Campos e o Cinema
11/03/2022 | 10h36
Divulgação


Campos é uma cidade de cinema. Não só por sua história — que certamente daria um filme —, mas por ter sido território ocupado por quase 70 salas de cinema de rua, nos anos 1960 e 70. E com uma característica primordial: a descentralização. De Santo Eduardo ao Centro, passando por Saturnino Braga, indo até Dores de Macabu; praticamente em todos os distritos era possível ver uma sala de cinema.
Hoje, Campos conta com modernas e confortáveis salas de cinema em shopping centers. Nesse fevereiro que passou, Guarus recebeu uma delas, no também recém-inaugurado Plaza Shopping. O primeiro cinema daquele que é um dos bairros mais populosos do município. Cinema com os padrões comerciais. Mas já nos anos 1950, lá estava instalado, e projetando a sétima arte, um charmoso cinema de rua.
O período de crescimento econômico que Campos experimentou, trazido pela indústria sucroalcooleira, propiciou que vários espaços culturais na área central do distrito-sede fossem abertos — e vivenciados. Cafés, livrarias, teatros, bandas de música e cineteatros efervesciam a cidade. A imprensa era ocupada por profissionais gabaritados e dava espaço à intelectualidade campista. O Café High Life e o Cine Teatro Trianon eram palcos elitizados de convivência e cultura. Os distritos levavam cinema aos moradores, servindo como equipamentos culturais descentralizados.
Apenas três distritos não possuíram registros de cinemas de rua: Ibitioca, São Joaquim e Dr. Matos (estes dois últimos extintos na divisão geográfica atual), como informa Joilson Bessa, poeta e mestre em geografia pela UFF Campos. Em seu trabalho de mestrado, Bessa verificou que a sala de cinema de rua mais antiga foi em Goytacazes, então 2º distrito, em 1930. Por lá o maior cineteatro da área rural de Campos, o Cine Teatro São Gonçalo, projetava filmes e documentários.
Nos anos 1950, mais 14 salas eram inauguradas. Duas décadas mais tarde, somavam-se 68 salas de cinema em Campos — 20 na sede, 48 na área rural. Deste ápice, o declínio levou a duas salas apenas, em meados dos anos 1980. O Cine Capitólio e o Goytacá sobreviviam bravamente, até deixarem de existir. O primeiro em 2001 e o segundo vendido para uma igreja evangélica nos anos 1990.
Sem cinema algum entre os anos de 1996 a 1999, a cidade começa a receber as salas de exibição modernas nos anos 2000. Em 2012, o shopping Avenida 28 inaugurava o Kinoplex, uma das maiores redes do país, depois de ter no mesmo local o Cine Ritz e o Cine Magic.
Vale lembrar que a Casa de Cultura Villa Maria tinha uma videoteca charmosa, que ficou acessível a qualquer campista em 1995. Com mostras de cinema e apresentação de filmes que não estavam no circuito comercial de cinema, a Villa foi uma espécie de cinema popular por quase seis anos.
Campos voltando a ser uma cidade de cinema
Os três principais shoppings da cidade contam com grandes salas de cinema, hoje. Ainda há muito para ser trabalhado em descentralização de arte e cultura em Campos, mas “o outro lado do rio” já pode comer pipoca e assistir projeções com padrões modernos. As grandes estreias cinematográficas são exibidas na cidade, sem qualquer prejuízo em comparação com as capitais.
O que não significa dizer que os ditos “cinemas de rua” não tinham qualidades; tanto na escolha das películas como nos equipamentos de exibição. O Trianon e o Goitacá suportavam mais de 1000 cinéfilos iluminados apenas pelos raios de projetores 35 mm — o mesmo utilizado no Capitólio, Coliseu, São José, Drive In e Dom Marcelo, que poderiam acomodar mais de 500 pessoas.
O cinema em Campos também passou também pela academia. Ou quase. A Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), que foi projetada por Darcy Ribeiro para ser uma universidade do terceiro milênio, tinha em seu projeto inicial uma escola de cinema. O Solar do Colégio, que hoje abriga o Arquivo Público, seria a sede da Escola Brasileira de Cinema e Televisão. O projeto não foi à frente, mas caso esse sonho de Darcy se tornasse realidade, Campos certamente seria um polo de produção cinematográfica de excelência, como é o ensino da Uenf em outras áreas.
Mesmo não sendo possível a realização do "sonho de cinema" de Darcy, a sua Uenf foi o local escolhido para a pré-estreia do curta-metragem campista “Faroeste Cabrunco”. Na última quarta-feira (9), o curta foi projetado no Centro de Convenções da Universidade. Com um nome “da gema”, o faroeste é estrelado por Tonico Pereira, ator de renome nacional, também campista.
Um cinema, seja de rua ou grandes salas comerciais, não são políticas públicas culturais. Estas são complexas e devem obedecer a parâmetros abrangentes, emancipatórios e democráticos. Mas voltar a ser uma “cidade de cinema” é fundamental para a formação de identidade e fortalecimento da cultura campista. Que a cidade, que ainda não realizou um dos sonhos de Darcy, possa ser (voltar a ser, ou ser ainda mais) uma cidade com cinema “pra cabrunco”.
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Sobre o autor

Edmundo Siqueira

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