Nélio Artiles: Espelhos
- Atualizado em 21/04/2021 16:59
Infectologista Nélio Artiles
Infectologista Nélio Artiles / Rodrigo Silveira
 
Há cerca de 25 anos passei pelo maior trauma da minha vida, que foi a perda de meus pais em um mesmo dia, ainda jovens para os novos tempos, e muito por viver. Hoje, chegando à idade deles, com uma saudade imensa, vejo meu reflexo no espelho levando honrosamente traços físicos marcantes do meu pai e a energia misturada com a amorosidade de minha mãe.
Com tantas perdas de vidas importantes em nosso convívio por esta pandemia, devemos buscar um ressignificado para seguirmos em frente. Carregamos, além dos genes, uma construção com elementos da história de cada um, construindo uma trama preenchida de amor, atenção, trocas, dedicações, entre tantos outros “tijolinhos” em nosso ser. Quem somos, se não o resultado dessas trocas de vivências e experiências?
Porém, uma amputação costuma ser bem dolorosa, pois sempre sangra, expõe nervos e feridas e é de difícil cicatrização. A falta será permanente, mas adaptada em meio a todo o cenário de ação e dramas que vivemos a cada dia. E a vida continua, imprevisivelmente, até o dia do ato final, em processo contínuo de transformação e modificação, pelos novos e inusitados desafios, nunca intransponíveis, pois o limite da força está em cada um, através de diversas motivações, que podem estar claras ou ocultas. Por isso necessitando, por alguns, de apoio psicológico.
São mais de três milhões de vidas perdidas pela pandemia no planeta e, no Brasil, quase o quantitativo da população da cidade de Campos, beirando os 400 mil óbitos. Nosso cérebro tem dificuldades de ver ordens de grandeza de centenas de milhares de vítimas, fugindo da compreensão humana, e passamos apenas a ouvir e ver estes números como naturais, até quando acontece ao nosso lado.
Que a dor de cada família que hoje sangra pela ausência inesperada de seu ente tão querido incomode todas as pessoas que continuam impermeáveis às recomendações de não aglomerar e usar máscaras ou de dizer não às vacinas, que continuam sendo nossa única força e instrumento para impedir que os números piorem cada vez mais nesta tragédia mundial.
Na falta física das referências queridas e tão fundamentais em todas as famílias, há que se cuidar do espelho, como cantava João Nogueira: “E o meu medo maior é o espelho se quebrar”.

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