Imunidade parlamentar não é licença para cometer crimes - quem faz isso é a ditadura
17/02/2021 16:42 - Atualizado em 17/02/2021 16:49
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O vídeo do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), preso ontem pela Polícia Federal, por ordem do Supremo, é uma sucessão de crimes contra a democracia e a Constituição. Atinge, pelo menos, os artigos 17, 18, 22, 23 e 26 da Lei de Segurança Nacional (7.170/73). Por sua condição de parlamentar, só pode ser preso por crime inafiançável, em flagrante e ainda deve ser analisado pela Casa que faz parte, em 24 horas. Embora o deputado represente apenas um esgoto ideológico radical, que não aceita viver em um regime democrático — e por isso deve ser preso, seu caso traz uma questão urgente e perigosa, que envolve os três poderes e as forças armadas.
Durante uma parte do vídeo de quase 20 minutos, Silveira claramente age incitando “à animosidade entre as Forças Armadas e as classes sociais ou as instituições” (art. 23, inciso II), onde, dentre outras coisas, recomenda que o Supremo prenda o general Eduardo Villas Bôas por suas manifestações no Twitter e em seu livro, que conta os bastidores na alta cúpula do exército quando foi autorizada uma manifestação, às vésperas do julgamento do habeas corpus de Lula, dando um recado ao STF.
O deputado preso ontem conseguiu o que queria: holofotes. Cometendo crimes, afrontando a democracia e abusando do poder que lhe foi concedido. A única maneira de conseguir alguma relevância (mesmo que para o mal) é pelo ódio. Mas há consequências bem maiores que sua prisão. Já chego lá.
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Uma das insinuações criminosas do deputado Daniel Silveira foi defender o AI-5, o mais duro golpe do regime militar. O Ato deu poder de exceção para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados. Instalou violência, repressão, censura e acobertou assassinatos. O mesmo artigo da Constituição que autoriza a prisão de parlamentares, também define que “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos". Sim, trata-se de imunidade. Mas, em nenhum momento representa uma licença para cometer crimes. A imunidade é para o exercício de sua representação, determinado, inclusive, por julgados da mesma Corte agora atacada e que atua sob fogo constante do bolsonarismo.
É grave o fato de comandantes de tropas atuarem em governos civis, como é o caso do ministro da Saúde. É muito grave que generais ameacem um poder da República. É gravíssimo que tenhamos que conviver com o fantasma da ditadura e sentindo o bafo fétido de gente que sonha com sua volta.
Enquanto escrevo, o STF confirmou em plenário a prisão decretada pelo ministro Alexandre de Moraes. Resta a Câmara confirmar e tentar reestabelecer um mínimo de ordem e decência no país. A Casa Legislativa está em uma encruzilhada e, sendo comandada pelo Centrão, está refém do fisiologismo. O governo, que ainda não pagou a conta na distribuição de cargos e do orçamento público que prometeu, no famoso ‘toma-lá-dá-cá’, deve defender o parlamentar preso com afinco, pois ele representa exatamente o que pensa o Presidente da República.
A situação leva a lembrança do samba-enredo “Heróis da Liberdade”, cantado no carnaval de 1969 — o primeiro depois do AI-5, que teve um verso censurado. Dizia:
A liberdade já raiou,
Essa brisa que a juventude afaga
Essa chama
Que o ódio não apaga pelo universo
É a revolução em sua legítima razão.
No último verso, “revolução” teve que ser trocada por “evolução”. Além de não retirar a beleza poética, o sentido se manteve. E o samba se sustenta até hoje como necessário, infelizmente. Não precisaríamos de uma revolução, mas Daniel Silveira e o bolsonarismo nos mostram que tivemos pouca — ou nenhuma — evolução.
 
 

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    Edmundo Siqueira

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