Maradona e a sacralidade transcendente dos mundanos
28/11/2020 16:34 - Atualizado em 28/11/2020 22:17
Não consigo parar de ver a conversa entre Maradona e Pelé no La Noche del Diez. Não tinha visto antes. E, claro, impulsionado pelo vício de sociólogo, o tempo todo pensando no fenômeno em que estou envolvido. Fixei-me na conhecida tese de que buscamos transcendência e sacralização mesmo sem o pertencimento e o discurso religioso.
Durkheim e José Casanova, e suas reflexóes sociológicas sobre a religião, me vieram à cabeça. De Durkheim, a ideia de que a "efeverscência coletiva" e a "sacralização" de pessoas e coisas sugerem uma afinidade ontológica entre religão e sociedade. Como se toda forma de vida social fosse constituída por crenças de natureza religiosa, ainda que os envolvidos, como eu, no caso de Maradona, não estivessem convencidos a aderir a uma religião, como eu ainda (isso pode mudar...) não estou convencido a entrar na Igreja Maradoniana, onde é possível realizar batismos e casamentos. De Casanova me veio a ideia que corrige uma confusão presente em Durkheim: a mistura entre as dimensões distintas da sacralidade, da transcendência e da religião. Existe sacralidade além da religião e sem transcendência, pois pessoas e coisas mundanas podem ser sagradas, como Maradona e Pelé são.
Existem pessoas e coisas sagradas e transcendentes que não são e nem precisam ser religiosas para serem sagradas e transcendentes. Fiquei pensando que Maradona e Pelé, assim como a conversa entre os dois, são pessoas e coisas sagradas e transcendentes, indepentente se serem pessoas e coisas religiosas. Os dois são religiosos, mas sua sacralidade e transcendência independe disso. O futebol também produz sacralidade e transcendência por sua própria lógica. Maradona e Pelé, cada um a seu modo, representam uma dimensão sagrada e transcendente para Argentina e Brasil, produzida pelo futebol, mas que tem consequências duradouras na identidade nacional de cada país. Não apenas a sociologia da religião, mas também a sociologia do futebol indica que nossa sociedade vai muito além do que a vã sociologia costuma supor. A pessoa não se esgota nos enquadramentos biológicos, culutrais e sociais de seu contexto. Ele os transcende. E o que transcende em Maradona? Seguindo a legião dos fiéis, digo que é a ideia de um ser humano sacralizado não pela sua perfeição, mas pela combinação entre perfeição e imperfeição, que nos remete ao visceral contato entre cristãos e pagãos. O gênio argentino exemplifica a combinação entre o ideal cristão do amor e o ideal pagão da grandeza. Ou seja, o cristianismo real e sincero de toda época, em sua tarefa de sacralizar o homem e humanizar Deus.

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    Roberto Dutra

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