Nélio Artiles: Entre a doença e o doente
Nélio Artiles Freitas 06/01/2021 14:03 - Atualizado em 06/01/2021 14:05
Infectologista Nélio Artiles
Infectologista Nélio Artiles / Rodrigo Silveira
Quando alguém adoece e procura um atendimento médico, busca atenção, acolhimento e, principalmente, a competência do profissional, para ser capaz de ouvir, através de uma anamnese (histórico detalhado dos sinais e sintomas) da doença, executar um exame físico adequado e minucioso e conhecer a história epidemiológica e natural da possível doença que a acomete. Em seguida fazer uma proposta de estratégia diagnóstica de acordo com os achados da semiótica e, posteriormente, oferecer uma terapêutica que venha aliviar sinais e sintomas de forma responsável e eficaz e, assim, resolver a situação clínica.
O momento que vivemos é bem estranho, pois este processo ficou estremecido. Exames são realizados mesmo que não haja sinais ou sintomas específicos. Por exemplo, a tomografia computadorizada do tórax passou a ser quase uma rotina em pacientes suspeitos de Covid, mesmo que não tenha qualquer manifestação respiratória, trazendo alguns riscos pela radiação. E exames de sangue, muitas vezes sem critérios bem definidos.
Lembro sempre do meu querido mestre Edino Jurado da Silva, brilhante médico e professor, que vem ensinando várias gerações de profissionais a ciência da semiologia, que é o estudo dos sinais e sintomas de uma doença. Aprendi com ele a importância de uma boa história clínica, que sozinha é capaz de fazer quase 50% dos diagnósticos, acrescidos por um exame físico bem feito e detalhado. Os exames complementares, sorológicos e bioquímicos, ou de biologia molecular, vêm se tornando indispensáveis nos últimos tempos.
A acurácia e a precisão dos exames de imagem são sem dúvida de extrema importância, facilitando os diagnósticos, mas deixando de lado o “romantismo” do exame médico, com a tecnologia se sobrepondo e superando o raciocínio e, assim, o humanismo do ato médico. Médicos antigos ouviam com a orelha e depois com estetoscópio o tórax para ouvir o coração ou a respiração, hoje se antepõe radiografias, tomografias e ressonâncias etc.
Em tempos remotos era comum se provar a urina para saber se estava com excesso de açúcar. É claro e ainda bem que os tempos mudaram. Não nego que todos os avanços científicos pela biotecnologia, vêm mudando a celeridade dos diagnósticos com tratamentos mais efetivos e precoces, mas sem dúvida afastou um pouco o paciente do seu médico, que infelizmente às vezes sai do atendimento sem mesmo saber o nome do profissional que o atendeu. Justifica-se o fato de estarmos enfrentando uma pandemia com potencial de gravidade, onde há a necessidade de otimização de tempo e espaço de atendimento, e com uma logística diferente, onde o ato médico se envolve em diversos aspectos, como o uso de EPIs e de critérios definidos para um atendimento hospitalar, já tão sobrecarregado, ou domiciliar, desejado pela maioria das pessoas.
O grande número de atendimento em geral dificulta a aplicação dessas técnicas completas de semiologia que se aprende na escola e os profissionais de saúde precisam se superar para cumprir uma meta de atendimento que possa reduzir os danos provocados por esta doença. Mas nunca é demais tentar resgatar o valor e a dignidade humana principalmente na hora do sofrimento.
Termino com William Osler: “O bom médico trata as doenças, mas o grande médico trata o paciente”.
* Nélio Artiles é médico e professor

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