Artigo - Nos 100 anos do Mercado, um intruso Camelódromo
Matheus Berriel 15/09/2021 17:33 - Atualizado em 16/09/2021 13:10
Obra do Camelódromo durante apresentação da Lyra Conspiradora
Obra do Camelódromo durante apresentação da Lyra Conspiradora / Matheus Berriel
Constrangedora. Assim pode ser definida a solenidade em comemoração ao centenário do Mercado Municipal de Campos, ocorrida na manhã desta quarta-feira (15). Uma cerimônia em que várias coisas foram evidenciadas, cabendo o menor destaque ao próprio aniversariante, tão malconservado que não recebeu sequer uma demão de cal na fachada.
Marcado para as 9h, o evento começou com uma apresentação da Sociedade Musical Lyra Conspiradora Campista, praticamente isolada num trecho da área de onde hoje se constrói o novo Shopping Popular Michel Haddad. Na verdade, as várias intervenções musicais, possibilitadas devido ao atraso do prefeito Wladimir Garotinho, representaram o principal fato do evento, mesmo com certo constrangimento causado pela execução do "parabéns a você" em ritmo de marcha fúnebre.
Para um ativista do preservacionismo patrimonial que integrava o público, a presença da banda foi a única atração realmente importante. Afinal, no auge dos seus 139 anos, a Lyra Conspiradora já existia na inauguração do Mercado, há um século, e nesta quarta promoveu uma viagem ao passado por meio dos sons oriundos dos seus instrumentos. Um contraste absoluto com o que se viu à frente e atrás dos músicos, onde poucos operários trabalhavam na construção do novo Camelódromo, este um intruso no entorno do Mercado que passou a boiada com Coppam, com tudo. Pois foi o próprio Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos quem efetuou o tombamento do Mercado em 2013, no intuito de preservá-lo, para depois autorizar o início da obra naquele local, em 2014, como também a sua retomada no ano atual, desfigurando o entorno do prédio e prejudicando a visualização, por exemplo, da tradicional torre do relógio.
Só por volta das 10h30, portanto uma hora e meia após o horário previsto, o prefeito chegou ao evento. E o que ocorreu dali em diante foi a representação de um palanque político, com bajulações a nomes que, ao contrário do Mercado, em alguns anos vão passar. Teve secretário citando a inoperância do ex-prefeito Rafael Diniz quanto à obra do Camelódromo, como se este fosse o equipamento principal na comemoração em curso. Parecia mesmo ser, pois também foi abordado por Wladimir, que prometeu entregá-lo até maio de 2022, para só em seguida debater a obra do bom e velho Mercado.
Até houve homenagem a antigos permissionários, com entrega de placas a cinco deles, mas já no final da cerimônia, com o público cansado e se esforçando para resistir ao forte calor. Nem todo mundo entrou para assitir ao descerramento da placa pelo centenário do Mercado, a quem um representante do governo, involuntariamente, acertou ao adjetivar como um local que "sobrevive, mesmo com as transformações por que passa o Brasil".
Sobreviver é a expressão ideal, complementada de dentro da máscara por uma popular que passava por ali, quase alheia ao evento: "caindo aos pedaços, mas sobrevive". Outro popular, este mais atento à cerimonia, tornou-se dela um símbolo ao carregar uma bandeira com o número do PSD, partido do prefeito. Para muitos em Campos, as eleições nunca terminam.
Na tarde deste 15 de setembro, o saldo que já se tinha da manhã era o destaque dado ao inconveniente Camelódromo. E inconveniente não por existir, mas por estar no lugar errado, enquanto não faltam espaços alternativos para recebê-lo sugeridos por quem entende do assunto. Com a insistência da Prefeitura numa obra que se arrasta há mais de meia década, o equipamento virou um penetra que, assim como o personagem do samba famoso na voz de Zeca Pagodinho, "roubou o pedaço de bolo e o refrigerante que estavam na mão do aniversariante". Quanto ao prédio que deveria ser o centro das atenções, a definição perfeita dá título a outra música popular, composta e imortalizada por Nelson Sargento. Da mesma forma que o samba, por mais que mudem toda a sua estrutura, o Mercado Municipal "agoniza, mas não morre".
Comemoração do centenário do Mercado Municipal
Comemoração do centenário do Mercado Municipal / Genilson Pessanha

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