São João da Barra é uma cidade riquíssima, com a população paupérrima
Arnaldo Neto, Aluysio Abreu Barbosa, Cláudio Nogueira e Matheus Berriel - Atualizado em 27/11/2021 03:50
Alcimar Chagas, Bruno Dauaire e Márcio Nogueira
Alcimar Chagas, Bruno Dauaire e Márcio Nogueira / Montagem: Eliabe de Souza
 
Como São João da Barra, com orçamento per capita 3,6 maior que o de Campos, enfrenta dificuldades básicas? Quem conhece um pouco o município sabe das queixas do serviço de iluminação, buracos e outras demandas de infraestrutura. Para debater o tema, o Folha no Ar, da Folha FM 98,3, dessa sexta-feira (26) recebeu o economista sanjoanense Alcimar Chagas, professor da Uenf; o deputado estadual Bruno Dauaire (PSC); e o segundo colocado na disputa a prefeito de SJB em 2020, o empresário Márcio Nogueira (PDT), pré-candidato a deputado estadual. Até 15 minutos antes do início do programa, também estava confirmada a participação do secretário de Agricultura sanjoanense, Aluizio Siqueira, como nome representante do governo Carla Machado (PP). Apesar de ter sido informado com antecedência sobre quais os temas, convidados e a dinâmica do debate, alegou ter sido pego “de surpresa” e disse que não mais participaria. Os demais entrevistados não pouparam críticas ao modelo de gestão do grupo carlista. Alcimar chegou a se emocionar ao cobrar o fim do populismo para dar dignidade aos jovens pela educação. Os três concluíram que SJB é uma cidade rica, mas que, por não ter boa gestão, não devolve bons serviços a uma população que, em sua maioria, é paupérrima.
Folha da Manhã – Por que faltam obras e sobram queixas sobre infraestrutura em SJB?
Alcimar Chagas – Eu sou sanjoanense, mas eu não sou opositor político a ninguém. Não me considero opositor a ninguém. Eu, simplesmente, perdi um tempo, levantei alguns dados do município. Não é uma opinião política minha, é uma constatação das tais situações, são dados que eu levantei e tive o trabalho de tentar entender. Quero dizer o seguinte a todos os gestores e à população: com base nesses indicadores que eu analisei, fazendo uma relação aí com todos esses problemas de urbanização, de buraco, de enchente, de condições inadequadas que vive o sanjoanense, quero afirmar que dificilmente vamos encontrar um município tão contraditório como São João da Barra no país. SJB tem, este ano, de janeiro a agosto, um superávit, que é um resultado positivo da diferença entre receitas realizadas e despesas liquidadas, de R$ 138 milhões. Então, é inadmissível que um município com superávit deste tamanho, que vai representar quase 40% das suas receitas recebidas, permitir que críticas não tão contundentes como as que estão acontecendo, e que são verdadeiras, porque basta andar na cidade, não precisa aprofundar nenhuma discussão em relação a isso.
Bruno Dauaire – O governo, hoje, de SJB é um governo completamente apático diante de um grande investimento privado que se aporta na cidade. Um investimento que deveria ser acompanhado pelo poder público de perto, com uma lupa muito grande. E é um governo em que falta muita vontade política. A gente percebe, diante de todos os indicativos, a falta de investimento em infraestrutura, de obras, e isso está muito claro também nos pacotes em parcerias com o Governo do Estado. Primeiro que são obras que a Prefeitura poderia realizar, são obras que a Prefeitura tem arrecadação e orçamento, e não realiza por pura incompetência. Até o Estado, hoje, que tem recursos para poder investir nos municípios, reclama da falta de projetos que possam abarcar esses investimentos. SJB, hoje, arrecada milhões e milhões por ano e tem, pelos seus indicativos, menos de 2% em investimento. Tudo isso reverbera na questão da falta de manutenção das vias, da iluminação pública, dentre outros. Eu costumo dizer que SJB possui um custeio muito alto, e a população não consegue ver a sua melhora na qualidade de vida. É um governo apático, repete muito os outros governos da prefeita Carla Machado. Mas, antes, me parecia ter ainda uma vontade das eleições, de transformar a Prefeitura numa máquina eleitoral, como foi transformada.
Márcio Nogueira – A gente vê que é um absurdo. A palavra seria essa. Com o orçamento que SJB tem, nós vivemos aqui como pessoas com orçamento bem abaixo, porque vivemos como lugarejo. E as reclamações são muito grandes, desde que eu comecei participando da pré-campanha e da campanha, no final de 2019 e em 2020. Eu tive o contato direto com as pessoas, e a gente via essas reclamações. Era para se fazer alguma coisa, mas não sentiam nem necessidade de fazer na época das eleições, porque se preparam durante os quatro anos mais pensando em reeleição. É um projeto de reeleição, não um projeto de fazer pela população. Então eu continuo aqui no meu comércio, são pessoas e mais pessoas reclamando. Não é questão de ser oposição e querer falar. Eu gostaria de estar falando o contrário aqui. Eu gostaria de estar falando que tudo está funcionando bem, porque nós temos esse orçamento que bateu aí esses R$ 417 milhões em agosto, e tudo tem a caminhar para passar do meio milhão, e a gente não vê nada ser transformado em SJB. É praticamente quatro vezes a renda per capita aqui em SJB em relação a Campos, e qualquer coisinha que nós precisamos aqui, até uma pequena cirurgia, temos que recorrer à cidade vizinha.
Folha – Há solução para o avanço do mar em Atafona?
Alcimar – Eu acho que a política, da forma em que ela é conduzida, tem feito muito mal para SJB. No final do século, quando os políticos, os vereadores especialmente, começam a receber remuneração, acontece uma transformação: os políticos passam a subordinar a sociedade. Eu diria que, desse período para cá, quem comanda a sociedade são os políticos. Então, eles não ouvem a população, esses políticos se envolvem nos projetos que mais interessam a sua perpetuação no poder. Aliás, virou um grande projeto de poder de famílias. Essa é a verdade. E isso me deixa muito triste, porque a nossa cidade vem se deteriorando muito fortemente, apesar de toda riqueza, de todos os investimentos externos, como Porto do Açu, como petróleo. SJB é uma cidade produtora de petróleo. Então, há projetos que não têm realmente grande importância para esse projeto de poder. Um problema como esse (avanço do mar), você depende de grandes especialistas que possam apoiar na identificação de alternativas. Então, como esse projeto de poder familiar se afasta do científico, essas questões tendem a se aprofundar. Eu não vejo solução para essas questões enquanto nós tivermos uma condução política da forma que nós temos hoje. Infelizmente, essa é a minha visão.
Bruno – O problema de Atafona precisa da articulação política de todas as entidades da Federação: tanto município quanto Governo do Estado e União. Eu acho que é um problema grave. Todo ano a gente discute, debate, e, como disse o Alcimar, a gente não vê um projeto da Prefeitura, não vê vontade política, realmente, de se realizar obras que mitiguem esses efeitos da erosão. A gente tem tentado de todas as maneiras trazer visibilidade a esse tema. Existem exemplos de cidades que conseguiram, através de projetos técnicos, resolver o problema, aumentando a faixa de areia. É uma discussão complexa, mas eu acho que, se não tiver articulação, um debate sério, a gente não vai conseguir resolver. Atafona tem que fazer parte do plano de governo de qualquer pessoa que queira se candidatar no município, porque é um problema grave, que deixa a população triste. É necessário haver uma articulação grande, não é um projeto barato, e tem que estar sendo debatido. O Governo do Rio de Janeiro, com o dinheiro que tem pela venda da Cedae, se tivesse uma articulação do poder municipal junto de projetos técnicos e junto à União, acho que gente poderia iniciar algo em relação a Atafona. Mas, até hoje, infelizmente, eu não vejo essa vontade política.
Márcio – Vivo aqui em Atafona e sei dessa importância de resolver esse problema do Pontal. Como Bruno colocou, realmente, não é uma coisa que envolve somente a Prefeitura, envolve também outros órgãos. Mas, a preocupação que eu passo a ter, e vejo que também a população acaba tendo, é de que tudo o que se faz quando se fala de uma questão política é saber quem é o pai da criança. Então, todo mundo, na verdade, fica naquela expectativa. Quando envolve outros órgãos, aí fica naquilo de quem vai realmente aparecer nessa história. Nós vamos chegar a um período de campanha, já estamos na pré-campanha, aí vão aparecer várias pessoas aqui. Aparecem várias pessoas tirando foto, falando sobre o Pontal, e daqui a pouco tudo aquilo ali fica no esquecimento, porque, realmente, não tem vontade política de se fazer nada pela população. Simplesmente, todos acabam pensando é na sua própria eleição. São pessoas perdendo casas, são pessoas que tiveram a sua infância aqui. A gente não vê vontade nenhuma nem na parte do governo municipal, e a gente não vê isso acontecer também na parte estadual e muito menos na federal. O projeto pode chegar lá, todo mundo sabe que chega, e daqui a pouco fica no esquecimento.
Folha – Como SJB, com renda per capita 3,6 maior que Campos, tem baixo desenvolvimento econômico?
Bruno – SJB, na época do governo Betinho Dauaire (1997 a 2004), e não é porque é meu pai, chegou a ter investimentos na ordem 32%. Hoje, investe menos de 2%. SJB se transformou numa máquina eleitoral muito potente. Aumentou o custeio, se apadrinhou indicações, e hoje o município sofre com esse modelo administrativo que pune a população. A gente perdeu tempo em qualificar nossos jovens para inseri-los no mercado, não foi trabalhada a nova vocação do município. A municipalidade deixou que essa nova vocação fosse absorvida por cidadãos que não são sanjoanenses por falta de qualificação profissional, por falta de investimento e infraestrutura na cidade, fazendo com que o Porto do Açu seja uma ilha, que não se comunique com o poder público. Vou trazer aqui outro dado, de uma área em que eu atuei, que foi a área da assistência social, fui secretário (estadual) de Assistência Social. A imaturidade política é tão grande da prefeita e dos seus liderados, que SJB acabou, por picuinha política, por não ser alguém ligado à prefeita, com a Leão XIII. O aluguel, o convênio que o município possuía com o Estado, foi interrompido por parte da Prefeitura. Então, a gente vê, nas pequenas atitudes, atitudes imaturas, que fazem com que isso reverbere em toda a administração pública. SJB perdeu esse ano a oportunidade da adesão ao programa Criança Feliz, que daria mais de R$ 500 milhões por ano, que trataria de crianças de zero a três e de três a seis anos, por falta de competência. Hoje, a gente está desassistido dessa área porque não existia projeto, não houve adesão. Então, são pequenas atitudes que fazem com que a gente entenda essa dinâmica da administração pública: um custeio muito alto, uma máquina eleitoral potente e a falta de investimento em qualidade de vida do cidadão.
Márcio – Dentro desse modelo de governo, a gente vê que não há o crescimento das pessoas da localidade. Quando a gente fala no Porto do Açu, é muito fácil jogar na conta da população, dizendo que não está preparada para ser inserida no mercado. Mas, é aí que entra em ação o poder público, quem governa o município, vendo qual é realmente a necessidade, as empresas que vão ser instaladas, e, com isso, dando oportunidade às pessoas para que sejam inseridas. Mas, isso, dentro de um modelo político, não é uma coisa vantajosa para quem quer se perpetuar no poder, porque, quando você está numa condição de ter essa independência, você acaba não ficando preso àquilo que já vem se construindo há muito tempo. A gente vê isso nitidamente nas eleições, pessoas presas, elas não entendem como estão reféns da situação. Hoje, com uma receita (per capita) como a nossa, que chega a quatro vezes mais do que a de Campos, e, na hora em que as pessoas precisam de uma coisa simples, elas têm que recorrer à cidade vizinha. Nós é que teríamos de socorrer a Campos e outras cidades que estariam numa condição bem menor economicamente. Temos aqui um grande reino, porém, os súditos sofrem, e a gente vê isso nitidamente. Temos uma população que vive nesse grau de pobreza. A função de quem está no poder público é realmente trazer uma condição melhor para a população, e a gente não vê isso acontecer. É lamentável, mas é a nossa realidade. Não há investimento, não há um projeto para que nada aconteça. As pessoas ficam sem entender como uma cidade tão rica vive numa condição de cidade tão pobre. SJB era pra ter um hospital pelo menos para cirurgias de pequena e média complexidades, e a gente não vê isso. E temos que investir na educação, porque a educação é tudo.
Alcimar – No início da entrevista, eu falei de quanto é contraditória São João da Barra. Toda essa discussão confirma essa contradição; SJB tem um orçamento que é muito relevante para a sua população. Pelo número de população, tem muito dinheiro, essa é a verdade. Para que as pessoas entendam o orçamento, dele tem que ser reservada uma parte para custeio, para gasto com a máquina pública, no dia a dia, e outra parte deve ser canalizada para investimento. Investimento, para as pessoas saberem do que se trata, é exatamente para atender esses gastos de longo prazo, para sanar deficiências que estão evidentes em São João da Barra, como, por exemplo, o esgotamento sanitário, como água potável, o pessoal ocupado; o IDEB, que é a avaliação da educação. Enfim, todos esses indicadores são frágeis, e a cidade tem dinheiro guardado, quer dizer, tem superávit. Para se ter uma ideia, 46% da população se constituiu como apta para receber o auxílio emergencial no ano passado. Isso quer dizer que SJB é riquíssima e tem uma população paupérrima bastante elevada, porque esses recursos acabam concentrando num grupo de privilegiados. Se a gente for olhar outros setores, nós vamos ver também o abandono. Por exemplo: no que diz respeito à agricultura, à pecuária, à pesca, essas atividades estão se inferiorizando e aumentando a pobreza do município, enquanto os recursos ficam ociosos, exatamente por falta de competência. O Bruno colocou muito claramente, esses recursos do Estado não serão aplicados produtivamente na cidade, assim como os recursos do município não serão aplicados de forma satisfatória no município porque nós não temos competência para elaborar projetos que possam transformar esse município a médio e longo prazos.
Folha – Como SJB poderia se desenvolver, recebendo tantos recursos?
Bruno – SJB é uma cidade muito rica que não encontra na sua municipalidade a importância que deveria ter. A gente falava das vocações do município, que não foram aproveitadas durante essa gestão. O Alcimar tratava muito bem da questão do auxílio emergencial. Hoje, SJB tem mais de 3.400 pessoas beneficiárias do Bolsa Família. A gente só vai começar a mitigar essas contradições quando o governo, entender e diferenciar que crescimento não é desenvolvimento. Desenvolvimento a gente se baseia na distribuição de riquezas, nos investimentos de infraestrutura. SJB cresce, mas não se desenvolve. A gente encontra sanjoanenses indo buscar emprego no balcão de empregos da Prefeitura de Campos, para ocupar as vagas do Açu. A gente vê sanjoanenses que antes tinham a bolsa universitária, um programa criado, inclusive, na época pelo meu pai, em que tinham ali a oportunidade de estudar. Hoje, não possuem mais. Ter a titularidade do Porto não é ser responsável pelos investimentos privados, mas sim pelos investimentos públicos. A gente não pode ser mestre de cerimônia do porto apenas, precisamos fazer com que a municipalidade acompanhe esses investimentos. E acompanhar esses investimentos, inverte essa lógica do crescimento. Ao que me parece, a gente já arrecada mais ISS que Campos. Então, a gente precisa inverter essa lógica. Crescer não é se desenvolver. Se desenvolver é distribuir as riquezas. E está muito claro, seja pelo Bolsa Família, seja pelo programa que a gente criou, o Supera RJ, seja pelo Cartão Cidadão que é distribuído pela Prefeitura, a gente percebe que é uma cidade rica, mas que não existe como os investimentos para melhorar a qualidade de vida. Como o Márcio disse, esse cidadão precisa ter autonomia e independência.
Márcio – A gente vê aí, R$ 33 milhões (de suplementação por excesso de arrecadação). Podem entrar R$ 30 milhões, R$ 33 milhões, R$ 60 milhões, e podem vir mais R$ 100 milhões... Se não tiver planejamento, vai continuar a mesma coisa. Hoje, era para SJB causar inveja a vários municípios no país inteiro. Isso aí é uma coisa que não é questão de querer aproveitar momento, querer se tornar pedra contra quem está na vitrine. Não sou de fazer isso, mas às vezes parece que querem dar diploma de bobo a todas as pessoas daqui, com a receita que nós temos, e a gente não vê nada acontecer. É uma coisa que mexe muito com as pessoas que pensam no melhor para SJB, não dá para entender como que se governa dessa maneira. Eu acredito que precisa de pessoas competentes, dar autonomia às pessoas para as coisas acontecerem. E não vemos isso dentro do nosso município. Há um governo centralizador. Eu acredito que nós temos aqui pessoas capazes, mas acabam não podendo ter a iniciativa de fazerem as coisas acontecer, porque não é esse o objetivo de um projeto de governo que já foi instalado por anos e anos aqui em SJB. Eu acho que devemos pensar bem o que queremos para SJB. É uma cidade milionária, que tem recursos para se fazer muita coisa acontecer, mas as pessoas se satisfazem com uma pequena coisa. Quer ver uma coisa? É obrigação minha, até como empregador, pagar em dia os meus funcionários. Aqui ficou como se fosse um modelo, como se fosse uma coisa extraordinária, mas a gente vê que é uma obrigação. O funcionário trabalhou, ele depende daquilo dali, depende de receber. É simples assim. Às vezes, é colocado como se fosse um grande mérito pagar em dia. Tem que pagar mesmo.
Alcimar – Já falamos sobre a quantidade de recursos e a ausência de serviços. Eu completaria só dizendo que não só serviços, mas também o abandono das atividades produtivas, como agricultura, pecuária. A área colhida no município encolheu, nos últimos 10 anos, 70%. Para se ter uma ideia, a produtividade leiteira perdeu 50% nos últimos 10 anos. Então, a gente tem também uma queda substancial na atividade produtiva. Para resolver essa questão, é realmente algo muito complexo. A gente vê que o processo com a estrutura política, o modo de fazer política, dificilmente vai ser reconduzido para implementar estratégias mais competentes para um problema tão complexo. É necessário trabalhar a base da própria sociedade, é preciso inserir conceitos sociológicos, como, por exemplo, do trabalho coletivo; é preciso deixar de fazer favor como o município faz hoje. Se você quer uma consulta médica, precisa de um vereador. Quer arar sua terra, precisa de um trator emprestado. Isso tem que acabar, o governo precisa disponibilizar serviços de qualidade naturalmente. Assim como no caso da agricultura, esses produtores precisam alcançar um padrão de competência, capaz de se organizar, criar cooperativas, comprar seus equipamentos. Quando você melhora o ser humano, ele consegue alçar voos, e a gente consegue ser competitivo, o que precisamos. Com essa estrutura que temos hoje, dificilmente vamos chegar a esse estágio razoável. Com essa estrutura de riqueza toda, importamos a comida do Espírito Santo. A nossa merenda escolar vem de fora. É necessário dotar essas atividades reais, de maior competitividade, e é preciso que o governo realmente se qualifique para prestar os serviços conforme a sociedade espera, precisa, e dentro dos recursos disponíveis.
Folha – Quais os erros e virtudes do carlismo, após 17 anos?
Márcio – A virtude que eu vejo até agora é na questão da pandemia. Eu achei que foi bem controlada. Até o próprio Hospital do Covid, as pessoas que ali tiveram necessidade de atendimento, os que eu tive oportunidade de conversar, eles falaram que foram muito bem atendidos, a equipe médica muito boa. Então, nós parabenizamos os médicos. As pessoas que estiveram na linha de frente no combate foram pessoas que se dedicaram muito, e nós temos realmente que falar que foi uma coisa que funcionou muito bem. Porém, com respeito a algumas atitudes, aí já entra não uma virtude, mas um problema, que eu, até como empresário mesmo, vi que é um problema desse governo: não ser participativo, não ouvir também as necessidades das pessoas. Nós, como empresários, sofremos muito nesse período da pandemia. Os nossos comércios ficaram fechados. Nós éramos a favor realmente de o comércio permanecer fechado, porque não era uma brincadeira, era algo muito sério. Mas, nós não tivemos suporte nenhum, porque os boletos venciam, os encargos todos, contador, os impostos. Não tinha essa conversa de que nesse período as nossas dívidas seriam prorrogadas, nada disso aconteceu. Se você não pagasse, ia para protesto, e como é que você arca com os compromissos tanto com funcionários, com tudo, com os comércios fechados? Já que teria que ficar fechado, eu acho que foi uma falta muito grande do governo não nos chamar para ver realmente as nossas necessidades. E vejo também que um dos problemas do nosso governo aqui é a questão de centralizar tudo. A gente vê que os secretários não andam com suas pernas, e isso traz um preço muito grande, porque tudo tem que passar na mão da gestora. Isso acaba inibindo a cidade a desenvolver. E é o prejuízo que nós temos aqui no município de São João da Barra.
Alcimar – Vou passar a visão bastante geral. Nesses anos todos, especialmente a partir de 2008, SJB passou a receber um valor acentuado de rendas e participações especiais. A partir de 2008, essa coisa aumentou de forma brutal. A partir de 2014, passou a receber mais ISS por conta do Porto. Então, as receitas foram aumentadas de forma substancial. E, contraditoriamente, nós teremos deficiências crônicas, por exemplo, com esgotamento sanitário, com água potável e com a educação. A nossa avaliação pelo Ideb no ensino fundamental, naqueles anos mais avançados, é inferior aos municípios do Noroeste. Nós temos 50% de pobres que já estão aptos a receber auxílio emergencial. Então, quer dizer, de um lado você tem um aumento substancial da riqueza, das receitas, e do outro lado você tem um aprofundamento da pobreza. Esse aprofundamento a gente identifica exatamente nesses indicadores. Há áreas rurais escondidas de recursos, alagamentos permanentes, esse problema trágico que tem todo ano, deixa pessoas em total alagamento. Enfim, considerando esses elementos, eu não posso identificar pontos positivos nessa gestão. Questões pontuais eu considero como obrigação. Essa história de pagar salário em dia é obrigação, a lei manda que você pague salário em dia. Atender a um serviço básico da saúde, isso é obrigação. Se sobra dependência externa, então nós não atendemos bem. Qualquer situação pontual não cobre essa problemática tão grave que nós podemos identificar por esses dois elementos: a receita e o decréscimo de serviços.
Bruno – É preciso primeiro entender que se trata de um modelo administrativo, um modelo político que se perpetua há 20 anos no município. É difícil falar da virtude. A gente poderia aqui dizer que a lógica dos resultados eleitorais das últimas eleições ao executivo municipal poderia ser aí um ponto positivo para a prefeita. Porém, como disse o Alcimar, a contradição é muito grande. A partir do momento em que a gente tem uma lógica positiva nos resultados eleitorais, uma máquina preparada para enfrentar as eleições e não preparada para administrar, a gente enxerga que a população pagou um preço muito caro nesses 20 anos diante da positividade dos resultados eleitorais deste grupo. Então, eu quero seguir aqui um pouco a linha do Alcimar Chagas de não conseguir enxergar, dentro desse modelo administrativo, pontos positivos que a gente possa tratar como virtude. Tratando do início do governo Carla Machado lá, depois de 2008, a gente vê que os períodos de investimento na cidade, investimentos em infraestrutura, as políticas públicas, todas elas são iniciadas nas vésperas dos períodos eleitorais. E aí, acabando com as eleições, se retorna à falta de políticas públicas, à falta de investimento. E isso se tornou uma máxima dentro desse atual modelo. Hoje, depois de 20 anos, a população consegue enxergar que este modelo foi um modelo autodestrutivo para o município. E a gente vem buscando, junto ao Governo do Estado, tentar compensar essa falta de investimento em infraestrutura. O próprio pacote de obras apresentado pela prefeita foi um pacote que foram indicações nossas. A população pagou muito caro durante esses 20 anos, 20 anos de estagnação. A gente está sempre abaixo dos índices nacionais da questão social. É muito triste a gente ver um município que arrecada tanto não dar essa contrapartida da qualidade de vida da população.
Folha – Como vocês veem o projeto de sucessão do grupo que está no poder?
Márcio – Eu vejo que o que hoje vai fazer uma grande diferença do que tem sido nos anos anteriores com respeito a se manter no poder é que a população está cada vez mais atenta ao que está acontecendo, e ela tem percebido que o preço que se pagou por isso daí, na época, principalmente, em que vai se aproximando as eleições, os favores que são feitos, aquilo dali depois é um preço muito alto que é pago. E eu acredito muito que, cada vez mais chegando informação às pessoas, elas vão ficando mais entendidas para poderem discernir o que realmente elas querem, o que é o melhor para o município. Porque o preço que tem sido pago tem sido alto demais, e só se sabe isso quando as pessoas realmente precisam do poder público. Aí é que elas vão realmente ver o que custou não pensar muito bem em qual tipo de governo querem para a sua vida. Há um movimento de que a população está bem ligada ao que está acontecendo, e a gente vê as reclamações. As pessoas estão insatisfeitas, há uma insatisfação muito grande. E elas vão ter oportunidade de mostrar isso quando estiver tudo nas mãos delas mesmo, de pegarem e darem o aval, se querem que continua do jeito que está. Na verdade, a única coisa que nós fazemos é colocar o nosso nome para disputar uma eleição. Mas, quem decide sempre vai ser a população, e o que acaba acontecendo é que, de uma forma inconsciente, devido até aos soldados que saem na rua naquele momento, na sensação do oba-oba, as pessoas partem para, já com tudo certinho, votar naquilo ali e dar continuidade a um governo que não tem mostrado que tem sido bom para a população.
Alcimar – Esse formato, que eu considero como o populismo, ele é perverso no mundo inteiro. É perverso porque exatamente acaba subordinando de forma absurda a população. Pode ser até considerado como uma virtude, mas eu acho triste, porque, enquanto as forças políticas se empoderam frente à sociedade e a sociedade não entende esse papel de subordinação, as coisas ruins começam a aflorar. E os filhos dessas famílias que não conseguiram entender esse processo, esses jovens perdem o futuro deles. Essa é que é a verdade. Alguns mais velhos não conseguem o seu sustento e são obrigados a ficar na dependência desses membros políticos por muito tempo. Isso é muito claro, só não vê quem não quer. Nessa dependência total em que, para você conseguir uma consulta médica, você tem que bater na porta de um vereador. Isso é o populismo, que, na verdade, está matando a sua família. Agora, eu tenho esperança de que esse processo seja encurtado a partir exatamente do exercício da discussão. É preciso bater e muito nisso. Há quantos anos eu me posiciono? Para o Aluízio, secretário, me perdoe, vir dizer que eu sou oposição. Eu não sou oposição, eu sou um cidadão. E um cidadão que quer o bem da cidade. Eu estudei fora. Não foi a Prefeitura quem bancou a minha faculdade, não. Meu pai que bancou, quer dizer, com muita dificuldade e com a ajuda de amigos. Então, é preciso eliminar esse populismo. Quando a gente eliminar esse populismo, nós vamos ver jovens (Alcimar se emociona)... você vai ganhar dignidade. As pessoas precisam de dignidade. Precisamos de possibilidades de avançar, para a gente constituir um papel, exercer um papel na sociedade, e não ficar como subserviente a pessoas que muitas vezes não merecem.
Bruno – Eu acho que SJB, hoje, consegue enxergar muito bem as coisas. Primeiro que esse modelo de gestão não se renovou com o tempo, ele não buscou aprimoramento, ele não buscou técnica de trabalho. Esse modelo de gestão ele me volta aos tempos da década de 1980, 1970, em que o Governo do Estado era o grande aportador de recursos. Época essa em que eu não era nascido, até 1985, mas sou um adorador dessa história política do município, e a gente percebe que o município era muito dependente do estado, do seu parlamentar da época, o Alberto Dauaire, para trazer investimentos. E aí a gente percebe, hoje, que o município volta a esse tempo, necessitando do Governo do Estado para realização de intervenções básicas que própria Prefeitura poderia fazer, como a reforma do Ginásio. Obras que são obras básicas, que qualquer prefeitura hoje está realizando, e a gente volta a depender Governo do Estado, quando, na verdade, a gente deveria estar aí discutindo na ordem, de acordo com os projetos que a gente sonha, de mais de R$ 100 milhões de investimento para a cidade. Então, primeiro, eu acho que a população entende que não houve uma renovação do modus operandi da atual administração. Segundo: ficou muito claro, quando a prefeita fez a indicação dela, na época pelo prefeito Neco. A população hoje consegue compreender que a prefeita não indica bem o seu sucessor, porque a gestão do prefeito Neco também foi uma gestão muito equivocada, uma gestão que deixou muitas sequelas também, por dar continuidade, embora rompido politicamente, com o modus operandi da atual prefeita.
Confira a entrevista completa:

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