Campos tem histórico de protagonismo feminino em movimentos
- Atualizado em 06/03/2021 08:35
“A mulher que espera tudo do casamento — que resume sua vida nisto — é imoral, porque mercadeja oficialmente o seu corpo... A mulher moderna deve ter maiores desejos que desejos de amor: deve ansiar, individualmente, força, luta e vitória.” A citação é da jornalista, escritora e líder sindical campista Nina Arueira, na edição de 24 de abril de 1932 da “Folha do Comércio”. Quase 90 anos depois, sua mensagem pode ser vista como um símbolo histórico da luta feminina na planície goitacá, que também tem como expoentes as heroínas Benta Pereira e sua filha, Mariana Barreto. 
— A história de Campos está cheia de mulheres importantes e incríveis que marcaram sua época. A vida e a obra dessas mulheres fazem parte da memória que podemos ter acesso por meio da história oral, de documentos, iconografias, hoje objetos de pesquisa dos historiadores. Portanto, temos representatividade feminina na nossa história regional, sim — afirma a diretora do Museu Histórico de Campos dos Goytacazes, Graziela Escocard: — Diferente de demais cidades, que renegaram as mulheres a um lugar secundário e quase inexistente, a história de nossas mulheres campistas e dos seus feitos sempre foi reproduzida, tendo grande importância para a construção da nossa identidade, história e memória.
Apesar da morte precoce por febre tifoide, aos 19 anos, Nina Arueira deixou seu nome marcado na história do município. Militante revolucionária, desde a adolescência ela já surpreendia a opinião pública com artigos publicados tanto na “Folha do Comércio” quanto no jornal “A Notícia”. Em alguns deles, defendeu a classe trabalhadora e as prostitutas. Foi filiada ao Partido Comunista e, aos 18 anos, fundou a Aliança Nacional Libertadora em Campos.
— É a mulher que se julga pronta a ocupar seu lugar de colega, camarada, companheira, isto tudo depois de ter sido atirada tanto tempo à condição de escrava, de mercadoria, de sombra rastejante ao chão que o homem pisa... Nós nos libertamos dos antigos dogmas morais, para escolhermos livremente aqueles que hão de ser pais de nossos filhos. Não queremos mais ser escolhidas — publicou Nina Arueira no “Monitor Campista” em 29 de abril de 1932.
Após a morte, em 1935, Nina teve sua memória disputada entre comunistas e espíritas kardecistas, e foi psicografada por médiuns como o célebre Chico Xavier.
— Das mulheres campistas, Nina Arueira foi, certamente, grande símbolo daquelas que estão sempre à frente do seu tempo. Sua influência e seus pensamentos políticos e sociais são ainda tão atuais que, mesmo hoje, ainda estaria ela à frente de muitos de nós. Considero que, de Nina Arueira, devem ficar, entre outros, o espírito de luta, de combate às injustiças sociais, e a influência de uma mulher que, mesmo tão jovem, marcou seu nome na história campista — enfatiza a diretora do Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho, Rafaela Machado.
O tema representatividade feminina remete também a meados do século XVIII, especificamente à matriarca Benta Pereira. Viúva, ela assumiu a responsabilidade de dirigir os negócios da família, como diversas propriedades, e tornou-se uma liderança no movimento contrário aos donatários da Capitania do Parahyba do Sul, travando embates contra os desmandos dos Assecas. O momento mais marcante, que fez dela e da sua filha, Mariana Barreto, duas heroína campistas, deu-se em 21 de maio de 1748, na ocasião da revolta contra o domínio dos donatários, enfrentando considerável contingente militar.
— O levante de 1748 deveria ser considerado pelas pesquisas históricas como um dos mais importantes e relevantes da América Portuguesa, pois, para além da importância do movimento em si, contou com a participação ativa de mulheres, das quais se destacou Benta Pereira. Mesmo que não tenha montado em um cavalo, como quis fazer crer certa romantização da sua figura, Benta foi uma das principais articuladoras do movimento — assegura Rafaela Machado: — Mulher, viúva, mãe, soube ela formar em torno de si uma importante rede de influências que a permitiu ser uma das principais articuladoras daquele movimento, que terminou com a compra da capitania pela Coroa Portuguesa. Eis um aspecto político de Benta e do levante que a história ainda deve melhor considerar.
Referências contemporâneas — Atualmente, ainda que com certa resistência de parte da sociedade, as mulheres estão em todo lugar. São juízas, promotoras, advogadas, médicas, enfermeiras, políticas, enfim, estão representadas nas mais diversas áreas profissionais. Isto sem nunca terem deixado de ser referência no magistério, justamente a carreira mãe de todas as outras.
— Na área da educação, quando eu comecei a trabalhar, a mulher só podia ser professora. Tanto é que eu queria ser advogada, mas meu pai disse que eu não podia ir para o Rio. Aqui não tinha faculdade ainda, e então me engajei na carreira de professora. Felizmente, fui muito realizada — conta Marluce Guimarães, de 85 anos, quase 40 deles vividos nas salas de aula. — Quando fui fazer a faculdade, mulher casada quase não fazia, eram pouquíssimas. Eu consegui fazer mesmo casada, meu marido me deu todo apoio. Mas, havia essa pressão. Era difícil para a mulher enfrentar esses problemas, especialmente na nossa cidade. Havia todo um tabu quanto à mulher. Felizmente, nós vencemos em termos de profissão, em termos de a gente crescer — reforça a escritora e professora, uma das autoras do livro “Gente da Terra”, sobre personagens importantes da história campista.
A própria Marluce teve seus momentos de heroína da educação, quando fez parte, durante a Ditadura Militar, de um movimento grevista no município.
— Eu encontro com meus alunos e eles lembram de fatos da história, da minha participação nas greves. Nós, professores, tivemos greves de muita força, em um período difícil de ditadura, inclusive com mulheres à frente, como Beth Campista e outras. Lutamos bravamente e conseguimos muita coisa, como aumento, paridade... — recorda ela: — Até hoje encontro com pessoas que lembram das greves e dizem que lutamos muito. Foi uma época de muita força, em que os professores estiveram à frente. E tivemos, ainda, educadoras importantes como Maria Tereza Venancio, que lutou junto a outras companheiras pela instalação da Faculdade de Filosofia.
Por mais que os avanços sejam muitos, ainda há um longo caminho a ser percorrido. É o que observa a vice-diretora do Centro Educacional Nossa Senhora Auxiliadora (Censa), Elizabeth Landim, uma das responsáveis por dar continuidade ao legado da educadora Irmã Suraya Benjamin Chaloub, que morreu em dezembro de 2020 aos 88 anos.
— Vejo que a luta feminina é uma luta constante. E não é uma luta para tirar o espaço do homem. É justamente o contrário: uma luta para abrir espaço para a mulher. São muitos entraves, desde lá de trás, para que a gente possa ocupar nosso espaço profissional e pessoal como mulher. Vejo que a educação propicia muito a abertura deste espaço. Quando você abre a mente, tem uma mente liberta, uma visão descortinadora, você se torna uma ferramenta de abertura para outros grupos, para outras mulheres. Irmã Suraya foi isso, é isso na nossa vida, e tenho certeza que a gente dá continuidade a esse legado de representar a bandeira de ser mulher: alguém que tenha esse descortinar, tenha liberdade — afirma Beth Landim.
Homenagem — Nesta segunda-feira (8), quando será celebrado o Dia Internacional da Mulher, o cantor e instrumentista Marcelo Benjá, fidelense radicado em Campos, fará uma live com repertório de artistas que representam a força, a beleza e o poder criativo feminino. O show virtual está marcado para as 20h, na página de Benjá no Facebook (facebook.com/marcelobenja).

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