Arthur Soffiati: Quinteto para piano
Arthur Soffiati - Atualizado em 11/01/2021 21:30
Com Bach, a forma clássica da sonata já estava consolidada. As sonatas de Domenico Scarlatti eram peças curtas para cravo, com apenas um movimento. A sonata do final do barroco tem três movimentos e é executada por um ou dois instrumentos. Pode ser o cravo, a flauta, o violino ou o violoncelo. Pode ser qualquer um outro, mas alguns se tornaram mais frequentes.
No classicismo, a forma sonata passa a ser usada para conjunto de câmara. Trata-se de um conjunto para poucos instrumentos que executam uma composição em três movimentos no salão de uma residência nobre. Depois, esses conjuntos ganham salas de concerto. Essa forma básica em três movimentos adquiriu estrutura orquestral, como no concerto e na sinfonia. O concerto é uma sonata para determinado instrumento, digamos, a trompa, acompanhada por orquestra. Se a orquestra executa a composição, sem destaque para um instrumento, tem-se a sinfonia. Normalmente, a forma sonata para um só instrumento ou para mais, para orquestra e instrumento solista ou apenas para orquestra, ganhou, opcionalmente, um movimento a mais, perfazendo quatro movimentos. Em alguns casos excepcionais, chega a cinco movimentos.
Beethoven consolidou a sonata para piano com suas 32 sonatas. Para dois instrumentos, consolidou-se a sonata para violino e piano ou violino e violoncelo. Há experiências de sonatas com outros instrumentos, mas geralmente ao lado do piano, como as duas sonatas para piano e clarineta, de Brahms. Podemos encontrar conjuntos variados, mas os que se fixaram ou tenderam a se fixar foram: a sonata para piano, a sonata para piano e violino, para piano e violoncelo, o trio para piano, violino e violoncelo; o quarteto para primeiro e segundo violinos, viola e violoncelo; o quinteto para os quatro instrumentos de corda do quarteto com um piano; e o quinteto de sopros, com flauta, clarinete, oboé, fagote e trompa.
Há conjuntos maiores, como o sexteto, o septeto, o octeto e o noneto, mas eles não se regularizaram. Tanto que o compositor pode formar o conjunto com os instrumentos que lhe convêm. Brahms compôs dois sextetos para trio duplo de cordas: dois violinos, duas violas e dois violoncelos. O “Sexteto místico” de Villa-Lobos foi composto para flauta, oboé, saxofone, celesta, harpa e violão. Beethoven compôs um septeto para clarinete, trompa, fagote, violino, viola, violoncelo e contrabaixo. O “Choros nº 7”, de Villa-Lobos, é um septeto (também chamado de septimino) composto de flauta, oboé, clarinete, saxofone alto, fagote, violino, violoncelo, com a adição opcional de um tam-tam no fim da peça.
Schubert tem um octeto para os seguintes instrumentos: clarineta, fagote, trompa, dois violinos, viola, violoncelo e contrabaixo. O octeto de Stravinsky é formado por flauta, clarinete em si bemol, clarinete em lá, dois fagotes, trompete em dó, trompete em lá, trombone tenor e trombone baixo. O noneto de Villa-Lobos é constituído de flauta, oboé, clarinete, saxofone, fagote, harpa, celesta, piano e um grande conjunto de percussão com tímpanos, tam-tam, bumbo, bumbo grande, bumbo de campo, bumbo lateral, pratos, pratos de bronze e louças, chocalho, triângulo, reco-reco, puíta, pandeiros, caxambu e xilofone. Para que o conjunto tenha nove instrumentos, deve-se considerar que os instrumentos de percussão representam um só.
Mozart, Beethoven, Schubert, Chopin, Mendelssohn, Liszt, Brahms, Béla Bartók e vários outros compositores escreveram sonatas. A forma e o instrumento chegaram aos nossos dias. Também a sonata para dois instrumentos foi e continua sendo muito praticada. Da mesma forma, o trio para violino, violoncelo e piano. O quarteto é um dos conjuntos mais apreciados pelos compositores. Geralmente, eles só compõem um quarteto quando maduros. Já o quinteto de sopro é mais raro. Poucos os compositores se dedicaram a ele. É muito comum transcrever-se obras próximas para o que se consagrou como quinteto clássico: flauta, oboé, clarineta, fagote e tropa. Foi o que aconteceu com o “Divertimento n° 13”, para dois oboés, duas trompas e dois fagotes, que foi transcrito para os cinco instrumentos de sopro do quinteto.
Mas, o objetivo aqui é passar em revista o conjunto denominado quinteto para piano. Sigo Ana Lúcia Altino Garcia, que, para analisar o “Quinteto opus 34”, de Johannes Brahms, fez uma lista de obras da mesma forma constituída dos mesmos instrumentos. Ela escreve que, no século XVIII, Boccherini já havia composto vários quintetos para piano, mas o primeiro que ela registra foi composto por Johann Humml e data de 1802. Sua lista monta a 124 quintetos, sendo o último composto por Viteslav Novak, em 1904. Depois dessa data, eles rareiam. A conclusão notória é que o quinteto de cordas trata-se de um conjunto típico do século XIX, resultando em muitas composições importantes, embora continuasse a ser frequentado no século XX e XXI com mais raridade. Comentemos alguns quintetos do século XIX.
O “Quinteto para piano op. 87” (1802), de Johann Hummel (1778-1837), é o primeiro da lista. A obra desse compositor se situa na transição do classicismo para o romantismo. É normal, portanto, que suas composições iniciais guardem marcas do classicismo, e que as da sua fase madura já sejam consideradas românticas. Hummel é contemporâneo de Beethoven. A forma quinteto para ou com piano não estava ainda consolidada. O “op. 87” tem quatro movimentos. Em todos eles, o piano se destaca, com os outros quatro instrumentos de corda atuando como coadjuvantes. O autor revela ainda algo de Mozart, mas já revela muito de Beethoven, Schubert e até mesmo Brahms. A introdução do segundo movimento evoca, rapidamente, o terceiro movimento do “Trio n° 1” de Brahms. Destaca-se também o trabalho contrapontístico do primeiro movimento com algumas passagens virtuosísticas no piano.
Louis Ferdinand von Preussen é contemporâneo de Beethoven. Sua primeira obra, de 1803, é um quinteto para piano, em que revela influência do romantismo inicial. O piano desempenha papel de solista com acompanhamento das cordas. O virtuosismo fica por conta do teclado. No terceiro movimento —Andante com variazione — as cordas ganham destaque. O compositor é pouco conhecido, mas demonstra domínio convincente na arte da composição musical e contribui para consolidar a forma quinteto para piano, que terá obras primas no século XIX.
Ferdinand Ries (1784-1838) é um romântico imerecidamente pouco conhecido a julgar por algumas composições suas bastante inspiradas e trabalhadas. Seu “Quinteto para piano Op. 74” (1815), em três movimentos, é prova do seu talento. O primeiro movimento — grave — apresenta características típicas do romantismo, como crescendo e diminuendo, tensão e floreios no teclado. Além disso, mostra um bom trabalho contrapontístico. O segundo movimento — larghetto — revela bela melodia apresentada por um violoncelo sóbrio, depois repetida pelo piano com floreios. O dueto com o piano é expressivo. Por fim, o rondó alegro é executado pelo piano num insinuante floreio do teclado e cordas em pizzicato. Vale a pena conhecer a obra do Ries. Os interessados devem procurá-la no Youtube.
John Field nasceu em 1782, na Irlanda, no seio de família de músicos. Foi aluno de Clementi. Transferiu-se para a Inglaterra. Viveu na Rússia, que se integrou mais ao ocidente depois das reformas do czar Pedro o Grande, no início do século XVIII. Viveu também na França. Ficou conhecido como pianista em seu tempo. Suas composições destinam-se ao piano. Seu “Quinteto para piano H. 34” (1815) começa por esboçar o tema com um bom contraponto das cordas para abrir espaço ao piano, que demonstra virtuosismo no teclado. Já mostra claramente inserir-se no romantismo. É um bom compositor, embora pouco conhecido. Morreu em 1837.
Pianista e compositor inglês de origem alemã, Johann Baptiste Cramer (1771-1858) foi filho de famoso violinista e maestro de Londres. Insere-se no romantismo, mas conserva traços do classicismo. Este “Quinteto nº 3, opus 79” (1832), em três movimentos, não traz novidades. Ele teve uma vida longa, já que 87 anos era uma expectativa de vida rara no século XIX. Mas vale a pena ouvir Cramer, pois a ideia vigente é a de que o romantismo é um fenômeno quase que exclusivamente alemão, com ramificação na França. Pouco se conhece do romantismo na Inglaterra.
Em 1819, Franz Schubert apresentou seu “Quinteto em Lá Menor, D. 667”, que se tornou famoso com o subtítulo de “A truta”. Trata-se do primeiro quinteto para piano a consolidar a forma. É longo nos seus cinco movimentos e com o uso de um contrabaixo ao lado de um violoncelo. Portanto, Schubert desafia a forma que se consolidava. Em vez de reforçar o centro com primeiro e segundo violinos, Schubert fortalece a extremidade grave. Mas os dois instrumentos têm momentos bastante inspirados e fazem um bom trabalho contrapontístico. O compositor se mostra muito competente na composição da obra, que se tornou famosa. É bastante conhecido e apreciado o tema do quarto movimento, que permite variações. O quinteto se movimenta na primeira fase do romantismo, dominada por Beethoven. A obra guarda o frescor das origens do romantismo nos seus cinco movimentos.
Anton Reicha é um romântico ao estilo de Beethoven da fase inicial e intermediária. Seu “Quinteto para piano” (1826) apresenta algum trabalho contrapontístico, sobretudo no segundo movimento, em que o violino contracena com o piano num lento poco andante. Ouve-se também a voz grave do violoncelo. No quarto movimento, o violino canta em boa parte do tempo. A peça é longa sem que o compositor tenho fôlego para a sustentar durante 43 minutos. Raicha dissolveu-se em meio a uma legião de compositores, não produzindo uma obra que o imortalizasse. Também no classicismo, existe uma multidão de esquecidos, embora fossem cultuados em sua época.
Essa revista terá continuação.

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