A dança das cadeiras e a segurança pública
- Atualizado em 07/04/2021 14:16
Em uma não tão surpreendente minirreforma ministerial onde o presidente Jair Bolsonaro promoveu mudanças em seis ministérios, não passou despercebida uma das mudanças que mais chamou atenção e afeta diretamente a segurança pública, a troca do ministro da justiça. O que era para ser uma simples troca para agradar o centrão, com a substituição do ministro das relações exteriores, Ernesto Araújo, acabou se transformando em verdadeira “dança das cadeiras” que resvalou até no comando das Forças Armadas. André Mendonça saiu do Ministério da Justiça e Segurança Pública e entra em seu lugar Anderson Torres, delegado de polícia federal que era Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.
Apesar do ineditismo da nomeação de um policial como ministro da justiça, foi uma escolha que não agradou a todos. Enquanto foi parabenizado pela ADPF – Associação dos Delegados de Polícia Federal, a escolha foi recebida com certa desconfiança por outras associações de policiais como a FENAPEF, Federação Nacional de Policiais Federais. O novo ministro é amigo próximo de um dos filhos do presidente e deve defender com vigor as pautas da família como excludente de ilicitude, ampliação da posse e porte de armas e redução da maioridade penal. Nada muito diferente de seus antecessores Sérgio Moro e André Mendonça.
A diferença é que o novo ministro não é um novato na política como o ex-ministro Moro. Durante anos Anderson trabalhou no gabinete de um deputado paranaense e teve oportunidade de compreender como funcionam as engrenagens que movem a política nacional. Porém, o que poderia ser utilizado para destravar questões importantes para a segurança pública que tramitam no Congresso Nacional, provavelmente será limitado pela proximidade com a família presidencial.
As corporações policiais não estão satisfeitas com a forma que tem sido tratadas pelo governo Bolsonaro. Eleito com uma plataforma de apoio à segurança pública, o presidente tem retirado direitos das categorias e começa a enfrentar grande desgaste entre os profissionais. Principalmente devido à reforma da previdência e a PEC emergencial que congelou salários de servidores. É um desgaste que tende a piorar com o debate sobre a reforma administrativa e isso preocupa o presidente e seu entorno.
Mas o presidente ainda tem prestígio principalmente entre os praças das polícias militares e policiais civis e não deseja perder essa base. Prova disso foram os acontecimentos da semana passada onde mais uma vez Bolsonaro ensaiou tirar os comandos das policiais das mãos dos governadores dos Estados. Exemplo maior dessa tentativa foi a apresentação de um requerimento de urgência pelo deputado Major Victor Hugo (PSL-GO) para apreciação do projeto que modifica a “mobilização nacional”. O objetivo era dar ao presidente o poder de confiscar bens, intervir na produção industrial e principalmente convocar civis e militares para ações ordenadas pelo governo federal. Felizmente o requerimento não foi aprovado, mas acendeu mais um alerta sobre as pretensões autoritárias de Bolsonaro.
O movimento do deputado não foi isolado. A tropa de choque de Bolsonaro no Congresso Nacional aproveitou-se da tragédia ocorrida na Bahia, onde o policial Wesley Soares foi morto após disparar tiros de fuzil contra outros policiais, para atacar os governadores. No episódio ocorrido, Wesley, visivelmente transtornado, fez reclamações contra as medidas de restrição impostas por autoridades, o que foi apontado pelos bolsonaristas como um ato de heroísmo e resistência contra a opressão dos governadores. Foi mais um movimento com o objetivo de insuflar atos de desobediência das tropas como já haviam feito nos motins que ocorreram no Ceará ano passado. Só que dessa vez tiveram que recuar, principalmente pelo mal-estar criado com policiais que quase foram mortos na ação após horas de negociação sem sucesso.
Portanto, esse é o cenário que o novo ministro da justiça irá encontrar. Seu desafio será manter o apoio dessa base de policiais ao presidente ao mesmo tempo em que esse investe contra a qualidade de vida deles. Não será tarefa fácil, mas com sua experiência no meio político pode ser que consiga. Agora a segurança pública...isso fica para um segundo momento. O foco do governo é e sempre foi a reeleição.
 
 

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    Roberto Uchôa

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