Precisamos falar sobre o primeiro turno
Edmundo Siqueira 22/03/2022 12:32 - Atualizado em 22/03/2022 12:33
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Teremos, no segundo turno das eleições presidenciais de outubro, o embate Lula versus Bolsonaro. Cedo para afirmar isso? Pode ser, mas é o que demonstram todas as pesquisas de opinião há algum tempo — realizadas em vários métodos de apuração. As mais recentes, porém, apresentaram uma ligueira alta do atual presidente, e manteve os números do petista. Também mostraram Ciro com tendência de alta, e Moro de queda.

Para as torcidas, o voto já está definido. Mas há um eleitor (um percentual considerável) que votará pela rejeição. Pela negação ao outro candidato. Aquele que não vota “de jeito nenhum” nos que representam a polarização atual. É preciso pontuar que Lula e Bolsonaro não estão em polos opostos. Bolsonaro está na extrema-direita; Lula na social-democracia. Goste-se ou não do ex-presidente, a pecha de “extremista de esquerda” não se justifica.

A democracia que construímos até aqui não deixou claro quem é quem. PSDB e PT centralizaram a “direita” e a “esquerda” desde a redemocratização mesmo sem sê-los, de fato. Ambos com um perfil social-democrata em seus governos, alternando entre o social liberalismo em certos momentos. Com a Lava-Jato e o enfraquecimento dos dois partidos (principalmente dos tucanos), e o endurecimento político e constitucional que possibilitou o impeachment de uma presidente sem bases sólidas, abriu-se espaço para os extremos. Simplificando: possibilitou a vitória de Bolsonaro.

Para outubro, reflexos da mesma falsa polarização de antes, deverá prevalecer um pensamento binário que favorece mais as candidaturas favoritas do que o próprio país. Esse pensamento, somado a uma força despolitizante, o voto “desperdiçado”, ainda assusta a muitos eleitores. Vota-se no Brasil, em grande medida, no favorito. Em quem “está na frente”.

Porém, o primeiro turno precisa abrir espaço para um voto racional. Ou menos emocional, para ficar no terreno do possível. A escolha deve ser livre e sem imposições de grupos já “convertidos”. Votar ou não em um candidato, além de ser uma escolha pessoal e intransferível, não deve ser meramente estratégico, estritamente usado para impedir alguém de vencer ou ajudar outro. As propostas e a visão de mundo da pessoa que se apresenta ao voto, importam. Principalmente em nosso presidencialismo, que teima em cultuar personalidades.

Menos emoção e mais razão

O atual presidente, Bolsonaro, mantém percentuais praticamente estáveis nas intenções de voto. Como qualquer político que atua no extremo e na retórica tipicamente fascista — que cria inimigos imaginários e se coloca como alguém ungido para ocupar o cargo —, tem apoiadores fanatizados que não são influenciados pelos fatos, mas por convicções pessoais, muitas produzidas por propaganda política.

Para esse eleitorado o voto deste ano será identitário. Ao que parece, manter o apoio incondicional a um determinado líder político vem se mostrando necessário na construção da identidade do indivíduo ocupante dessas torcidas. Mesmo em erros graves cometidos na condução da pandemia, em falas desastrosas, ou em desmandos de ordem econômica, os apoiadores do presidente encontram narrativas que buscam justificar. E ainda possuem um efeito compensatório nesse eleitor, já convertido.

A liberdade de votar em algum candidato que melhor represente o conjunto de ideais pretendido, está em pleno acordo com os preceitos democráticos. Porém, quando manipulações da verdade e imposições ideológicas impedem o voto racional, a democracia começa a corroer-se por dentro.

A “terceira via”

Os candidatos melhores colocados na chamada “terceira via” — Ciro e Moro — tem dificuldades em crescer para além dos números atuais justamente por esbarrarem no “voto desperdiçado” e no identitarismo eleitoral. Os dois dependem da desidratação dos favoritos para angariar apoiadores.

Para os convertidos ao lulopetismo, votar em Ciro é um erro. Não pela qualidade do candidato, ou por divergência ideológica. Votar em Ciro significa prejudicar Lula ou mesmo favorecer Bolsonaro.
Para os convertidos ao bolsonarismo, votar em Moro é um erro. Visto como traidor, escolher o ex-ministro na eleição significa ir contra o “dulce” brasileiro.

Para os “não convertidos”, porém, a escolha precisa ser a mais racional possível. Votar em que aparentemente não tem chances, mas que possui características que agradem mais, ou que possuem serviços prestados e ideais mais condizentes, deve ser uma opção respeitada, livre e aderente ao preceito democrático mais básico.

É um risco e pode levar a reeleição de um candidato extremista? Despolitizar o eleitor e fazê-lo votar no “menos pior” também é.

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