Todos pagam pelo "gato"
22/06/2021 | 10h24
Em qualquer comunidade no Rio de Janeiro uma cena comum se repete, o emaranhado de fios que chegam e partem de postes. Em alguns a quantidade é tamanha que certos locais parecem estar cobertos de fios. Não é algo que começou agora, mas segundo comunicado da Light, empresa responsável pelo fornecimento de energia elétrica na capital, piorou muito desde o início da pandemia. Segundo informe feito a investidores pela empresa, as perdas “não técnicas” foram as mais elevadas nos últimos cinco anos. Esse termo serve para designar as perdas por fraudes e furtos de luz, os famosos “gatos”. Segundo a empresa, de abril de 2020 a março de 2021 foram desviados 7.134 gigawatt-hora (Gwh), suficientes para abastecer todas as residências do Estado do Espírito Santo por quase três anos.
O que poucos sabem é que esse prejuízo não é assimilado pela empresa e muito menos diminui seus lucros. Conforme estabelecido no contrato de concessão, esse prejuízo é repassado para os usuários da rede de energia elétrica. Ou seja, todos aqueles que pagam suas contas de luz corretamente acabam dividindo entre si as perdas causadas pelos desvios. E não é pouca coisa. Para continuar citando a Light como exemplo, que é responsável por entregar energia a 64% da população fluminense, mais da metade da energia que a empresa fornece a consumidores de baixa tensão (residências e pequenos comércios) é desviada. Isso faz com que a conta de luz no Rio de Janeiro seja uma das mais caras do país.
Mas o quanto isso gera de gasto? Segundo estimativas, os clientes atendidos pela Light pagam cerca de 10% a mais pela energia consumida somente para compensar os “gatos”. Segundo a ANEEL, em 2019 esse percentual era de 9,5%. Já os consumidores da Enel, que distribui energia para as demais cidades do Estado, esse acréscimo estaria por volta de 5% e em 2019 era de 4,4%. Em termos de comparação, a média nacional desse tipo de repasse é de 3%.
É um problema tão disseminado na região metropolitana do Rio de Janeiro que já se tornou inclusive fonte de renda para milicianos. Segundo investigações realizadas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, em áreas controladas pelas milícias, criminosos estariam cobrando “taxas” de R $100,00 pela instalação do “gato” de luz. A própria Light já fez denúncias de furto de energia em comunidades controladas por milicianos e inclusive de casos de prédios inteiros construídos pelos criminosos onde toda a energia era proveniente de furto.
Em comunidades como Rio das Pedras, controlada por milicianos, são visíveis os emaranhados de fios saindo de postes para as residências e comércios, onde aparelhos de ar condicionado funcionam quase ininterruptamente. Cenário que se repete em comunidades controladas pelos traficantes de drogas. Em locais como Rocinha, Vidigal e Tabajaras as ligações clandestinas estão visíveis por toda a parte. Segundo a Light, das perdas não técnicas, mais de 60% foram registradas em áreas dominadas por criminosos.
Porém, casos de furto de energia não são encontrados somente em comunidades e áreas carentes. Esse tipo de crime ocorre também em bairros de classe média, estabelecimentos comerciais e até mesmo em condomínios de alta renda. Por ter uma pena relativamente baixa e ser um crime que permite fiança, não causa muita preocupação a quem se dispõe a cometer esse tipo de delito. Segundo informações a incidência tem crescido bastante desde o início da pandemia.
Mas como resolver esse problema? Prender todos? Aumentar a pena? Infelizmente não há uma solução mágica a ser apresentada, mas há opções para diminuir o tamanho do problema. Em primeiro lugar é necessário rever os custos que envolvem o preço da energia. O Estado do Rio de Janeiro tem um dos maiores valores percentuais de ICMS, tornando as contas de luz dos residentes no Estado um grande peso no orçamento das famílias. Isso tem que ser revisto. Em segundo lugar, melhorar a rede de distribuição de energia que em muitos locais é antiga e causa ineficiência no serviço prestado, é preciso cobrar das empresas que façam esses investimentos e, por último e não menos importante, gerar emprego e renda. A grande maioria não tem um “gato” de luz porque deseja. As pessoas querem pagar suas contas e ter uma vida tranquila, mas para isso são necessárias oportunidades e o Estado tem falhado demais nesse papel.
Já aqueles que fazem “gatos” porque querem se dar bem, para esses a única saída é a punição, mas não a prevista em lei, é preciso atingir o patrimônio deles para devolverem à sociedade pelos valores que foram rateados por todos. Portanto lembre-se, quando alguém conhecido está com um “gato” é você que está pagando a conta.
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Sobre o autor

Roberto Uchôa

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