Porta fechada para o sonho da maternidade
Ícaro Abreu Barbosa - Atualizado em 08/05/2021 01:32
Centro de Infertilidade e Medicina Fetal está com atendimento interrompido
Centro de Infertilidade e Medicina Fetal está com atendimento interrompido / Genilson Pessanha
Muitas mulheres comemoram o Dia das Mães neste domingo (9), enquanto outras apresentam problemas de infertilidade que inviabilizam o sonho da maternidade. Para as segundas, existem profissionais na área que tentam reverter a situação da infertilidade com medicamentos e procedimentos Fertilização In Vitro (FIV) —a altos custos.
Mas Campos, até 2015, era o único município que fazia a cobertura integral dos custosos procedimentos no Centro de Infertilidade e Medicina Fetal do Norte Fluminense, através da parceria entre o Hospital Escola Álvaro Alvim (HEAA) e a Prefeitura da cidade. O programa foi lançado por Rosinha Garotinho, em 2010, e foi responsável por custear o tratamento ao preço de R$ 10 mil por paciente, um valor bem abaixo do cobrado por médicos particulares (entre R$ 16 mil até R$ 50 mil).
Acontece que, aos poucos, foi-se diminuindo o número de mulheres com o sonho da maternidade atendidas por mês, entre 2010 e 2015. De 20, passou para 10 e, perto da interrupção do programa, para sete. Com a interrupção dos atendimentos, restaram cerca de 60 mulheres na fila. Segundo o diretor do Centro de Infertilidade, Dr. Francisco Augusto Colucci Coelho, apenas essas mulheres que terão seu tratamento retomado na próxima segunda (10), e finalizado em, no máximo, três meses. Não há mais fila, porque o programa está interrompido.
Diretor do Centro de Infertilidade, Dr. Francisco Augusto Colucci Coelho
Diretor do Centro de Infertilidade, Dr. Francisco Augusto Colucci Coelho / Genilson Pessanha
O motivo da interrupção foi uma auditoria feita pelo Ministério Público, após uma Ação Civil Pública, para apurar porque a população não estava sendo atendida se o programa existia. “A auditoria já foi feita e o processo está em fase de conclusão, mas não existe nenhum movimento de retorno do programa. Enquanto isso, as instalações estão lá montadas e sendo subutilizadas, uma lástima para a região Norte e Noroeste”, destacou Francisco.
Ainda de acordo com o médico, seu desejo é que uma nova parceria seja feita pelo governo e pelo HEAA, disponibilizando os serviços para mais pessoas. “Mas o Hospital fechou o ambulatório, pois a Prefeitura falou que não quer mais. Temos que concluir um livro e abrir outro e o prefeito poderia fomentar esse programa que sua mãe deu início, e eu acredito que o fará”, redarguiu Francisco Coelho.
Entre as pessoas assistidas está a professora Gabriela de Souza, de 35 anos. Há alguns anos ela recebeu o diagnóstico de endometriose profunda, aumentando sua dificuldade de engravidar. Ela chegou a ouvir de vários especialistas que uma nova gravidez seria impossível. Aos 18 anos, ela foi mãe em outro relacionamento e hoje, casada, descreveu o “pesadelo” de não ter filhos biológicos com o marido: “Saber que não poderíamos ter filhos era uma dor que nos acompanhava a cada mês.”
Ela pesquisou sobre tratamentos e viu os preços: inviáveis financeiramente. “Foi quando descobri que em Campos existia o Centro de Infertilidade, que oferecia a possibilidade de um tratamento gratuito e de altíssima qualidade em parceria com a Prefeitura. Era a luz no fim do túnel! Existia uma esperança!”, afirmou a professora.
Na clínica a visão dos profissionais era otimista, apesar de serem realistas quanto a gravidade do caso, no que diz respeito à fertilidade. Ela foi submetida a procedimentos cirúrgicos que se tornaram mais complicados do que o previsto, mas obteve resultados satisfatórios.
— Mesmo assim, entendia-se que a gravidez de forma natural seria muito difícil devido ao comprometimento deixado pela endometriose, além da possibilidade de retorno dos focos da doença — continuou, explicando que a melhor opção seria uma FIV. Os procedimentos começaram, em paralelo as tentativas de fecundação natural.
Os dois procedimentos de FIV não deram certo, mas “a existência deste tratamento oferecido pelo Centro de Infertilidade novamente se mostrou de grande importância, também para manter as esperanças em momentos tão complicados”, disse Gabriela.
Por fim, ela acabou engravidando e tudo pareceu se encaminhar para um desfecho feliz. Mas uma ruptura uterina que a fez perder o bebê e ficar em estado grave, devido à hemorragia, brecou o sonho que se realizava. Ela foi para a UTI e passou por outros procedimentos cirúrgicos: inclusive a retirada de seu útero. “Foi o pior pesadelo possível”, descreveu, “parecia não haver mais luz no fim do túnel”.
Procedimentos eram oferecidos em parceria entre HEAA e a Prefeitura
Procedimentos eram oferecidos em parceria entre HEAA e a Prefeitura / Genilson Pessanha
Mas o programa municipal, de novo, trouxe esperança para o caso da professora. Surgiu a possibilidade do procedimento com útero de substituição — utilizando um embrião geneticamente formado por Gabriela e seu marido. Apesar do apoio de familiares, e o surgimento de mais de uma opção de barriga solidária, Gabriela confessou: “Parecia uma ideia um pouco assustadora no início, afinal teríamos que envolver uma terceira pessoa que estivesse disposta a carregar nosso sonho em sua barriga... Mas, novamente, a luz no fim do túnel parecia ressurgir”.
Atualmente, Gabriela e seu marido aguardam a retomada da clínica para retomar a caminhada em busca dos seus sonhos. Mas destaca, “o fato de existir em nossa cidade uma clínica que nos oferece toda essa possibilidade de tratamento, ainda com uma oferta gratuita, é de valor inestimável para todas as pessoas que sofrem com o problema de dificuldade para engravidar, independente de qual seja o seu caso”.
Como o tempo não para e pode representar sucesso ou fracasso do tratamento, o acesso rápido é fundamental na perseguição do sonho. Principalmente no caso da fertilidade, quando as taxas hormonais femininas começam a cair, sobretudo após os 35 anos. “De acordo com que o tempo passa, alguns conseguem realizar seus sonhos, outros podem ficar pelo caminho”, concluiu Gabriela.
A secretaria municipal de Saúde reconhece a grandiosidade do projeto desenvolvido pelo Centro de Infertilidade e Medicina Fetal do Norte Fluminense e, há sim, interesse em retomar o programa, assim como muitos que integram a atenção primária e foram encontrados paralisados, como é o caso de outros, dentre eles o de cirurgias bariátricas. A atual gestão informa que vem trabalhando para reabertura desses programas, assim como das Unidades Básicas de Saúde (USB), mas esclarece que neste momento os esforços estão voltados para o enfrentamento da pandemia do novo coronaví
Genilson Pessanha
rus. Espera-se que num futuro próximo possa reestruturar todos os programas da rede de atenção primária.

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