Na Ribalta: Rica Arquitetura de detalhes de Caio Fernando Abreu no Leituras Santas
Fernando Rossi - Atualizado em 30/11/2020 15:01
Nesta quarta-feira (2), às 20h, vai ao ar a 20ª edição do projeto Leituras Santas, fechando a primeira temporada, que contou com 40 atores e um músico, além de vídeo maker e sonoplasta. Durante seis meses, desde o dia 10 de junho, foram apresentadas leituras dramatizadas de autores locais, nacionais e internacionais. As lives totalizaram mais de 24 horas de leituras, todas realizadas na Santa Paciência Casa Criativa. Elas podem ser vistas no Instragram @santapacienciacasacriativa.
Para fechar a programação da primeira temporada, será apresentada a dramatização do conto “Sem Ana, blues”, de Caio Fernando Abreu (1948-1996), com os atores Whiverson Reis, Carlos Frederico Rangel e Ítalo Guimarães. Participação do músico Wagner Moreira. Fotografia: Alexandre Ferram.
A história de “Sem Ana, blues” é um dos contos que fazem parte do livro “Os dragões não conhecem o paraíso”, publicado em 1988 pela Companhia das Letras. O volume é composto por 13 histórias que, segundo o autor, giram “sempre em torno de um mesmo tema: amor. Amor e sexo, amor e morte, amor e abandono, amor e alegria, amor e memória, amor e medo, amor e loucura.” O autor diz ainda que o livro pode ser uma espécie de romance-móbile. Um romance desmontável, onde essas 13 peças talvez possam completar-se, esclarecer-se, ampliar-se ou remeter-se de muitas maneiras umas às outras, para formarem uma espécie de todo. Aparentemente fragmentado.
“Sem Ana, blues”, em leitura, narra a história de um homem de meia-idade que parece ter sido abandonado pela mulher amada, Ana. Em seu apartamento, ele só tem nas mãos um bilhete deixado por ela. O narrador, em primeira pessoa, descreve de que forma reagiu ao bilhete de Ana: Sabemos que o tempo passou, porque ouvimos já os seus lamentos; sentimos seu desespero, os cheiros impregnados na história que ele nunca havia dividido com ninguém. O conto chega ao fim. Elementos poéticos: “Sem Ana, Blues” “Quan-do-A-na-me-dei-xou...” Sete sílabas, como nos versos em redondilha maior, muito comuns em poemas e canções. Repete-se como um refrão, alternando com “depois que Ana me deixou...” pontuando o conto e marcando o ritmo. A narrativa, dizendo do modo mais simples, é uma sucessão de acontecimentos. O conto é uma narrativa breve,
A repetição é uma marca forte no conto. A primeira frase, “Quando Ana me deixou”, vai ser retomada diversas vezes, alternando com “depois que Ana me deixou”, que podem ser vistas como um refrão, além de reforçarem a ideia do abandono e de alterarem a passagem do tempo. A repetição também indica a continuidade das ações e, ao mesmo tempo, enfatiza-as.“E chorava e chorava e chorava até dormir sonos de pedra sem sonhos”; e “Vomitava e vomitava de madrugada... e só sabia perguntar por que, por que, por que...”
Podemos considerar que “Sem Ana, blues” tem duas metáforas centrais: a da bolha — porque, no final, o narrador não está mais dentro da bolha, mas sente-se a própria bolha que, por sua vez, se torna opaca como ele — e a do naufrágio
Talvez em um “momento-depois” possamos ter oportunidades tanto para enveredarmos por caminhos não percorridos quanto para nos aprofundarmos nos já “conhecidos”, uma vez que a narrativa de Caio Fernando Abreu pode ser considerada “uma rica arquitetura de detalhes”. Imperdível!
Biografia — Caio Fernando Loureiro de Abreu nasce em setembro de 1948, na cidade de Santiago do Boqueirão, interior do Rio Grande do Sul. Muda-se para Porto Alegre para fazer seus estudos secundários e lá tem seus primeiros contos publicados. Em 1970, já vivendo em São Paulo publica “Inventário do irremediável”, um livro de contos, e o romance “Limite branco”. Em seguida vieram: “O Ovo Apunhalado”, “Pedras de Calcutá”, “Morangos mofados” — livro mais famoso de sua carreira —, “Triângulo das águas” e, em 1988, o livro “Os dragões não conhecem o paraíso”, publicado pela Companhia das Letras. Neste mesmo ano, Regina Zilberman organiza a antologia de contos “Mel & Girassóis”. No ano seguinte, a editora Globo publica “As frangas”, único livro do autor dedicado ao público infantil. Em 1990, o romance “Onde andará Dulce Veiga?” é lançado.
Nos anos seguintes, o autor viaja à Europa para lançar as traduções de seus livros. Além disso, também escreve crônicas para os jornais O Estado de São Paulo e Zero Hora. Volta da França em 1994 e anuncia, na crônica “última carta para além dos muros””: “Voltei da Europa em junho me sentindo doente. [...] Procurei um médico e, à revelia dele, fiz O Teste. Aquele. Depois de uma semana de espera agoniada, o resultado: HIV Positivo.” Volta para a casa dos pais, em Porto Alegre, onde se põe a revisar livros do início de sua carreira literária, além de organizar “Ovelhas negras”, último livro publicado antes de sua morte. Caio Fernando Abreu faleceu em fevereiro de 1996, menos de dois anos depois do diagnóstico positivo do vírus da Aids.
Depois de sua morte, foram lançados livros inéditos, a saber: “Pequenas epifanias” (1996), com crônicas publicadas nos jornais O Estado de S. Paulo e Zero Hora, “Estranhos estrangeiros, coletânea de contos e novelas (1996), “Teatro completo” (1997), “Cartas” (2002), “A vida gritando nos cantos” (2012), uma nova coletânea com crônicas publicadas no jornal O Estado de S. Paulo, e “Poesias nunca publicadas”, com poemas recolhidos do acervo de Caio Fernando Abreu, cuja previsão de lançamento era 2012. Porém, por uma falha editorial, teve sua publicação cancelada e, até o momento, não tem previsão de lançamento. Além das antologias: Fragmentos: “8 histórias e um conto inédito“ (2000), “Melhores contos“ (2006), “Caio 3D: o essencial da década de 1970“ (2006), “Caio 3D: o essencial da década de 1980“ (2005), “Caio 3D: o essencial da década de 1990“ (2006), “Além do ponto e outros contos“ (2009), uma coletânea com fragmentos da obra do autor que tanto se popularizou na internet: “#Caio Fernando Abreu de A a Z“ (2013) e “O melhor de Caio Fernando Abreu: contos e crônicas“ (2015).
Leituras Santas - Histórico — A primeira edição ocorreu no dia 10 de junho. O projeto totaliza duração de seis meses, com 20 edições, contando com 40 atores e um músico, e mais de 24 horas de exibição de obras de 15 autores: locais, nacionais e internacionais
Textos: “Antígona”, “Nenhuma Semelhança e Mera Coincidência”, “Cartas para Nietzsche”, “O Mendigo ou o Cão Morto”, “Meu Querido Diário”, “Jogo da Verdade”, “As Hienas”, “Encontro no Bar”, “Feriado Nacional”, “Salva Amizade”, “Piquenique no Front”, “Cicatrizes na Parede”, “Namíbia Não”, “Elas Lilith”, “Eva e Pandora em Nós”, “Artaud e seu Duplo”, “As Centenárias”, “Espere a Morte de Baton”, “João e Maria”, “Um Novo Começo” e “Sem Ana Blues”.
Temas levados ao ar: Relação de poder, crítica social, solidão, stress e o sistema Educacional, discriminação, pressão social, desigualdade social, violência, amizade, nostalgia, choque de gerações, Absurdo, inutilidade das guerras, escravidão, racismo, empoderamento feminino, insanidade e arte, tradição e cultura popular, confinamento e sistema carcerário, encantamento dos contos infantis, depressão e solidão, abandono.
Atores: Pedro Fagundes, Rôsangela Queiroz, Beatriz Agra, Caio Paes Freitas, Alexandre Ferram, Luciano Oliveira, Fabricio Simões, Elias Nascimento, Katiana Rodrigues, Lucas Machado, Arnaldo Zeus Neto, Clara Abreu, Rodri Mendes, Ítalo Guimarães, Whiverson Reis, Júlia Bravo, Nathan Silva, Paulo Victor Santana, Daniel Souza, Laíza Dias, Eliana Carneiro, Phellipe Rangel, João Victor Barbosa, José Vitor Neves, Ícaro Pinheiro, Carlos Frederico Rangel, Brendha Raad, Thiago Eugênio, Dara Gomes, Julian Nevez, Joilson Bessa, Bernadete Bogado, Jailza Mota, Liana Velasco, Luciana Rossi, João Pedro Velasco, Bernardo Botelho, Luiza Imbeloni, Almir Junior.
Músico: Wagner Moreira.
Autores: Nacionais – Aninha Franco, Braúlio Pedroso, Flávio Marinho, Aldri Anunciação, Wilson Coelho, Newton Moreno, Maria Clara Machado, Júlio Cesar Monteiro, Caio Fernando Abreu. Internacionais – Bertold Brecht, Fernando Arrabal. Locais – Eugênio Soares, Adriano Moura, Arlete Sendra, Esdras Pereira, Luciana Kezen.

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