Nélio Artiles: A negação do óbvio
- Atualizado em 26/11/2020 08:09
Infectologista Nélio Artiles
Infectologista Nélio Artiles / Rodrigo Silveira
O número de casos de Covid vem aumentando progressivamente, seja qual for a onda que estamos surfando, confirmando que estamos em curso de uma grave pandemia que vem abreviando a vida de muitas pessoas em todo mundo. Por isso é preciso aceitar e enfrentar esta situação. A negação é um processo psicológico que representa um mecanismo de defesa inconsciente, seja para fugir do reconhecimento dos pensamentos, impulsos ou desejos e, principalmente, de fatos que não se queira admitir ou tolerar. Após uma pressão emocional importante, é até saudável negar alguma circunstância, para dar a oportunidade à mente e às emoções de uma renovação de ânimos e perspectivas. Porém o processo de negacionismo pode ser também patológico e precisa por vezes de intervenção terapêutica e psicoterápica.
Quando isso acontece com líderes e gestores, passa a ser muito perigoso, já que muitos dependem de decisões para trilhar caminhos e destinos. Estamos passando por uma crise mundial na qual o Brasil, nosso estado e município sofrem agudamente. Apesar de todo sofrimento e bagunça social, política e econômica que este inimigo invisível causou, não podemos negá-lo. Ele continua entre nós, adoecendo gente e matando famílias. Justamente na hora de darmos as mãos, independente de crenças e filosofias políticas, surgem briguinhas ridículas e posicionamentos paralelos à luz da ciência. É hora sim de pensar e questionar sobre nossas obrigações e deveres, mas com responsabilidade.
Negar que a terra é redonda ou crer que vacinas podem fazer mal ao invés de bem, é típico de psicopatas, com algum grau de limitação cognitiva e sensorial. Assim como este terrível SARSCoV-2 mexe na capacidade de perceber cheiro ou gosto e até uma baixa da oxigenação do sangue, acho que ele está mexendo no intelecto das pessoas. Com todas as confirmações científicas que o distanciamento e o uso de máscaras podem reduzir em muito a transmissão e o adoecimento, ainda há aqueles que não o praticam, negando um seguro para a própria vida e as vidas dos que os amam.
Não é possível entender tanta rejeição ao uso de máscaras, pois é só um pedaço de pano no rosto que, usado de maneira correta, tapando nariz e boca e não o queixo ou pescoço, previne de forma eficaz a transmissão e o contágio. Um comportamento insano e inconsequente de muitos favorece agora o recrudescimento da doença, com taxas de ocupações perigosas nas UTIs e enfermarias de nossos hospitais.
Jovens pouco adoecem ou se agravam, mas levam a doença para idosos e doentes crônicos que precisam de cuidado e valorização. Mesmo que líderes confusos e desequilibrados não adotem ou recomendem, é mister usar as máscaras sempre que for sair de casa ou receber visitantes. É possível demonstrar amor com um olhar ou gestos sem precisar abraçar ou tocar. Devemos lembrar que toda superfície que se toca pode ter o vírus viável em gotículas e assim se contaminar. Por isso a lavagem constante das mãos é tão fundamental. E qualquer vacina será bem-vinda, desde que sejam finalizadas todas as fases dos estudos e que seja reconhecida pelos órgãos científicos mundiais. Por que negar o que é evidente e claro?
Termino com duas citações de Clarice Lispector: “O óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar”. “Será que o meu ofício doloroso é o de adivinhar na carne a verdade que ninguém quer enxergar?”

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