Royalties: Planalto dividido pode dificultar decisão de Dilma
10/11/2012 | 01h50

Do Globo Online:

Uma divisão interna no governo pode dificultar ainda mais a decisão da presidente Dilma Rousseff sobre o projeto que redistribui os royalties do petróleo. A posição da equipe econômica é favorável ao veto, parcial ou total, do texto aprovado nesta semana na Câmara. Mas, segundo fontes, outra corrente do governo, instalada no próprio Palácio do Planalto, defende a sanção do projeto como saída política, deixando para o Supremo Tribunal Federal (STF) a decisão sobre a inconstitucionalidade do texto, evidente na visão da área jurídica. No único comentário que fez sobre o projeto, após a aprovação pela Câmara, a presidente Dilma enfatizou que ainda não tinha posição sobre o assunto.

— A tendência natural é o veto e encaminhamento de novo projeto — disse uma fonte da área econômica, manifestando a posição da equipe.

A Advocacia-Geral da União (AGU) não quer se manifestar sobre o assunto, porque caberá ao órgão a recomendação final à presidente Dilma, mas a área técnica já identificou vários elementos de inconstitucionalidade na proposta aprovada pela Câmara. A avaliação nos bastidores é que, caso a lei seja sancionada, as chances de o Supremo derrubar a lei são reais. Um dos problemas levantados nessa discussão é que a AGU, mesmo apontando inconsistências na lei, terá que defendê-la, caso prevaleça a posição de sancioná-la.

Veto exigiria nova lei ainda em 2013  — O Ministério da Fazenda — que participou ativamente do marco regulatório do pré-sal — estuda a possibilidade de sugerir vetos parciais. No caso de vetos, parciais ou total, a saída em discussão é o envio de um outro projeto ao Congresso para substituir o que ficaria sem regulamentação.

Para o Ministério de Minas e Energia, o mais importante no momento é apresentar aos potenciais investidores do leilão de blocos de concessão, previsto para o primeiro semestre do próximo ano, um marco regulatório completo e sem inseguranças jurídicas. Incertezas regulatórias poderiam reduzir a atratividade dos lances, avaliam os técnicos. No mês passado, o ministro Edison Lobão anunciou dois leilões para o próximo ano, mas condicionou-os à aprovação da nova lei dos royalties no Congresso. O primeiro leilão, programado para maio, ainda não envolverá os blocos do pré-sal e ocorrerá totalmente no regime de concessões. Portanto, terá um marco legal completo, ainda que baseado nas leis antigas. Para o leilão que já inclui áreas do pré-sal, previsto para o fim do ano que vem, porém, há regras sobre o regime de partilha incluídas no projeto de lei dos royalties necessárias para que a disputa se viabilize. Por isso, um eventual veto total ao projeto aprovado na Câmara coloca o governo na obrigação de aprovar uma nova lei até lá.

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Garotinho: "Se Dilma não vetar o Rio está falido"
06/11/2012 | 09h08

Numa reviravolta, a Câmara Federal aprovou na noite desta terça-feira, por 286 votos favoráveis e 124 contrários, o projeto do Senado sobre a distribuição dos royalties de autoria do senador Vital do Rego (PMDB-PB). O projeto vai à sanção presidencial. "Ou a presidente Dilma veta ou esta decretada a falência do Rio de Janeiro", disse o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ).

A medida contrariou grande cidades produtoras, em especial Campos, onde há a Bacia de Campos, e ainda cidades do Espírito Santo. Garotinho protestou muito. Na prática, os governos estaduais receberão mais dinheiro do que os municípios produtores. "Se o relatório do deputado Carlos Zarattini (PT - SP) já era um golpe contra o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, o projeto original aprovado pelo Senado é muito pior. E foi isso que acabou sendo aprovado num sessão lamentável como os leitores do blog devem estar acompanhando ao longo do dia. Não tenho dúvidas de que a presidente Dilma vetará o que foi aprovado caso contrário estará inviabilizando o futuro do Rio de Janeiro. Na verdade foi vergonhoso tudo o que aconteceu, depois vou analisar tudo com mais calma", disse Garotinho em seu blog.

A derrota na tática do governo criou um mal-estar para os líderes. O projeto de Vital do Rego redivide todas as receitas da exploração, incluindo aquelas obtidas nas áreas já licitadas. Os aliados tentaram salvar a votação do texto de do relator Carlos Zarattini (PT-SP), mas o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), anunciou que, diante da preferência do texto do Senado, não era mais possível votar o texto elaborado por Zarattini. Mais cedo, o relator apresentou uma nova versão com mudanças nos percentuais de repasse dos recursos entre estados e municípios confrontantes, que estavam igualmente com 11%. O plenário aprovou, por 277 votos a 47 e 1 abstenção, o regime de urgência para o projeto dos royalties.

Pela nova proposta, o percentual dos Estados, que hoje é de 26,25%, cairia para 20% a partir de 2013 e ficando com esse percentual. Os municípios, que hoje têm 26,25%, teriam uma redução para 13% em 2013 e chegariam ao final com 4%. Já os chamados municípios afetados com embarque e desembarque de petróleo cairiam os atuais 8,75% para 7% e ficariam, ao final, com 3%.

Fonte: O Globo

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Revista Veja: A disputa pela Prefeitura na terra do Porto
20/08/2012 | 11h47

A revista "Veja" produziu uma extensa matéria sobre a disputa eleitoral em São João da Barra. A reportagem, assinada pela jornalista Cecília Ritto, informa que o próximo  gestor (ou gestora) vai governar uma cidade com o dobro de população e arrecadação. Confira:

São João da Barra é um dos municípios brasileiros que mais passará por transformações nos próximos quatro anos. Enquanto são realizadas grandes obras nas cidades-sedes da Copa do Mundo de 2014 e, no Rio de Janeiro, desenham-se melhorias para a Olimpíada de 2016, a antes pacata São João, no Norte Fluminense, deve dobrar seu total de habitantes e sua arrecadação. O ‘milagre do crescimento’ já está em curso, mas vai se acentuar a partir de 2013 com o início da operação do Porto do Açu, o megaempreendimento de Eike Batista, responsável por colocar o município no mapa mundial.

As grandes oportunidades para o setor privado representam também uma chance e tanto também para a política – ou os políticos propriamente ditos. O início da movimentação no Porto do Açu, a maior obra de infraestrutura portuária da América Latina, com investimento de 3,8 bilhões de reais, coincide com o começo do quadriênio ‘de ouro’ para a prefeitura da cidade. São João da Barra se tornará independente dos recursos dos royalties do petróleo e sairá de uma arrecadação de 350 milhões de reais para 700 milhões em 2015. Em contrapartida, o novo gestor terá de administrar uma expansão violenta, com necessidade de criação de infraestrutura e serviços. Caberá a um deles tocar o plano diretor da cidade - o vencedor terá a opção de executar um plano diretor assinado pelo urbanista Jaime Lerner para o município - e amenizar a chegada dos problemas de cidade grande.

Os candidatos que se apresentam para gerir essa nova potência econômica da região são nomes pouco conhecidos no estado. E alguns são desconhecidos até na própria cidade: Betinho Dauaire, Neco, Jéssica Ribeiro e Murilo da Karol disputam o que, nos arredores de São João da Barra, é a “prefeitura da cidade do Eike”.

É certo que competência não se mede por idade ou tempo de estrada na política. Afinal, se figuras experientes no Executivo e no Legislativo fossem sinônimo de eficiência, o Brasil estaria no topo do mundo em matéria de serviço público. Mas a escolha para os eleitores de São João não é das mais fáceis.

Jéssica Ribeiro — A mais jovem candidata a gerir os 500 milhões de reais do orçamento de 2013 do município de 33 mil habitantes é Jéssica, do PPL, com 27 anos. Professora de história, formada em uma faculdade chamada Universo, em Campos dos Goytacazes, cidade vizinha – onde a prefeita é a ex-governadora Rosinha Garotinho. O currículo político da jovem ainda é uma folha em branco. Ela conta com a memória do povo sanjoanense para escrever a primeira linha de seu histórico na vida pública. Para isso, vai evocar a lembrança de seu avô e seu bisavô, que governaram a cidade nos anos 40, 50 e 70. “Venho de movimento estudantil. Minha família toda é de São João da Barra”, afirma Jéssica que, junto com Betinho e Murilo, compõe o trio da oposição. Eles são as vozes críticas ao projeto de Eike. Em comum, os três afirmam que o volume dos investimentos ainda não se refletiu na vida do morador da cidade. Murilo da Karol — Murilo, 52, já tentou disputar uma eleição, em 2008, para vereador. Mas, antes mesmo de a campanha começar, teve o seu nome substituído por outro candidato. Ele era petista, tinha Luiz Inácio Lula da Silva como ideal de político. Depois, virou tucano, e hoje prefere o senador Aécio Neves e o deputado estadual Luiz Paulo Correa da Rocha como exemplos para se espelhar. Murilo parece destoar da cidade onde pretende ser prefeito: “A primeira ideia é reformular tudo. Tentar fazer o dono do empreendimento, seja lá quem for, mesmo se for Eike, abrir a caixa preta e explicar de verdade o que vai acontecer na cidade”, afirma, frisando ser contrário ao “capitalismo selvagem”. Com negócios menos ‘agressivos’ que o do homem mais rico do Brasil, Murilo tem como experiência de gestão o fato de administrar, há oito anos, um negócio inédito em São João: uma loja de doces, que chamou de Karol, em homenagem à filha. Daí o motivo de Ricardo Murilo de Sá Barreto ter se tornado o Murilo da Karol – nome que explora na campanha. “As pessoas me conhecem por esse nome. Sou chamado até de Karol, o único homem com nome feminino em São João da Barra”, brinca o comerciante. Como conta, chegou perto da faculdade, quando iniciou o curso de administração. Mas não foi longe. E hoje consta apenas o Ensino Médio concluído em seu currículo escolar.  Murilo tem bens, mas nenhum deles consta no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como manda a lei. “A loja é minha, sim. Também tenho um carro Fiesta. Como ainda não tinha começado a pagar, achei que não era meu. Mas acredito que não haverá problema na Justiça. Foi uma falha e eu assumo”, afirma. Betinho Dauaire — Mais escolado que Murilo, Betinho Dauaire, do PR conhece o gosto do poder. E quer voltar à cena política de São João da Barra. No meio do caminho, no entanto, topou com problemas antigos e hoje é o único cujo pedido de candidatura foi indeferido. Ele recorreu à decisão e continua na corrida pela prefeitura, enquanto o recurso não é julgado. Betinho governou a cidade por oito anos e colecionou ações por improbidade administrativa, que tramitam na comarca da cidade. O Ministério Público Eleitoral e a coligação “São João da Barra não pode parar”, que apoia Neco, ajuizaram uma ação de impugnação do registro de candidatura de Betinho. Segundo o MPE, ele é classificado como ficha-suja por ter tido suas contas, enquanto prefeito, desaprovadas pelos tribunais de contas da União e do estado. O juiz que indeferiu o pedido de Betinho, Leandro Loyola de Abreu, alegou que a conduta do ex-prefeito configura “atos dolosos de improbidade administrativa de natureza insanável” e afirmou que ele causou “evidente dano irreparável aos cofres públicos”.  O PR de Betinho é o partido forte na região, sob o comando do ex-governador Anthony Garotinho. Com o seu “vê se entende” para pontuar frases, Betinho explica o porquê de seu nome ter ido parar na Justiça. “Todo prefeito tem dois tipos de contas a cada ano do exercício: contas de exercício financeiro e ordenador de despesa. O ordenador são despesas feitas por terceiros (vê se entende)”, diz Betinho, tentando devolver a bola a seus ex-funcionários. “São despesas sem dolo, sanáveis”, afirma, apoiando-se na alegação de que as rejeições de contas ainda não transitaram em julgado. Na expectativa de se livrar da impugnação, Betinho, um dos críticos mais ferozes da atual prefeita Carla Machado, do PMDB, faz planos para uma eventual nova gestão. Entre eles, o de fazer funcionar o Hospital Maria Julia Aquino, criado em seu mandato. Atualmente, a unidade não passa de uma policlínica e sede da Secretaria de Saúde. Por enquanto, São João não tem hospital.

São João da Barra reflete a principal disputa política do estado do Rio, entre os grupos rivais de Sérgio Cabral e de Anthony Garotinho. “O prefeito não pode posar de tiete do Eike Batista e pegar a bandeira do porto como se fosse uma bandeira política. Não pode fazer isso (vê se entende). Hoje o executivo parece assessoria de comunicação do complexo portuário. É medalha pro Eike, é não sei o que pro Eike”, reclama Betinho.

Neco — Neco, do PMDB, é o principal adversário de Betinho. O peemedebista se apresenta como o candidato da continuidade, com a experiência de quatro mandatos como vereador. Em 2008, foi o mais votado, com 1.246 votos. Ele é um dos poucos moradores de São João da Barra que, de fato, nasceu lá. Como não há hospital, um legítimo sanjoanense deve ser parido dentro de casa. “A cozinha do hospital construído (por Betinho) é colada ao necrotério”, diz, contestando a obra do adversário.

Neco aparece no TSE como agricultor, mas, além de trabalhar como cortador de cana, já vendeu picolé e trabalhou em fábrica de costura. Dos candidatos à prefeitura, o vereador é o que apresenta a menor instrução. Ele frequentou a escola até a 5ª série (o sexto ano atual). Há aproximadamente quatro anos, retomou os estudos. Fez um supletivo e está a três provas de conquistar o seu diploma do Ensino Médio. “Na infância não tive tempo de estudar. Cheguei à quinta série e parei. Com o tempo, comecei a estudar, mas à distância. Agora falta pouco para terminar”, afirma Neco, ainda tropeçando um pouco nos “r” e “s”. No Brasil, os problemas com a língua estão longe de significarem menos votos. E Neco é o mais cotado para vencer as eleições.

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Revista Exame: “A Festa dos Royalties”
20/08/2012 | 12h22

A revista “Exame” desta semana trouxe matéria sobre um estudo que indica distorções nos municípios que recebem recursos oriundos dos royalties. No caso de Campos, que recebeu cerca de R$ 10 bilhões na última década, a matéria cita o Cepop, que custou cerca de R$ 80 milhões, e a situação da cidade nos rankings do Desenvolvimento e Educação. Confira a matéria completa:

1A

No dia 2 de maio, o deputado federal Paulo Feijó (PR-RJ) subiu à tribuna da Câmara, em Brasilila, para parabenizar a prefeitura de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, por ter entregue à cidade o Centro de Eventos Populares Osório Peixoto - na verdade, um sambódromo. Com dimensões equiparáveis às do Anhmebi, na capital paulista, a passarela pode receber 40.000 pessoas, o equivalente a quase 10% da população de Campos. O sambódromo foi entregue em março para o seu Carnaval fora de época, com mais de um ano de atraso. Consumiu 80 milhões de reais, 10 milhões a mais do que o previsto. O dinheiro veio de uma fonte especial: os royalties do petróleo, uma espécie de participação na receita obtida com a extração diária de milhares de barris na bacia marítima que leva o nome da cidade. Para Feijó, o sambódromo é um exemplo: "Isso é dinheiro bem aplicado, porque resulta em melhor qualidade de vida para a população", disse o deputado , correligionário da prefeita Rosinha Garotinho, mulher de Anthony Garotinho, ex-governador fluminense. Orávio de Campos, secretário municipal de Cultura, defende a mesma tese: " O Centro de Eventos Populares era uma necessidade do município. Não podia deixar de ser feito". Como Campos é a cidade que mais recebe royalties do petróleo - quase 10 bilhões de reais na última década -, a impressão que se tem é que a prefeitura já resolveu problemas em áreas que costumam ser críticas, como saneamento, saúde e educação, e agora pode dedicar parte do caixa para tocar projetos mais festivos.

Não é bem assim. De 2000 a 2009, a cidade caiu da 17º para a 42º colocação no ranking de desenvolviment0o dos municípios fluminenses. Elaborado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, o ranking associa indicadores de educação, saúde, geração de emprego e renda da população. A situação da educação ilustra bem o motivo da perda de posições na lista. Campos tem 40 escolas e creches funcionando em casas alugadas - 17% da rede municipal. Localizada a 20 quilômetros do sambódromo, a Escola Municipal de Campo Novo funciona numa casa de três quartos que é alugada há 18 anos. As 180 crianças que lá estudam em dois turnos contam com um único banheiro e não têm nenhum refietório. A vizinha Escola Municipal Jacques Richer tem refeitório, mas ele está ocupado por uma sala de aula para abrigar os alunos de outra instituição, a Escola Municipal João Goulart, que estava caindo aos pedaços e foi demolida no final do ano passado. Hoje, além de conviver com a superlotação, a Jacques Richer tem turmas "multisseriadas" - os alunos do 4º e do 5º ano do ensino fundamental têm aula juntos para "economizar" professores. O conteúdo que era para ser dado ao longo de uma no é achatado em um semestre. O Índice de desenvolvimento da Educação Básica de campos, divulgado em 2010, foi o mais baixo do estado para os primeiros anos do ensino fundamental: nota 3,3. "Campos tem recursos de sobra, mas aplica de maneira errada", diz Denise Terra, economista da Universidade Candido Mendes e especialista em aplicação de royalties.

Infelizmente , a festa dos royalties não ocorre apenas em Campos. Bem longe dali, em Guamaré, no Rio Grande do Norte, o dinheiro do petróleo embala uma folia depois da outra. Nos últimos dez anos, a pequena cidade a 170 quilômetros de Natal recebeu 202 milhões de reais em royalties. No mesmo período, Guamaré trocou de prefeito oito vezes. O Tribunal de Contas do estado deu parecer contrário à prestação de contas de três deles. Um foi preso por desvio de verbas. Neste momento, o Ministério Público investiga os gastos com festas dos dois últimos prefeitos. Auricélio Teixeira precisa explicar os 785.000 reais pagos a bandas no Carnaval de2011. O atual prefeito, Emilson Borba Cunha, tirou do caixa 2 milhões de reais para animar o Carnaval deste ano e mais 2,2 milhões para bancar o oba-oba no aniversário da cidade, ao som das vozes de Zezé di Camargo e Luciano, Fábio Jr. e Reginaldo Rossi. Guamaré tinha tudo para ser próspera. Além de poços de petróleo, tem três parques eólicos, um terminal aquaviário, duas usinas de biodiesel e uma refinaria da Petrobrás, afora praias perfeitas para o turismo. Nos últimos quatro anos, o número de empresas locais dobrou para 266. Guamaré é hoje o 20º município do Brasil em PIB per capita: 90.230 reais, quase o triplo da renda paulistana. A prosperidade, porém, não passa de um efeito contábil, fruto da divisão de um PIB trubinado por uma pequena população de 12.000 habitantes. Não muito longe do centro estão comunidades como o Morro do Judas, um bairro com ruas de terra, sem água, luz e esgoto. Os moradores , como o agente de saúde Raurison Souza, precisam fazer gambiarras para garantir o mínimo de água em casa. A Petrobras chegou à cidade em 1982, mas até hoje a maior parte da população não tem qualificação para aproveitar as centenas de vagas abertas no setor de energia. Enquanto as empresas de petróleo importam trabalhadores de outros estados, um quarto da cidade trabalha na prefeitura, os analfabetos representam mais de um quinto da população ( o dobro da média brasileira) e quase 10% vivem na extrema pobreza. O único local onde os moradores poderiam obter alguma qualificação é no pequeno centro técnico do município, que oferece apenas 68 vagas em três cursos.

Lucas Fenix de Oliveira, de 22 anos, até tentou entrar lá, mas não conseguiu. Como as vagas são restritas, a escola não aceita que duas pessoas da mesma família estude ao mesmo tempo. No caso de Oliveira, deram preferência ao irmão mais velho. Mas ele não desistiu de melhorar a formação. Após o trabalho como monitor ambiental numa fundação, faz bicos em um supermercado e uso o dinheiro para bancar o curso de eletrotécnica, na cidade vizinha. O que prospera em Guamaré é o assistencialismo. Um total de 2.300 famílias recebe da prefeitura um cartão com 120 reais para gastar no comércio. Outras 267 estão no programa de auxílio-aluguel. Há ainda 1604 beneficiadas pelo Bolsa Família. Morando à beira do rio Aartuá, que contorna Guamaré, o pescador Toninhos Fonseca e sua mulher acompanharam a transformação da terra natal há 30 anos. Criaram cinco filhos com a renda da pesca, a principal atividade da cidade antes da chegada da Petrobras. O que mudou para eles? O casal agora pode observar a cidade mais do alto, pois a casa ganhou um segundo piso erguido com restos de materiais abandonados por empresas. "O dinheiro que corre por aí não chega aos filhos de Guamaré", diz Fonseca.

DISTORÇÕES Um estudo da consultoria Macroplan, obtido com exclusividade por EXAME, indica que distorções observadas em Campos e Guamaré podem estar ocorrendo  em muitos  dos 905 municípios beneficiados por repasses da indústria do petróleo. O estudo avaliou 25 cidades (16 no Rio de Janeiro, cinco no Espírito Santo e quatro em São Paulo) que mais receberam royalties de 2000 a 2010. (Clique aqui para acessar o estudo) No conjunto, elas arrecadaram em repasses do setor de petróleo, um total de 27 bilhões de reais no período. O dinheiro deveria ser aplicado para ampliar e aprimorar os serviços  públicos, mas não foi o que se deu. Enquanto a arrecadação com royalties triplicou na década, o investimento das prefeituras cresceu apenas 24%. Isso explica em parte por que, na prática, a convivência  com a cadeia de petróleo, que deveria impulsionar um ciclo virtuoso, tem contribuído para piorar a qualidade de vida em muitas localidades.

O que ocorreu é uma espécie de contrassenso. O dinheiro fez o produto  interno bruto dos  municípios crescer  a taxas superiores às dos respectivos estados. Mas a renda da população não aumentou na mesma proporção e ainda é baixa. No conjunto das 25 cidades, quase 10% dos habitantes vivem com renda equivalente a um quarto do salário mínimo. É verdade que a chegada de novas empresas e o aumento dos investimentos elevou a oferta do emprego formal - mas criaram efeitos colaterais. De 2003 a 2010, o número de postos com carteira assinada nas 25 cidades cresceu 65%, uma alta acima da média brasileira, de 49% no período. Mas os empregos em geral não foram ocupados com a mão de obra local ( que em sua maior parte não dispõe da qualificação exigida pela cadeia de petróleo). E também não foram suficientes para absorver o grande volume de migrantes que afluiu para essas localidades. Resultado: 90% dos municípios tiveram taxas de crescimento demográfico superiores à média de seus estados e 80% acumularam um índice de desemprego acima da média nacional.

Como as cidades incharam, cresceu a demanda por serviços de saúde, saneamento, educação, treinamento de mão de obra e policiamento. A falta de trabalho e a precariedade da infraestrutura contribuíram para o aumento da violência. Hoje, 13 das 25 cidades têm taxas de homicídio acima das respectivas médias estaduais. Quatro delas - a capixaba Linhares e as fluminenses Búzios, Cabo Frio e Parati - estão na lista das 100 mais violentas do Brasil. "Esses municípios deveriam estar crescendo mais rapidamente e melhor do que os outros que não recebem royalties", diz Alexandre Mattos, diretor daMacroplan e coordenador da pesquisa. " Mas não é o que está ocorrendo. Não há regras nem mecanismos  de controle para a aplicação dos royalties, muito menos metas em relação aos benefícios que devem gerar".

Liberadas para fazerem o que bem entendem com o dinheiro, as prefeituras deixam de lado investimentos que seriam importantes para o desenvolvimento local e consomem a maior parte  com o custeio da máquina pública. Carapebus, no Rio de Janeiro, é um exemplo. Recebeu mais de 380 milhões de reais em royalties, mas nada lá lembra a pujança do petróleo. Ainda é uma cidade-dormitório para quem trabalha em Macaé, município vizinho do qual se emancipou em 1997. O poder público responde por quase 90% dos postos de trabalho formal em Carapebus.

A falta de mecanismo de controle e de transparência na aplicação dos royalties tem outro efeito nefasto: abre margem para a corrupção. Denúncias de desvios de recursos são recorrentes nas cidades do petróleo - com repercussão sempre desagradável. A gestão pública e a economia do município de Presidente Kennedy, no Espírito Santo, perderam o rumo em abril, depois de uma operação da Polícia Federal, batizada de "Lee Oswald" (nome do acusado de matar Joh F. Kennedy em 1963, ano de fundação da cidade capixaba), prendeu o então prefeito Reginaldo Quinta (PTB), e mais 27 pessoas, entre elas o presidente e o vice-presidente da Câmara Municipal. O grupo é acusado de aplicar sobrepreços de até 80% em contratos de terceirização que somam 55 milhões de reais, o equivalente a um quarto do valor dos royalties recebidos pela cidade em 2010. Ao assumir a prefeitura, o vereador Jardeci Terra achou por bem romper e investigar os contratos com as empresas citadas no inquérito que investiga o caso. As terceirizações sob suspeita deixaram sem emprego cerca de 1.000 pessoas, o que provocou um baque no comércio da cidade, cuja população é de 10.000 habitantes.

Mesmo quando há acertos nas prioridades, a execução corre o risco  de dar errado por falta de funcionários públicos competentes para gerenciar os projetos. Em 2001, Campos lançou o Fundecam, um fundo pelo qual a prefeitura oferecia empréstimos a juros baixos para as empresas que se instalassem na cidade. O objetivo era diversificar a economia, mas a avaliação das propostas e da idoneidade dos tomadores do dinheiro era falha. Ao final, a taxa de inadimplência do fundo superou 40%. "Apareceu picareta do país inteiro atrás do dinheiro fácil do Fundecam", afirma Roberto Moraes, engenheiro do Instituto Federal Fluminense, de Campos. "Não houve um esforço para formar uma cadeia produtiva. As empresas escolhidas eram tão diversificadas quanto  fábricas de fraldas e macarrão." A fábrica de macarrão a que Moraes se refere é a Duvêneto. Ela pegou empréstimos sucessivos, funcionou precariamente e fechou as portas em março, deixando uma dívida de 34 milhões de reais. Já a fábrica de refrigerantes do grupo Coroa, que deve 3,5 milhões à prefeitura, nem operou. O esqueleto do galpão industrial está abandonado às margens da rodovia BR-101.

A sucessão de descalabros que hoje se veem nas cidades beneficiadas pelos royalties deve servir de alerta: O Brasil precisa reavaliar o modelo de distribuição  e de controle do uso da riqueza do petróleo. Como se tem notado nas discussões de governadores e prefeitos, a mera perspectiva de que essa riqueza tome mais corpo, caso se confirmem as previsões em relação à exploração do pré-sal, já deflagrou uma guerra entre políticos pela partilha. "A exploração do petróleo vive ciclos de 20 a 40 anos, que um dia terminam", diz Mattos, da Macroplan. "O ciclo do Brasil  está apenas no começo e precisamos decidir como usar melhor os recursos, para que, ao final, tenhamos municípios pujantes, e não grandes favelas." O risco é o desperdício proliferar - e o país  jogar fora uma grande chance de dar uma salto de qualidade.

O EXEMPLO ESTÁ AO NORTE

Graças à boa gestão da riqueza do petróleo, Stavanger, na Noruega, foi de pequena produtora de sardinhas a pujante centro comercial

Além de fazer uma radiografia do uso dos royalties do petróleo, o estudo da consultoria Macroplan obtido por EXAME traz recomendações para mudar a atual realidade das cidades beneficiadas por esses repasses. A orientação mais importante: "É preciso fazer um plano para o futuro  de cada uma, e essa tarefa não cabe apenas ao município", diz Alexandre Mattos, diretor da Macroplan. "Estados e governo federal precisam contribuir para que o bônus do petróleo possa melhorar o saneamento, as rodovias, a educação, a formação das pessoas". Como exemplo para o Brasil, Mattos cita Stavanger, a capital do petróleo na Noruega. Quando o primeiro poço foi descoberto, em 1969, a cidade dedicava-se a pescar e enlatar sardinhas e a construir barcos, atividade desenvolvida desde o século 19. Como ocorre hoje com as cidades brasileiras, Stavanger atraiu empresas do setor de petróleo de várias partes do mundo e viu a população crescer rapidamente. Mas lá a riqueza foi aplicada para transformar a cidade em centro comercial e cultural. Junto com as empresas, vieram profissionais especializados de outros países. Boa parte se fixou lá, não apenas transferindo conhecimento técnico, mas dinamizando a cultura local. Atualmente 18% dos 126.000 habitantes são estrangeiros que formam uma pequena babel de 170 nacionalidades. O ambiente criado pela diversidade fez com que Stavanger recebesse da União Europeia, em 2008, o título de capital cultural da Europa, apesar de a Noruega não fazer parte do bloco. O governo norueguês se preocupou em desenvolver a mão de obra e a indústria local, mas, nos primeiros  anos, como o paíse não tinha conhecimento no setor, fez da iniciativa privada uma parceira. "O poder público concordou que as empresas treinassem as pessoas e importassem máquinas e equipamentos", diz o economista Petter Osmundsen, da Universidade de Stavanger.

Numa segunda etapa, a cidade priorizou investimentos que beneficiassem a população no longo prazo. Um deles foi aprimorar a educação desde a infância até a idade de ingresso no mercado de trabalho, incentivando o ensino técnico, uma tradição no mercado europeu, e também a graduação. A universidade local oferece cursos voltados para a área de óleo e gás, como geociência de engenharia do petróleo e tecnologia para exploração em alto-mar. Preocupada em não se tornar dependente da cadeia de petróleo, a cidade atraiu empresas de setores tão distintos quanto varejo, hotelaria, serviços financeiros e construção  civil. Hoje, mais de 60% dos quase 25.postos de trabalho estão no setor de serviços e em lojas. Stavanger tem uma das menores taxas de desemprego da Europa, 1,8% - inferior até à da própria Noruega, que está em 2,5%.

A ideia mais engenhosa dos noruegueses para não apenas preservar, mas principalmente multiplicar os ganhos com petróleo, foi a criação de um fundo governamental com recursos do setor. O fundo recebeu aporte inicial de 336 milhões de dólares em 1996. Ao final de 2011, a reserva somava 542 bilhões de dólares. O fundo está sob a tutela do Ministério das Finanças, que deve indicar as políticas de investimento, mas quem gerencia a operação é o Norges Bank, o banco central. O governo não pode sacar o principal. Tem acesso a apenas 4% do retorno anual do fundo - uma regra austera que evita a tentação do desperdício e é essencial para preservar a riqueza do petróleo para as gerações futuras. Uma ideia que deveria inspirar o Brasil.

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Alexandre Bastos

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