Aborto, indulto, STF e crescimento nas pesquisas: Bolsonaro prova que não pode ser subestimado para outubro
Edmundo Siqueira - Atualizado em 13/05/2022 15:00
Poder360
Faça o teste: converse com algum bolsonarista — ou se for simpatizante do presidente, pergunte a si mesmo — e perceba a opinião — alheia ou sua — sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). Fatalmente terá como retorno a imagem de “inimigo”, ou pelo menos, a de cerceador das liberdades alheias.
O fazer político de Bolsonaro exige que um vilão seja criado. Ele pode ser imaginário ou não. A imprensa, o comunismo, a esquerda e o STF sempre estiveram entre os eleitos para ocupar esse papel. Para compor uma narrativa atrativa que alimente os já convertidos — ou para atrair novos simpatizantes — os inimigos precisam ser cultivados.
É uma estratégia que tem se mostrado exitosa ao bolsonarismo. O inimigo da vez, o STF, condenou um aliado de primeira hora de Bolsonaro, o deputado Daniel Silveira, mês passado. A condenação veio pelo julgamento de uma denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), onde, no inquérito, pediu a condenação do bolsonarista e classificou sua conduta de “intolerável”. Mesmo sem esperar a condenação definitiva, Bolsonaro concede graça presidencial a Silveira, o que na prática funciona como um indulto.
Embora não seja o mocinho (na vida real raramente se reflete assim as personagens) na recente história envolvendo o deputado Daniel Silveira, também não é o vilão. Tolerar os intolerantes não é papel das instituições. Porém, nas narrativas, principalmente nos meios direitistas, o Supremo saiu como “inimigo das liberdades”.
Nas últimas eleições o "kit gay" era o inimigo número um de Bolsonaro.
Nas últimas eleições o "kit gay" era o inimigo número um de Bolsonaro. / Reprodução
ABORTO: O NOVO “KIT GAY”

Não é de hoje que temas polêmicos são usados como estratégia eleitoral. Nas eleições de 2010, José Serra apelou ao fantasma do aborto para tentar roubar votos de Dilma Rousseff. Em desvantagem nas pesquisas, o tucano tentou vender a ideia que a adversária Dilma liberaria a interrupção da gravidez. Serra queria trazer a imagem que a ex-presidente seria a favor de “matar as criancinhas”.
Na mesma linha de Bolsonaro, José Serra se apresentava como um político que “sempre condenou o aborto e defendeu a vida”, e alinhado a “princípios cristãos”. Levando o baixo nível e apelação midiática ao horário eleitoral, exibiu imagens de gestantes vestidas de branco.
Quase 12 anos depois o tema volta a ser usado como arma eleitoral. Assim como Serra acusava Dilma, Bolsonaro diz que Lula estimula o aborto. “Para ele, abortar uma criança e extrair um dente é a mesma coisa”, disse o atual presidente sobre o ex.
De fato, Lula tem escorregado em alguns discursos — palco onde sempre foi genial. Fez uma comparação infeliz com policiais, deixando a entender que não os classificaria como gente, sugeriu que sindicalistas fossem até a casa de deputados para “incomodar a tranquilidade” deles, uma ideia antidemocrática em essência, principalmente em evidentes tempos de radicalização política. E disse sobre o aborto: “deveria ser transformado numa questão de saúde pública e todo mundo ter direito e não ter vergonha”, embora seja uma interpretação possível, dá margem a ataques.
O fato é que a proibição do aborto nunca impediu a prática. Dados do SUS mostram grandes números de internações diárias por complicações decorrentes de abortos clandestinos. Além de serem questões que deverão ser decididas nas cortes superiores ou no Congresso, com pouca ingerência do executivo. Mas, o tema tem forte apelo popular.
ELEIÇÕES 2022
A pauta de costumes parece que ainda será determinante para outubro. Temas como aborto, não apresentam soluções para os graves problemas que o país atravessa, principalmente econômicos, além de empobrecerem o debate eleitoral.
Enquanto discutimos aborto, “kit gay”, brigas institucionais e outros tantos assuntos diversionistas, não debatemos propostas, tampouco preparamos o Brasil para novas realidades relacionadas ao mundo do trabalho, a mudanças tecnológicas, de novas matrizes energéticas, das mudanças geopolíticas, etc.
A cinco meses da eleição, descuidar das narrativas eleitorais tem se mostrado um erro fatal nesse cenário (que não demonstra mudanças significativas). Inimigos e fantasmas são criados pelo bolsonarismo sem que os campos democráticos consigam detê-los.
Questionar o sistema eleitoral parece ser a estratégia da vez, aliado a um golpismo evidente. Mas se Bolsonaro continuar manejando as redes sociais, notícias falsas e o imaginário popular como vem fazendo, talvez não precise, nem de uma (inimigos) coisa nem de outra (golpe). Corre o risco de virar herói em outubro.

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