As armas de Bolsonaro
16/04/2021 18:05 - Atualizado em 16/04/2021 18:24
Na última segunda-feira, dia 12, a ministra do STF Rosa Weber em decisão monocrática suspendeu partes dos decretos editados pelo presidente Bolsonaro que flexibilizavam ainda mais a posse e o porte de armas em território nacional. A decisão atingiu especificamente os últimos quatro decretos publicados na véspera do carnaval. As principais partes que foram invalidadas pela ministra foram a que aumentava o limite de armas que poderiam adquiridas por um cidadão comum de quatro para seis, a que dispensava autorização do exército para que colecionadores e atiradores adquirissem armas e a que reduzia a fiscalização do Exército sobre a circulação de armas.
Desde que assumiu a presidência Jair Bolsonaro editou diversos decretos modificando a política nacional sobre armas de fogo. Eleito com um discurso sobre lei e ordem, a defesa do armamento da população, de combate à impunidade e redução da maioridade penal formaram o eixo central de suas propostas. Apesar de defender as ideias liberais durante a campanha, o discurso econômico não teve a mesma relevância para sua vitória que a agenda ligada à segurança pública e justiça criminal. Seu símbolo na campanha era uma arma e independente das soluções simplistas apresentadas, esse discurso atingiu o eleitorado amedrontado pela violência e criminalidade.
Portanto, essas tentativas de facilitar a compra de armas pela população são apenas o cumprimento de uma promessa de campanha. Ao contrário das outras promessas como combate à corrupção, privatização de empresas públicas e a não utilização de emendas e ministérios para cooptar apoios de políticos que foram deixadas para trás, a flexibilização do comércio de armas parece ser a única mantida até agora.
Porém, as justificativas usadas para a defesa do armamento da população mudaram. Até as eleições a proposta de liberar a compra de mais armas e munições pela população tinha como ideia central a defesa dos cidadãos diante da crescente violência. Apesar de não haver comprovação científica de que uma população armada é uma forma eficaz de combater a violência, essa era a ideia central dos Bolsonaros. Na verdade, as pesquisas nacionais e internacionais apontam justamente o contrário, de que o crescimento do número de armas em circulação contribui para o aumento das taxas de crimes violentos.
Com a divulgação da gravação da famosa reunião ministerial de abril de 2020 ficou claro que a questão do armamento para Bolsonaro é muito mais ideológica do que uma preocupação com a segurança da população. Segundo fala do próprio presidente, as medidas de flexibilização da legislação evitariam que a população fosse oprimida por uma ditadura. A ideia era armar as pessoas para que pudessem combater a opressão dos governantes, o que é incompreensível já que vivemos em uma democracia e até agora a única ameaça surge justamente do seu governo. O verdadeiro risco para a nossa frágil democracia é exatamente o que ele propõe, armar militantes e milicianos para que possam constranger e ameaçar opositores e críticos do atual governo.
Apesar das críticas constantes a seus arroubos autoritários, Bolsonaro afirma que irá defender a democracia, mas mesmo na questão das armas ele mostra não ter muito respeito pelos ritos democráticos. Tendo sido um político que atuou por quase três décadas no Congresso Nacional, Bolsonaro deveria saber que para modificar uma lei é necessária a discussão de uma nova legislação, seguindo todo processo legislativo na Câmara e no Senado. Porém, desde o início ele se recusou a apresentar um projeto de lei para que fosse discutido no Congresso. Sua estratégia foi fazer essas modificações através da edição de decretos e portarias, contornando os ritos legislativos. O sonho do presidente sempre foi governar por decretos, sem precisar debater ou discutir. Governos democráticos não governam por decretos, o fazem através de leis e emendas constitucionais.
Para frustação do presidente, seu desejo tem encontrado forte resistência na sociedade civil organizada e na imprensa. Grupos como Instituto Igarapé, Instituto Sou da Paz, Fórum Brasileiro de Segurança Pública dentre outros, conhecem o emaranhado de leis, decretos e portarias que regem a produção, comercialização e circulação de armas no país, e seus alertas e denúncias tem subsidiado recursos contra essas mudanças.
O procedimento é sempre o mesmo, o presidente edita um novo decreto com mudanças, a sociedade civil denuncia a ilegalidade, partidos políticos apresentam recursos ao STF e nas casas legislativas e parte das mudanças são suspensas. Foi o que aconteceu com a liminar concedida pela ministra Rosa Weber. Na decisão ela lembra de forma sutil que um governo deve governar de forma democrática e que os decretos excederam o poder de regulamentação do poder executivo adentrando atribuições do poder legislativo. Mais uma lembrança para o presidente de como deveria se portar um governante democrático, mas que não encontra eco, restando a todos aguardar os próximos passos do presidente em seu objetivo de espalhar armas por todo o país.

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    Roberto Uchôa

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