Depois que dobraram a aposta, vereadores quebram a banca
Edmundo Siqueira 03/04/2022 22:27 - Atualizado em 03/04/2022 22:29
Reprodução.

A democracia não é um jogo. Tampouco a política. Não desses de azar, onde a probabilidade de ganhar é de 50%, apenas. A democracia e o fazer político exigem o comprometimento e a seriedade de quem opera com bens coletivos. Dito isto, qualquer comparação feita aqui da política com um jogo, ou da Câmara de Vereadores com um Cassino, não passará de mero recurso retórico, de uma figura de linguagem.
O que foi visto na semana que passou, na Câmara de Campos, não estava dentro das regras do jogo. Depois de um mês e meio sem quórum para prosseguir com seus trabalhos, o grande salão do Palácio Nilo Peçanha, onde fica o plenário da Casa, foi tomado por gritaria e confusão generalizada — do público presente e de alguns vereadores.
Com um megafone — sim, um megafone — um dos vereadores de oposição proferia insultos ao presidente da Casa.
Com adesivos de não “vai ter golpe!” no peito, o grupo dos 13 oposicionistas decidiu voltar às sessões dobrando a aposta. Além da acusação de golpe, pediram em plenário a cassação do presidente e do vice, por “ilegalidade” e “abuso de autoridade”. No judiciário tramitava, em paralelo, um pedido para a retomada da sessão onde foi eleito o líder da oposição, mas foi negado por duas vezes.
Antes do episódio naquela sessão, o presidente da Casa também tinha decidido dobrar a aposta. Depois de anular a eleição que perdeu, via decisão da Mesa Diretora, abriu processo administrativo contra os 13 vereadores que faltavam as sessões por decisão política, pedindo a cassação deles e o desconto dos dias não trabalhados.
Arquivo Público
A democracia por vezes é barulhenta, e os poderes, apesar de necessariamente harmônicos, são independentes. O que foi reforçado pelo judiciário ao negar o pedido de intervenção. O imbróglio que a Câmara impôs a si mesma parecia ter começado a ser discutido no palco que cabe: o plenário da Casa. A roleta girava novamente na sessão, e as jogadas dentro das regras pareciam voltar. Porém, a beligerância da situação e da oposição apenas reforçou a inoperância de uma Câmara que precisa apreciar pautas essenciais à população; e continua impedida de fazê-lo.

Dobrar a aposta, também chamado de “método martingale”, é uma jogada que lida com probabilidades, partindo do princípio estatístico que um resultado não pode se repetir para sempre. Ou seja, se você está perdendo eventualmente voltará a ganhar. Porém, como em Cassinos, é preciso saber a hora de saída e finalizar a posição, sob pena de perder um “valor” maior do que começou a jogar.
A democracia não é um jogo, mas mesmo quando comparada com um, deve seguir as regras, principalmente as pré-estabelecidas mutuamente. Dobrar a aposta é um caminho que, via de regra, não ultrapassa essa linha. Mas quando quebra a banca, ou seja, quando a Casa não tem lastro para cobrir a aposta, a mesa é fechada.
Na Câmara, o fechamento da mesa de apostas pode ser comparado com o encerramento de mais uma sessão, por tumulto. A Casa não suportou os atropelos da oposição e da situação. Ao dobrar as apostas, e alimentar ressentimentos impeditivos, os vereadores quebraram a própria banca, e não saíram levando prêmio algum.
 
*As opiniões manifestadas aqui não refletem, necessariamente, a opinião do jornal Folha da Manhã. 

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