FCJOL (veja mais aqui sobre sua posição), e Katia Macabu diretora executiva das Artes e Culturas, presentes na reunião, defenderam a democratização do uso dos espaços públicos, mas também a necessidade de revitalização, e alegaram que não foram consultadas pelo governo. Ressaltaram a importância de preservar a memória de Kapi e de defender os espaços culturais em Campos.
A ouvinte Nilza Gabby, professora da UENF, defendeu uma praça para todos: “A praça deve ser dos espíritas, dos agnósticos, dos holísticos, dos universalistas, dos mormons, dos ateus...A praça é de todos. Não dos evangélicos. Quem administra e conserva é a gestão pública. Quero estar apoiando o Governo, mas isso não”. Simonne Teixeira, também professora da UENF, reafirma a necessidade de audiência pública: “penso que qualquer decisão sobre a praça deve acolher as reivindicações aqui apresentadas e, neste sentido, apoio a necessidade de uma audiência pública”.
 
 
 
 
 
 
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"A emenda saiu pior do que o soneto!" Diria o poeta Kapi?
30/06/2021 | 08h58
“Um profeta da arte e cultura de Campos, como diretor teatral, poeta, carnavalesco e turismólogo” (Aluysio Abreu Barbosa), chamado Kapi.
“Um profeta da arte e cultura de Campos, como diretor teatral, poeta, carnavalesco e turismólogo” (Aluysio Abreu Barbosa), chamado Kapi.
 
Quando o prefeito Wladimir Garotinho anunciou, segunda (28), a entrega do Parque Alberto Sampaio à Associação Evangélica de Campos (AEC) (confira aqui), e que ali passaria a se chamar “Praça da Bíblia”, logo foi lembrado, pela classe artística e cultural da cidade, que o anfiteatro abrigado ali já tem nome — por força de lei —, homenageando seu criador, “um profeta da arte e cultura de Campos, como diretor teatral, poeta, carnavalesco e turismólogo”, chamado Kapi, morto em 2015.
Conta-se que a expressão a emenda saiu pior do que o soneto nasceu quando o poeta português Manuel de Bocage recebeu um soneto para que marcasse com uma cruz cada erro que encontrasse. Havia tantos, porém, que ele o devolveu tal qual o recebeu. O que já estava ruim ficaria ainda pior, caso remendado. Estivesse vivo, não seria de se estranhar caso Kapi se apropriasse da expressão de seu colega português para repelir a nova proposta do prefeito após as manifestações de hoje (veja algumas no blog Opiniões, de Aluysio Abreu Barbosa).
“Vamos manter o nome de Kapi no anfiteatro que ele inaugurou e batiza. E manter a parceria com a AEC(...). No espaço entre o anfiteatro Kapi e onde o Camelódromo funciona provisoriamente, passará a se chamar Praça da Bíblia”. Assim o prefeito emendou o soneto.
Já o ator Alexandre Ferram — talvez dirigido por Kapi de outros palcos — falou "por ele" hoje, em rede social: “Não sei o que é pior. Um palco com nome de Kapi sendo ocupado pra realização de cultos evangélicos é no mínimo desonrar a memória do artista que ele foi. Nesse caso é melhor tirar o nome dele disso, já que a administração pública, pelo visto, mantém sua decisão sem nenhuma consulta e discussão prévia com a comunidade”.
A arquiteta campista Carla Aparecida, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do Instituto Federal Fluminense (IFF), diz que “um espaço público só é de fato eficaz e seguro se nele coexistirem diversos usos, e pra isso, tal espaço precisa ser atrativo a população”. Sobre o Alberto Sampaio, salienta que as “intervenções” no parque fizeram com que ele perdesse essas características. “A construção da Ponte Leonel Brizola; a área destinada ao estacionamento privativo; o gradeamento; e a locação do Shopping Popular, o isolaram da malha urbana, não sendo acessível e muito menos seguro”.
— O Parque Alberto Sampaio está há anos sendo sufocado pelo poder municipal para fins que contemplam apenas uma minoria. É vital que a cidade seja democrática e justa, com a população sendo incluída na construção desta. Em São Paulo, coletivos como “A cidade precisa de você”, já se organizam em redes colaborativas da sociedade civil em conjunto com o poder público para transformar, ativar e melhorar seus espaços públicos. Conceder a conservação do Parque Alberto Sampaio a um único ‘fazedor cultural’ é apenas mais uma intervenção que nos afasta de uma construção coletiva do espaço — finaliza a arquiteta.
Com a palavra, o Comcultua
Para tentar emendar a emenda de um soneto que Kapi parece ainda escrever em Campos, o Conselho Municipal de Cultura (Comcultura) de Campos convocou reunião extraordinária para às 16h desta sexta (02), onde a nova proposta de Wladimir será apresentada oficialmente à classe artística e cultural do município. Em um Estado ainda laico e em uma Campos ainda com grande relevância cultural, anfiteatros e praças devem permanecer como espaços realmente públicos e plurais — abertos à qualquer manifestação, portanto. Que intervenções são necessárias para que sonetos sejam novamente recitados no local, não resta dúvida. O duvidoso — que quase passa a ser certeza se olharmos para o Mercado, ali ao lado — é se intervir passou a ser sinônimo de descaracterizar em Campos.
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Edmundo Siqueira

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