Nélio Artiles: Síndrome pós Covid
- Atualizado em 13/05/2021 09:12
Infectologista Nélio Artiles
Infectologista Nélio Artiles / Rodrigo Silveira
Somos diariamente informados dos números de casos de Covid no país e no mundo e afrontados pelo quantitativo de óbitos, que vem no Brasil variando na casa dos milhares. Nosso cérebro, de certa forma, não consegue processar rapidamente a significação de tantas perdas e dores familiares e, com isso, há uma tendência a minimizar números tão absurdos. Sabe-se, no entanto, que, no geral, 85% das pessoas desenvolverão formas leves e moderadas da doença, seja tomando sopa, salada de chuchu ou ivermectina, enquanto 13% terão evolução mais severa, 4% ficando críticos e 2% indo infelizmente a óbito.
Após atender centenas de pessoas, tenho acompanhado quadros de pós Covid, já denominados de Long Covid, ou Covid crônica para alguns, com diversas sequelas relacionadas ao adoecimento. Já era conhecida a síndrome pós cuidados intensivos (Pics) em pacientes que ficam graves em Unidades Intensivas, assim como as complicações específicas relacionadas à internação, como, por exemplo, as infecções hospitalares. Tem se destacado uma fadiga crônica que representa um cansaço para a execução de tarefas simples.
Assim como ocorre na Pics, na Long Covid se observa esta fadiga em mais de 50% das pessoas, também dor de cabeça e dificuldade respiratória, assim como vários transtornos psiquiátricos como ansiedade e depressão, dificuldades cognitivas, de memória e de concentração, além da alopecia (queda de cabelos). As infecções hospitalares preocupam muito, já que quase a totalidade das pessoas que ficam no respirador por longo tempo acaba desenvolvendo pneumonias por germes resistentes à maioria dos antibióticos, certamente induzidas pelo uso abusivo desta medicação, desde o início do quadro quando não haveria indicação. Por exemplo, o uso de azitromicina ou amoxacilina com clavulanato.
Úlceras de pressão, alterações da função renal e complicações neurológicas têm chamado a atenção, como os AVEs (acidentes vasculares encefálicos), que acontecem em geral três semanas pós Covid, em uma proporção 7,6 vezes maior que em outras doenças virais, como influenza. As manifestações gerais da Long Covid acontecem mais frequentemente naquelas pessoas que tiveram quadro mais graves e podem ser amenizadas ou prevenidas. Boa parte dessas pessoas tem dificuldade de retornar às atividades laborais imediatamente, precisando de acompanhamento, fisioterapia, psicoterapia e tratamentos diversos.
A experiência deste enfrentamento é sem igual, pois além de tantos sintomas, graves ou não, se soma a percepção de uma possível finitude, mais objetivamente o medo da morte. Apesar de ainda não termos bem claro os protocolos de prevenção e de tratamento por um Ministério da Saúde confuso e politicamente influenciável, esta é uma nova demanda que precisa de atenção, através de uma ação de saúde pública, em que o tratamento multidisciplinar é fundamental.

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